A instabilidade institucional e os conflitos políticos e comerciais no Brasil têm resultado em tensões crescentes entre os três Poderes da República. Em geral, parece haver falta de compreensão e limite quanto ao exercício das atribuições constitucionais associada à desatenção com o interesse público e o dever da harmonia entre os Poderes.
No Congresso Nacional, onde a diversidade de pensamento é maior e os conflitos políticos afloram com intensidade, a situação expressa maior gravidade. Ações legislativas são aprovadas em regime de urgência, sem análise de constitucionalidade. A falta de manifestações técnicas das comissões permanentes resulta em leis desalinhadas com a Constituição Federal e o arcabouço legal já consolidado em normas especificas, sem critério de legística, racionalidade econômica e por vezes distantes do interesse público.
A consequência deste cenário difícil é a ampliação da judicialização de diversas normas e atos públicos. E a busca do Judiciário não é sem razão, pois decorre da realidade inconteste de que a fonte primária da legalidade é a Constituição Federal do Brasil, a qual, além de deveres e direitos, traz os princípios e as diretrizes para o desenvolvimento do país. Assim, a procura pelo Judiciário não é causa, mas consequência de conflitos maltratados no ambiente político do Parlamento e a repercussão de um processo legislativo truncado, de qualidade técnica duvidosa, e interesse público questionável.
O setor de energia, especialmente o mercado de combustíveis, vive nesse cenário de dificuldades. A exemplo da Lei 15.082/2024, aprovada em regime de urgência, e do Decreto 12.437/25, regulamentado pelo Executivo com a mesma natureza abusiva, a qual indica um regime sui generis de penalização. A suspenção das atividades de distribuição de forma coletiva, por meio de uma lista pública de vedação ao suprimento de combustíveis, sem regulação específica do órgão regulador, sem processo administrativo e com fato gerador anterior à norma, em clara agressão aos princípios constitucionais e ao arcabouço do processo administrativo federal.
Nova iniciativa, com a mesma natureza punitivista, é o Projeto de Lei 3.697/2025, o qual propõe alterações à Lei 13.576/2017, a qual instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). A proposição insere dispositivos que condicionam a concessão de medidas liminares ao depósito prévio de Créditos de Descarbonização (CBIOs) equivalentes à parcela incontroversa da meta de descarbonização atribuída ao agente regulado, além de vedar a decretação de segredo de justiça em ações judiciais relacionadas ao tema.
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No mesmo sentido tramita o PL 399/2025, propondo alteração na Lei 9.847/99, agravando de forma brutal as penalizações referentes às irregularidades com as metas de CBIOs e a homogeneização com biocombustíveis. Um sinal de que o pano de fundo da questão é a busca da concentração do mercado de distribuição e não a condução dos agentes econômicos para regularizar suas atividades.
Ao que tudo indica, há captura de parte do Legislativo, por grupo de interesses, sob o pretexto da política ambiental, às custas da violação de direitos e garantias fundamentais assegurados aos agentes regulados e em afronta direta à Constituição Federal, especialmente à cláusula pétrea prevista no artigo 60, §4º, inciso IV, que protege os direitos e garantias individuais, impedindo sua abolição, ainda que por meio de emenda constitucional.
A desconformidade do processo legislativo com o texto constitucional tem se repetido com preocupante frequência, marcada por processos legislativos repletos de atropelos procedimentais. Observa-se a submissão de projetos de lei ao regime de urgência, sem fundamentação qualificada, sem a análise prévia por comissões permanentes, como a Comissão de Constituição e Justiça ou a Comissão de Assuntos Econômicos, em claro desrespeito às normas de legística previstas na Lei Complementar 95/1998, que exigem observância aos requisitos formais e materiais da produção normativa e aos princípios constitucionais que a orientam.
O PL 399/2025 evidencia violações a cláusulas pétreas, ao propor a limitação do acesso à jurisdição, direito fundamental assegurado pela Constituição, que garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação judicial. E ainda surpreende ao comprometer a independência funcional do magistrado. O texto condiciona o exercício desse direito ao depósito prévio do valor referente à meta individualizada de CBIOs, criando filtro materialmente inconstitucional que restringe de forma indevida a atuação dos agentes regulados.
O texto proposto no referido PL impõe aos agentes regulados um verdadeiro regime de exceção, prática que já se verifica desde a implementação do programa e que se intensificou com a aprovação da Lei 15.082/2024, votada em regime de urgência, mediante acordo no colégio de líderes, sem a necessária observância ao texto e aos princípios constitucionais.
Vivemos um cenário de tensão permanente e nessas circunstâncias, especialmente quando o debate alcança a esfera penal e sancionatória, torna-se indispensável ponderar o avanço de medidas que concentrem poderes excessivos nas mãos do Executivo, que, por sua própria natureza, é parte interessada nos litígios e detém o monopólio da força coercitiva, por vezes usada de forma abusiva e descomprometida com o desenvolvimento do país.
O Poder Legislativo, como representante direto da soberania popular, deve ter como missão essencial o interesse público, enfrentando às arbitrariedades, independentemente de quem seja o beneficiário ou interessado na medida, contendo o furor de penalização do Executivo.
Sua razão de existir está na busca constante pela melhoria, atualização e adequação das leis às necessidades da sociedade, assegurando, de forma intransigente, a sua observância e o respeito à ordem jurídica. A referência do exercício da atividade parlamentar é a Constituição Federal, que é a fonte da validade dos atos e o limite intransponível para qualquer iniciativa legislativa, devendo ser observada com rigor técnico e fidelidade absoluta em todo o processo normativo.