Recursos, precedentes e o Tema 1201 do STJ

O STJ concluiu no último dia 6 de agosto o julgamento do Tema 1201 e definiu os critérios para a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado, nos termos do art. 927, III, do CPC.

Além disso, o STJ analisou a possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.

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Trata-se de julgamento bastante aguardado e que trouxe, mais uma vez, a discussão a respeito da aplicação dos precedentes no Brasil. A existência de um sistema de precedentes, sempre bastante questionada, mostra-se cada vez mais presente em nosso sistema processual, especialmente pela exigência de respeito às decisões dos Tribunais Superiores e, no caso do Tema 1201, da possibilidade de aplicação de multa, assim como da indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em precedente qualificado.

As teses firmadas no julgamento foram as seguintes: I – O agravo interposto contra a decisão do tribunal de origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição do recurso especial ou extraordinário, quando apresentado contra a decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC; II – A multa prevista no artigo 1.021, § 4º, não é cabível quando alegada, fundamentadamente, a distinção ou a superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, ou quando a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau.

Excetuadas essas hipóteses, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa considerando as peculiaridades do caso concreto.

Diante desse julgamento, destacam-se algumas questões. A primeira delas diz respeito ao fortalecimento do sistema de precedentes e o papel do STJ e STF enquanto cortes de precedentes. Isso porque a possibilidade de aplicação de multa, quando o agravo interno contrariar precedente qualificado do STJ ou do STF, sem realizar a correta distinção ou superação do precedente, demonstra a interrelação entre os recursos e o sistema de precedentes desenhado pelo CPC/15, o qual busca acelerar o rito procedimental, nesse caso, por meio da negativa ao recurso por decisão do relator.

Isso conduz a uma outra questão que merece análise: o desafio da operação e funcionalização dos precedentes. Fala-se em desafio, pois seja para superar ou para distinguir, a existência do precedente exige a análise detida dos casos paradigmas, bem como de suas razões e situações fáticas que levaram a fixação da tese como resultado do julgamento.

Sabe-se – e isso ficou evidente no critério fixado pelo STJ – que a rejeição de uma norma do precedente deve ser feita mediante argumentação específica que demonstre a superação ou a distinção entre o caso sob análise e o caso tido como precedente.

Assim, os fundamentos que levaram à fixação da tese em recurso especial ou extraordinário repetitivo são essenciais para a construção dos argumentos constantes no agravo interno, tendo em vista a necessidade de demonstrar que o entendimento firmado no caso paradigma não se aplica, seja porque as razões são diferentes, seja porque tais razões não merecem mais ser aplicadas.

Convém lembrar que os fundamentos dos julgados são essenciais para que se possa analisar o correto desempenho das cortes como formadoras de precedentes. Isso porque, o julgamento de casos repetitivos, embora resultem em teses para serem aplicadas a casos idênticos, devem demonstrar um efetivo debate e a real colegialidade dos tribunais a respeito da matéria julgada, o que permitirá a melhor operacionalização para fins de superação e distinção.

Observando que a questão submetida à julgamento no Tema 1201 diz respeito à aplicação do precedente disposto no art. 927, III, fica evidente a discussão a respeito da tese jurídica e da ratio decidendi como elementos diferentes no precedente, pois enquanto a primeira tem como principal função a de “conferir certeza no que diz respeito à solução da controvérsia tida como relevante (no sentido do art. 947 do IAC) ou repetitiva, objeto do incidente de formação do precedente qualificado e vir a ser utilizada em casos absolutamente idênticos[1]”, a ratio decidendi é o núcleo vinculante, é a razão de decidir de determinado julgado, ou seja, é a razão que levou à conclusão do tribunal acerca de determinado assunto de direito. A ratio decidendi está nos fundamentos do julgado e pode ser usada para a distinção e superação do caso paradigma.

É por isso que o desempenho, do STJ e do STF, como cortes de precedentes, demanda um compromisso com a discussão, com o debate e com a participação[2] nos casos em julgamento, uma vez que o acesso a esses tribunais tem-se tornado cada dia mais restrito. Essa restrição é uma decorrência do desempenho da sua função, mas não deve resultar no impedimento de discussões essenciais e que demandam análise e debate das cortes.

Essas cortes, dentro da estrutura judiciária brasileira, buscam desempenhar o papel central de guardiões e de intérpretes por excelência da Constituição e da legislação infraconstitucional (respectivamente), com o intuito de definir o sentido e o alcance dos dispositivos da legislação nacional, construindo precedentes que orientam, se não vinculam, e devem ser observados nos casos futuros e semelhantes. STF e STJ são, assim, as cortes que dão a “última palavra” na interpretação e na aplicação do Direito nacional à luz do caso concreto[3].

Portanto, sendo exigida a demonstração de distinção ou superação no caso do agravo interno, conforme prevê a tese fixada no Tema 1201, resta evidente a necessária análise dos fundamentos dos julgados e a importância da formação de precedentes que resultem da efetiva deliberação e colegialidade das cortes, uma vez que a distinção e a superação dependem menos da tese fixada e mais das razões que levaram a sua formação.

[1] ALVIM, Teresa Arruda; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Ainda, sobre a tese e a ratio, 18 de outubro de 2023. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/395497/ainda-sobre-a-tese-e-a-ratio. Acesso em 14 ago. 2025.

[2] Com base nesse panorama da justiça opinativa brasileira e de um Supremo Tribunal que é individualista e não cooperativo, características que repercutem na definição dos fundamentos determinantes e, portanto, da ratio decidendi dos precedentes, torna-se fundamental promover a participação popular no processo decisório, por exemplo, com as audiências públicas e amicus curiae. É essencial, ainda, que o processo constitucional desenvolva-se de modo comparticipativo e policêntrico, permitindo-se ampliar a quantidade de opiniões que influem sobre a decisão final, “garantindo-se que a votação que culmina na decisão não resulte apenas na opinião de um pequeno grupo de pessoas” (RODRIGUEZ, 2013, p. 109).

[3] A existência de uma Corte Suprema ou Corte de Precedentes deve revelar não apenas a defesa de um critério de autoridade dessas Cortes, mas a preocupação com a formação qualitativa de decisões que evidenciem um verdadeiro debate e deliberação acerca das questões postas para a discussão. O exercício da sua função deve ser buscar garantir a melhor interpretação da Constituição, considerando a necessária participação para a legitimação dos seus precedentes. Sem isso, a ideia de unidade do Direito é apenas um sonho distante, e a função da Corte Suprema será esvaziada. Sobre a função das Cortes na formação dos precedentes e a crítica ao argumento de aplicação dos precedentes por um critério de autoridade desvinculado da qualidade das razões dos precedentes, ver: PAIXÃO, Shayane do Socorro de Almeida da; COSTA, Rosalina Moitta Pinto da. Dificuldades para a implementação de uma teoria de precedentes a partir do critério de autoridade. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 399-421, jan./abr. 2023. DOI: https://doi.org/10.12957/redp.2023.65794.

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