A síndrome do juiz Hércules e a consequência bilionária da decisão de Dino

O ministro do STF Flávio Dino proferiu na última segunda-feira (18/8) decisão monocrática na ADPF 1.178/DF. Algumas observações iniciais: da ementa se extrai tratar – supostamente – de soberania nacional; fundamentação legal na LINDB e interpretação em “tiras”; interpretação da expressão soberania nacional ampliativa.

Afinal, do que trata a ADPF 1.178/DF? “A presente ação, proposta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), tem por objeto ‘a interpretação jurídica (inconstitucional), que vem sendo adotada por diversos municípios brasileiros, de que eles poderiam litigar diretamente perante jurisdições estrangeiras, em detrimento da jurisdição brasileira, sobre fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira”.

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A discussão versa a respeito da seguinte questão: municípios podem ser submetidos à jurisdição de Estados estrangeiros, renunciando à imunidade de jurisdição do Estado brasileiro em face de outros Estados nacionais? O fundamento legal está em diversos artigos da Constituição Federal e o art. 17 da LINDB.

Não se verifica a discussão de pessoas naturais, tão somente de entes da federação – municípios –, uma vez que a causa de pedir do Ibram faz referência a isso: “a interpretação jurídica (inconstitucional), que vem sendo adotada por diversos municípios brasileiros”.

Embora todo o esforço do ministro Dino em citar os dispositivos constitucionais, salvo melhor juízo, estender os efeitos da decisão às pessoas naturais é um excesso por si só. Sobretudo pelo fato de nem sequer serem objeto do pedido da ADPF, tornando a decisão, no mínimo, extra petita.

Extra petita pois das conclusões do ministro Dino se extrai que: “leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a: a) pessoas naturais por atos em território brasileiro; b) relações jurídicas aqui celebradas; c) bens aqui situados, depositados, guardados, e d) empresas que aqui atuem”.

Por fim, determinou o ministro que:

“Tendo em vista os riscos e possibilidades de operações, transações e imposições indevidas envolvendo o Sistema Financeiro Nacional, determino a ciência do Banco Central; da Federação Brasileira de Bancos (Febraban); da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo aos postulados dessa decisão, dependem de expressa autorização desta Corte, no âmbito da presente ADPF”.

Não se deve negar os esclarecimentos prestados nesta terça-feira (19/8) a respeito do tema. Dino esclareceu que “decisões de tribunais internacionais reconhecidos pelo Brasil têm eficácia imediata”.

É a síntese que diz respeito ao objeto da ADPF 1.178/DF e a decisão apresentada pelo ministro.

Qual é a consequência prática da decisão ao analisar o caso em tela, em que se discute municípios, e estender a interpretação também às pessoas naturais?

Além de ser uma decisão monocrática extra petita, se fundamenta em uma vasta gama de dispositivos constitucionais, e um infraconstitucional (art. 17 da LINDB), sem considerar a sua aderência às pessoas naturais, pelo menos, conforme o caso prático exige. Ou seja, a ADPF não trata de pessoas naturais, logo, a decisão deveria – salvo melhor juízo – e por segurança jurídica, previsibilidade, racionalidade jurídica, e lógica na argumentação apresentada pelo ministro, se ater aos entes da federação – municípios – e não aos munícipes.

A fragilidade acima ainda é corroborada pela generalidade, abstração e fragmentação da interpretação e aplicação do direito. A decisão é genérica, pois não se atenta ao caso específico – municípios; é abstrata, pois foge do objeto principal e por razões nela expostas, estende os efeitos em decisão monocrática às pessoas naturais sem a menor aderência e vínculo com a causa de pedir.

Por fim, é fragmentada a decisão, uma vez que usa os dispositivos constitucionais e o art. 17 da LINDB de forma isolada, particularizada e “em tiras”. Nas palavras do ministro Eros Roberto Grau: “Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo – marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas” (ADPF 101).

Ora, a decisão monocrática do ministro Dino na ADPF 1.178/DF decorre da interpretação “em tiras”, pois opta por fragmentar a aplicação autêntica, lógica, racional e legal do direito para privilegiar uma aplicação política do direito, pautada pela conveniência e oportunidade, mas sem considerar os efeitos práticos da decisão, nos termos do que o art. 20 da LINDB determina. “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.”

Novamente, qual a consequência prática da decisão de Flávio Dino?

Na BBC News Brasil: “Nesta terça-feira (19/8), o dólar fechou em alta de 1,23%, cotado a R$ 5,50, a maior alta da moeda americana em 2025. Já a Bolsa de valores caiu 2,10%. A queda foi puxada pelas perdas das ações dos principais bancos brasileiros, como BTG Pactual (-4%), Itaú (-3,5%), Bradesco (-3,5%) e Banco do Brasil (-5,5%)”.

Na CNN Brasil: “As principais instituições financeiras do país perderam mais de R$ 40 bilhões em valor de mercado”.

Não só o impacto econômico é alarmante, como também a inobservância às regulamentações sobre o tema. A propósito, texto publicado no site O Bastidor é esclarecedor e enfático ao afirmar que:

“As ferramentas ao alcance de Washington são formais, graduais e já estão escritas: a ordem executiva da Global Magnitsky (E.O. 13818) autoriza o Tesouro, em consulta ao Departamento de Estado e ao procurador‑geral, a designar não apenas o alvo original, mas qualquer pessoa que lhe preste ‘assistência material’.

A regulamentação (31 C.F.R. parte 583) transforma essa proibição em operação. E o manual de aplicação da OFAC, anexo ao 31 C.F.R. parte 501, Apêndice A, estabelece um rito: requisições de informação (§ 501.602)relatórios de bens bloqueados (§ 501.603)transações rejeitadas (§ 501.604), pré‑aviso de penalidade, direito de defesa e decisão final. Na esfera criminal, a alavanca é o IEEPA (50 U.S.C. § 1705): violações dolosas podem ser processadas pelo Departamento de Justiça, com penas severas”.

A preocupação não precisa ser diretamente com os bancos em si, mas com os usuários dos serviços bancários (pessoas naturais, jurídicas – de direito público e privado), que experimentarão (e já se percebe) as consequências práticas mediatas e imediatas do mercado/economia, isso tudo em decorrência da decisão de um único ministro do STF.

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Devemos “levar o direito a sério”, conforme Ronald Dworkin sinalizou, “é certo que um juiz verdadeiro só irá imitar Hércules até certo ponto, a permitir que o alcance de suas interpretações se estenda desde os casos imediatamente relevantes até outros casos gerais do direito”. (DWORKIN, Ronald, O império do direito. SP, Martins Fontes, 2003)

Por fim, a decisão monocrática será submetida aos pares do ministro para decisão final. Resta aguardar se a decisão será proferida pelos ministros – de direito – do STF ou do monte Olimpo. Seja como for, que sejam considerados os efeitos práticos da decisão.

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