Corte IDH reconhece a existência autônoma do direito humano ao cuidado

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) reconheceu a existência do direito humano autônomo ao cuidado, expresso na Opinião Consultiva 31, emitida na última quinta-feira (7/8).

O reconhecimento é resposta a uma consulta apresentada pela República da Argentina, em janeiro de 2023, e contou com participação de 167 diferentes atores e apresentação de 129 observações escritas ao longo do processo.

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O tribunal considerou que o cuidado é o direito de toda pessoa de contar com tempo, espaço e recursos necessários para fornecer, receber ou obter condições que assegurem seu bem-estar integral e lhe permitam desenvolver livremente seu projeto de vida, de acordo com suas capacidades e estágio da vida.

Para a Corte, trata-se de uma necessidade básica, inadiável e universal, essencial para a existência da vida humana e a convivência em sociedade, que deve ser garantida de forma autônoma pelos Estados por força da Convenção Americana de Direitos Humanos.

“Acredito que o cuidado tem como propósito não só a subsistência das pessoas cuidadas e daquelas que cuidam, mas a realização e concretização de seus projetos de vida, de maneira que reforce a autonomia pessoal e inclusão comunitária”, comentou a presidente da Corte, Nancy Hernández López, no ato de notificação da Opinião Consultiva.

Com base na interpretação da Convenção, a Corte estabeleceu três dimensões básicas ao direito: ser cuidado, cuidar e o autocuidado.

O direito a ser cuidado se relaciona diretamente a grupos considerados vulneráveis, como crianças, idosos, grávidas, lactantes e pessoas com deficiência, por exemplo. Conforme a Opinião Consultiva, essas pessoas têm o direito de receber cuidados de qualidade, suficientes e adequados para viver com dignidade.

Esses cuidados devem garantir seu bem-estar físico, espiritual, mental e cultural.
O direito a cuidar consiste no direito de prestar cuidado em condições dignas, sem discriminação, de forma remunerada ou não. Neste caso, a Corte chama a atenção para a desigualdade de gênero, visto que os trabalhos de cuidados não remunerados recaem três vezes mais sobre as mulheres.

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Em razão disso, concluiu que os Estados devem adotar medidas para reverter os estereótipos e padrões socioculturais que ocasionam a distribuição desigual do trabalho de cuidar não remunerado.

Por fim, o direito ao autocuidado implica o direito de quem cuida e de quem é cuidado de ter tempo e condições financeiras para buscar seu próprio bem-estar e atender às suas necessidades físicas, mentais, emocionais, espirituais e culturais.

“Os Estados estão obrigados a implementar, de maneira progressiva, políticas públicas direcionadas a reverter estereótipos negativos e padrões socioculturais, em matéria de cuidados, para garantir que se forneçam sem discriminação. Essas políticas podem incluir reformas educativas, medidas para fomentar a igualdade no cuidado parental, políticas de flexibilidade trabalhistas para pessoas com responsabilidades familiares, investimento em sistemas, serviços, políticas e infraestrutura de cuidados de qualidade e fortalecimento de iniciativas comunitárias voltadas à proteção de cuidados”, disse a presidente.

A juíza enalteceu o pioneirismo da Corte IDH em relação ao tema. “Nossa região está liderando um debate de interesse global, referente à proteção dos cuidados e reconhecimento de seu valor econômico e social. A Corte contribui para robustecer o marco jurídico sobre a corresponsabilidade e solidariedade dos Estados, das empresas, famílias, indivíduos, a fim de continuar abrindo espaço a transformações estruturais que reconheçam, redistribuam e revalorizem os cuidados como um componente essencial de desenvolvimento econômico e social dos nossos povos”, declarou.

A composição da Corte para a emissão da Opinião Consultiva 31 foi a seguinte: Nancy Hernández López, presidente (Costa Rica); Rodrigo Mudrovitsch, vice-presidente (Brasil); Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguay), Verónica Gómez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile). O juiz Humberto Antonio Sierra Porto (México) não participou da deliberação por motivos de força maior.

A juíza Patricia Pérez Goldberg emitiu um voto parcialmente dissidente. Os juízes Nancy Hernández López, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot e Verónica Gómez emitiram votos concorrentes. Todos serão publicados posteriormente pelo tribunal.

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