O tema dos elementos de terras raras (ETR) voltou ao centro das atenções diante das recentes tensões comerciais entre o Brasil e os EUA, em meio ao atual cenário marcado pelas disputas tarifárias e discussões políticas entre os países.
Em resposta às tarifas anunciadas pelo presidente Donald Trump durante o chamado Dia da Libertação, o governo da China decidiu, no dia 4 de abril, suspender a exportação de determinados ETR para os EUA — insumos essenciais para diversas indústrias norte-americanas, especialmente nos setores de defesa e aeroespacial.
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Após intensas negociações, o governo chinês começou a flexibilizar essas restrições, condicionando o fornecimento à redução das tarifas impostas de maneira unilateral pelo governo americano. Com isso, a retomada das exportações chinesas de ETR tornou-se peça-chave nas negociações tarifárias entre as duas potências.
Na semana passada, surgiu um debate semelhante, agora com novos protagonistas. No contexto da guerra tarifária que se instaurou entre EUA e Brasil, os americanos voltaram seus olhos para os ETR brasileiros — o país detém a segunda maior reserva global desses elementos, além de outros minerais estratégicos, como lítio e nióbio.
No entanto, é importante destacar que o contexto político, o modelo de exploração mineral e a estrutura da indústria de ETR da China e do Brasil são bastante distintos — com claras vantagens para o modelo chinês em termos de força negocial. Assim, a estratégia empregada por Pequim, de usar suas reservas e produção de ETR como instrumento de barganha na guerra tarifária, não deve ser tão eficaz no cenário brasileiro.
A história dos ETR na China é reveladora: as primeiras descobertas em Bayan Obo, maior província mineral do país, datam de quase um século atrás, mas foi só no início dos anos 1990 que a extração ganhou escala industrial. Hoje, a China responde por cerca de 70% da produção mundial de ETR e é responsável por mais de 85% do beneficiamento de material concentrado ou purificado.
Sua cadeia de suprimentos e tecnologia para beneficiamento dos ETR está, atualmente, pelo menos três décadas à frente de qualquer outro país — inclusive do Brasil, que, apesar das reservas abundantes, ainda tem um longo caminho para chegar perto desse patamar.
Nesse cenário, surge a questão central: o Brasil realmente dispõe, neste momento, de algo significativo a oferecer aos EUA, no campo dos ETR, para ser utilizado como moeda de negociação na guerra comercial?
Os principais projetos brasileiros de ETR, como Serra Verde, Meteoric Resources, Aclara Resources, Brazilian Rare Earths, St. George Mining, entre outros — todos sob controle de capital estrangeiro — estão apenas iniciando a produção ou ainda se encontram em fase de pesquisa mineral.
Atualmente, apenas a Serra Verde, controlada por fundos americanos, opera em fase comercial. No entanto, toda a sua produção é enviada para plantas de beneficiamento na China, que detém quase o monopólio da atividade. Ou seja, a extração nacional de ETR ainda é incipiente, e o pouco que é extraído já está comprometido com o mercado chinês.
Diante desse panorama, vale aprofundar a discussão sobre o poder do Executivo brasileiro de restringir ou impedir a aquisição dos depósitos de ETR do Brasil, ou dos minerais extraídos, por americanos ou estrangeiros de outras nacionalidades. Recentemente, o presidente Lula afirmou que “aqui ninguém põe a mão”, ao comentar o interesse dos EUA em metais críticos brasileiros, levantando o debate sobre a soberania e o controle nacional desses recursos.
A Constituição Federal, no artigo 176, é clara ao dispor que “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra“.
O § 1º do mesmo artigo determina que “a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais […] somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e com sede e administração no país, na forma da lei, que estabelecerá condições específicas para atividades em faixa de fronteira ou terras indígenas”.
Resumindo, a União é proprietária das jazidas minerais, mas pesquisa e lavra são realizadas pelo setor privado, por autorização ou concessão, a brasileiros ou empresas com sede e administração no país. Apenas em situações excepcionais há restrição ao capital estrangeiro: na pesquisa e lavra de minerais nucleares (urânio e tório) e na mineração em faixas de fronteira (onde a Lei 6.634/79 exige que 51% do capital seja nacional). Fora esses casos, não há, de modo geral, restrição ao investimento estrangeiro na mineração.
Investimentos estrangeiros no setor de mineração, inclusive provenientes dos EUA, sempre foram e continuarão sendo muito bem-vindos. São essenciais para o desenvolvimento do setor. Vale ressaltar que o Brasil não possui órgão específico ou regulação que permita bloquear ou condicionar investimentos estrangeiros com base em mecanismo de defesa da segurança nacional, ao contrário de países como os EUA (que dispõem do Committee on Foreign Investment in the United States — CFIUS) e o Canadá (Investment Canada Act — ICA). Para efeito comparativo, apenas em 2023, o ICA analisou 22 operações no Canadá, das quais 8 foram abortadas (7 envolvendo empresas chinesas) e, em 3, determinou-se o desinvestimento parcial ou total.
Em relação a mecanismos para o controle de comercialização de minerais críticos, vale ressaltar que, até recentemente, a exportação de lítio extraído no Brasil dependia de autorização prévia da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), restrição criada por decreto editado em 1997 durante o governo FHC, que considerou o lítio como estratégico para fins de geração de energia nuclear.
Esse entrave foi revogado em 2022 pelo Decreto 11.120, durante o governo Bolsonaro, atendendo à demanda das mineradoras de lítio com projetos no Vale do Jequitinhonha. Dessa forma, não há atualmente mecanismos para o controle de exportação de ETR, lítio e outros minerais críticos, exceto os minerais nucleares.
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Independentemente dos rumos que as negociações entre Brasil e EUA venham a tomar, é urgente a aprovação de uma política pública para o aproveitamento das terras raras, lítio e outros minerais críticos, abordando, entre outros temas, o financiamento à pesquisa, lavra e transformação mineral, a priorização de projetos no âmbito do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Mineração (ANM) e órgãos ambientais, e a criação de incentivos para toda a cadeia produtiva desses insumos.
Nesse sentido, tramita atualmente no Congresso o PL 2780/2024, de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) e outros, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE). Paralelamente, o Ministério de Minas e Energia elabora um projeto alternativo de Política Nacional de Minerais Críticos.