Dos vetos do presidente da República ao projeto de lei do licenciamento ambiental, dois se destacam por serem críticos: o que suprimiu a competência dos entes federativos para definição do que deve ser licenciado em seus territórios e o que excluiu o nexo de causalidade entre os danos causados por um empreendimento e as condicionantes a serem definidas pelo órgão licenciador.
Guerra ambiental
O § 1º do art. 4º do PL 2159/2021 atribuía aos entes federativos poder para definir as tipologias de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental, considerando a natureza do empreendimento e o seu porte e potencial poluidor. E os incisos XXXV e XXXBI do art. 3º conceituavam o porte e o potencial poluidor.
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O chefe do Executivo entendeu que os dispositivos são inconstitucionais, “pois desconsideram a competência da União para definir regras gerais, estabelecidas nos art. 23 e art. 24 da Constituição, em violação ao pacto federativo” e poderiam “fomentar uma competição regulatória entre os entes subnacionais”.
Além do erro material, ao confundir os artigos da Constituição (o que atribui competência à União para definir regras gerais é apenas o 24), o veto ignora a realidade da economia do país, apegando-se a um conceito que não resiste ao teste empírico.
A “competição regulatória” mencionada no veto é o que alguns chamam de “guerra ambiental”, em analogia à “guerra fiscal”. Seu fundamento reside na teoria dos jogos, especificamente no dilema dos prisioneiros, no qual a fim de evitar punição os suspeitos de um crime tendem a acusar o outro, quando na verdade a cooperação traria melhor resultado para ambos.
Ou seja, estados e municípios tenderiam a relaxar as exigências ambientais de modo a atrair indústrias e investimentos. Na teoria isso faz bastante sentido. Na prática, todavia, tudo é bem diferente.
Estudos realizados no Brasil e nos EUA (onde essa teoria é chamada de race to the bottom) demonstram que o rigor da legislação ambiental é detalhe irrelevante na busca pela localização de novas indústrias. O que faz um empreendedor optar pelo local A ou B são fatores mais aderentes ao seu processo produtivo, como mão de obra capacitada, competição por mercado, proximidade dos consumidores e acesso à rede de transportes.
Não é à toa que São Paulo segue sendo o destino mais atraente aos negócios, mesmo tendo uma das legislações ambientais mais rígidas dentre os estados.
Os argumentos favoráveis à “guerra ambiental” são contrários ao federalismo, na medida em que a única alternativa para conter o suposto ímpeto dos entes subnacionais para atrair investimentos seria concentrar todas as políticas sociais no ente central, eliminando as autonomias estadual e municipal.
De se lembrar que o Ibama é responsável por menos de 1% das licenças ambientais expedidas – a quase totalidade é estadual e municipal. Por isso não é recomendável concentrar na União a definição das tipologias. É impossível que o ente central, mesmo o Conama, consiga regular necessidades tão complexas, baseadas na relação entre o porte e potencial poluidor com o fator locacional em cada canto do país. Desse modo, o licenciamento poderá travar.
Nexo causal
O segundo veto aqui analisado refere-se aos §§ do art. 14, que definem regras para a fixação de condicionantes no processo de licenciamento ambiental. Os dispositivos vetados previam que as condicionantes ambientais deviam ser proporcionais à magnitude dos impactos ambientais da atividade ou do empreendimento identificados nos estudos requeridos pelo órgão licenciador, bem como apresentar fundamentação técnica que aponte seu nexo causal com esses impactos. Também impediam a fixação de condicionantes para compensar passivos sociais pré-existentes no local de instalação do empreendimento.
Pois bem, o veto alega que os dispositivos inviabilizam “a conciliação entre o desenvolvimento de atividades econômicas e o respeito ao meio ambiente e à população”, pois a “presença de um empreendimento pode aumentar a demanda por serviços públicos ou induzir a impactos que, embora gerados por terceiros, são decorrentes da presença do empreendimento.”
O veto parece não ter compreendido o que os dispositivos buscavam: garantir uma relação objetiva entre causa e consequência (nexo de causalidade). São notórios licenciamentos ambientais que fixam condicionantes pitorescas ou desvinculadas dos potenciais danos que o empreendimento possa causar.
Empreendimentos de grande porte instalados em locais onde o Estado se ausentou por décadas costumam ser vistos como boias de salvação, uma oportunidade para que passivos sociais sejam enfrentados. O problema é que isso compromete a previsibilidade cronológica e orçamentária do projeto.
Há que se deixar de tratar o licenciamento ambiental como um balcão onde tudo pode ser discutido e exigido, capaz até de substituir atividades privativas do Poder Público, como o planejamento territorial e energético. Não só por ser inadequado responsabilizar investidores por passivos pré-existentes, como também por transbordar dos limites legais e institucionais inerentes ao processo.
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O licenciamento ambiental nada mais é do que um processo administrativo, com suas limitações de métricas, exigências formais e prazos. O que é requerido pelo empreendedor deve ser concedido ou negado, pelo órgão ambiental, na forma da lei.
O dispositivo vetado visava a superação desse status quo, que, se mantido, será um fator de subjetividade e judicialização.
Se mantidos, além de paralisia os vetos causarão insegurança jurídica, afastando novos investimentos ao país.