Decano do STF dá recado a governo sobre urgência de ações concretas para soberania digital

Por trás da declaração do ministro Gilmar Mendes sobre a soberania digital, existe uma preocupação de que o Brasil deve, com urgência, priorizar o tema que coloca em risco as instituições brasileiras — somada à percepção, por parte do governo e de outros atores políticos, de que o objetivo é influenciar as eleições do ano que vem.

“A soberania digital deve constituir prioridade estratégica imediata para o Brasil”, escreveu o ministro na rede social de Elon Musk. “Vivemos uma dependência crítica de infraestrutura digital controlada por empresas estrangeiras”, continuou.

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Há uma premissa importante para analisar a mensagem, que dialoga com o discurso que Lula vem adotando e que foi reforçado ontem em reunião ministerial: a ofensiva de Donald Trump contra o Brasil expôs um cenário perigoso de falta de políticas públicas digitais, que coloca o Brasil em situação de grande vulnerabilidade.

Há uma avaliação de que, sem o controle da infraestrutura nacional de dados e de estrutura regulatória para dirimir o poder de poucas organizações, o Brasil fica numa situação em que tem a soberania jurídica garantida pela Constituição, mas não tem uma soberania de fato, já que não controla os sistemas que hoje mandam de fato no mundo.

Novo contexto demanda atualização das regulações

A obrigatoriedade de que provedores de aplicações mantenham datacenters no país já foi discutida e rejeitada no Congresso, durante a tramitação do Marco Civil da Internet (MCI).

À época, em meio às revelações de espionagem por parte dos Estados Unidos pelo ex-terceirizado da NSA Edward Snowden, o governo Dilma Rousseff (PT) defendeu o ponto, mas ficou isolado e saiu derrotado. As empresas argumentaram que a medida poderia limitar o acesso de usuários brasileiros a serviços, mesma retórica usada para rejeitar outras tentativas de regulação.

Porém, desde a aprovação do MCI, há 11 anos, o cenário mudou no Brasil e no mundo — com escândalos relacionados à coleta de dados e a óbvia relevância das redes em períodos eleitorais. Tudo isso, sem contar a importância que a coleta e o tratamento de dados ganham na era do desenvolvimento da inteligência artificial. Desse modo, de lá para cá, legislações com requisitos de localização de dados foram aprovadas por diversos países.

Tom é de crítica ao governo – e não alinhamento

É nessa mudança de vento que a fala de Gilmar se encaixa. A situação atual é que os sistemas financeiros e tecnológicos mais utilizados por usuários brasileiros estão, em sua maioria, sob o controle de empresas com sede nos Estados Unidos, exatamente o país que promove o ataque à soberania brasileira. 

Existe também um incômodo em relação ao que consideram a falta de priorização por parte do governo sobre tais temas, que estariam sendo considerados estratégicos no discurso, mas que não ganham tração, nem o foco devido desde a derrota do PL 2.630/2020, o “PL das Fake News”.

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O ministro resolveu chamar a atenção de Lula ao constatar o pouco que o Brasil pode fazer para negociar as tarifas ou as amarras que instituições financeiras dizem ter — a fim de  evitar que, por exemplo, a Lei Magnitsky seja aplicada indevidamente. 

Embora a coincidência temporal entre as falas de Gilmar e Lula levante inquietações em setores como o mercado de que o país estaria buscando escalar a crise com Trump, nesse caso não houve efetivamente uma dobradinha. A lógica do decano na verdade foi alertar e não se alinhar ao governo.

O recado é que é preciso ir além do discurso de enfrentamento que tem adotado. Em sua visão, o país deveria avançar projetos que buscam incentivar a construção de datacenters no Brasil, ampliar o mercado para empresas de outros países e focar na aprovação do projeto que busca regular o processo de análise concorrencial do mercado digital, só para citar alguns exemplos.

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