STF, Magnitsky e Seção 301: os sete erros que isolaram o Brasil e seus custos jurídicos

Há dias em que um país segue adiante com o mapa de sempre nas mãos, como se os rios não tivessem mudado de curso e as pontes ainda estivessem no lugar, e é nessa confiança teimosa que começa a descida rumo a um caminho sem retorno. O horizonte recuou, as regras mudaram, ninguém se deu conta, e o que era caminho tornou-se rampa descendente.

Primeiro pecado, soberba. Subestimou-se a força do International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), essa chave que os Estados Unidos giram quando decidem que a política externa precisa de dentes. Tratou-se como remota a hipótese de sanções financeiras diretas e indiretas, como se tamanho nos conferisse imunidade. Quando a névoa assentou, havia gente no centro do alvo e a lição estava dada. Quem joga com a bola dos outros já começa perdendo o jogo.

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Segundo pecado, avareza. Havia mesa, sinais e tempo para negociar. Havia moeda de troca, minerais raros dos quais os EUA dependem totalmente do Brasil e muitas outras opções de negociação. Preferiu-se a inércia, que é a recusa disfarçada. O governo acenou sem oferecer concessões, parecerias estratégicas e caminhos reais e produziu o pior dos mundos, desgaste sem contrapartida e portas que se fecham em silêncio. Pagar para ver sem colocar nada na mesa de forma inteligente e coordenada, como sempre fez a China, é uma arte cara.

Terceiro pecado, ira. A palavra elevada serviu ao aplauso e não ao desarme da crise. Em Washington, Eduardo Bolsonaro, com todos os seus bens bloqueados, empenhou-se em empurrar ministros do Supremo para a moldura da Lei Magnitsky. O gesto explodiu a fronteira entre política doméstica e disputa internacional. Veio a resposta, ainda mais quente, e o País amanheceu mais isolado do que estava na véspera.

Quarto pecado, inveja. Anunciou-se na data de ontem, às 22hs de Brasília, a ambição de um Pix global como quem imagina dobrar o mundo com a força de um slogan, e sem que se saiba ao certo como este Pix global funcionaria entre economias com moedas e realidades econômicas tão diversas. Nada poderia ser mais impróprio.

O nosso próprio Pix está sob investigação comercial pela Seção 301 da Trade Act, a legislação norte-americana sobre comércio internacional, por alegadas práticas desleais no comércio digital e pelo prejuízo causado aos cartões de crédito de bandeira americana, ou seja, quase todos.

Donald Trump já disse que perder a hegemonia do dólar seria como perder uma guerra e, nesse ambiente, acenar ao planeta com uma trilha alternativa de pagamentos em um momento delicado como este não soa como inovação, mas como provocação intencional. Se o Pix que temos em casa já é problema, o que dizer de oferecer ao mundo uma versão ampliada. Faltou senso de tempo e oportunidade.

Quinto pecado, gula. Em nome de uma soberania togada, a decisão do ministro Flávio Dino pretendeu blindar o território brasileiro contra a aplicação automática de sanções estrangeiras e mandou oficiar Banco Central, Febraban, CNseg e outras entidades em processo que tratava de tema absolutamente diverso e do qual os bancos sequer eram parte.

O resultado foi colocar o sistema financeiro diante de um dilema impossível, obedecer à Magnitsky quando houver nexo incontornável com os Estados Unidos ou obedecer ao Supremo aqui dentro. O mercado não perdoa dilemas desse tipo. Em um único dia evaporaram 43 bilhões em valor de mercado dos bancos. A incerteza custa caro e a dúvida sobre acesso ao dólar custa ainda mais.

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Sexto pecado, luxúria. O fascínio inexplicável por blocos e palanques alternativos rendeu gestos vistosos e efeitos ralos. A sedução da multipolaridade, que poderia ser desenhada pacientemente e no tempo certo, virou atalho e armadilha ao mesmo tempo. Posar para foto com inimigos declarados dos EUA sem ter feito a lição de casa deprecia a imagem na mesma velocidade com que se publica a legenda. Flertar com muitos sem compromisso com nenhum não é política externa, é atitude vacilante que cobra seu preço nas relações com quem ainda opera controla as engrenagens do sistema financeiro internacional e do comércio.

Sétimo pecado, preguiça. Faltou ação coordenada. Governo, Congresso e diplomacia aguardaram que a poeira baixasse sozinha. Crises não se resolvem por decantação. Enquanto se esperava, a investigação sobre a Seção 301 avançou, as consultas na Organização Mundial do Comércio (OMC) vieram às pressas e os setores sensíveis ficaram expostos, do avião ao café, da carne ao suco, da madeira às cidades que vivem desses produtos. O que era contornável transformou-se em incontornável trilha de isolamento.

No conjunto, os pecados encostam ombro com ombro e compõem a figura de um país que trocou método por rumor performático, confundiu bravata com coragem e teimosia com dignidade. Em nome de uma independência mal compreendida hipotecou-se a já estreita margem de manobra.

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Um artigo de opinião não muda o curso do rio, mas tem a obrigação de apontar a enchente que está por vir e a cada dia se mostra mais próxima. Ainda haveria tempo de parar se houvesse humildade para reconhecer o chão, abandonar anúncios bravios quando o país está sob escrutínio, reaprender a falar baixo com quem controla a torneira do dólar, que representa mais de 95% de nossas reservas cambiais e, sobretudo, lembrar que soberania não é trombeta, mas, sim, arquitetura e habilidade.

Enquanto isso não acontece, o inferno deixa de ser figura de retórica e passa a parecer cada vez mais com o caminho escolhido para desespero dos que assistem impotentes o desenrolar dos fatos.

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