‘Taxa das blusinhas’ impede compras internacionais de 14 milhões de consumidores

A “taxa das blusinhas” completou um ano em vigor no dia 1º de agosto. Neste período, os consumidores mais pobres foram os principais prejudicados pelo aumento da tributação de remessas internacionais. Apenas nas classes CDE, 14 milhões desistiram da compra online em marketplaces internacionais, de acordo com pesquisa da consultoria Plano CDE divulgada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec).

Na primeira edição da pesquisa, em agosto do ano passado, 70% dos consumidores das classes CDE tinham feito alguma compra importada nos três meses anteriores. Em outubro, eram 60%. E em abril deste ano, apenas 35% dessas pessoas estavam nessa situação. Isso significa que caiu pela metade o número de compradores nessas classes sociais. 

Segundo o levantamento, cerca de 104 milhões de consumidores – ou seja, metade da população brasileira – realizaram compras no e-commerce internacional nos últimos três meses anteriores à pesquisa. E a grande maioria desses compradores brasileiros, cerca de 70 milhões de pessoas, pertencem às classes CDE. Já nas classes AB, o número de pessoas ficou em 34 milhões.

“O efeito prático da taxa das blusinhas foi de reduzir o acesso das classes CDE a produtos internacionais. Milhões desistiram de comprar de fora, mas não redirecionaram essa demanda ao mercado local, deixando tanto o varejo quanto a arrecadação sem o benefício esperado”, avalia o advogado Vitor Yeung, do Ciari Moreira Advogados.

Para Breno Barlach, diretor de Pesquisa e Inovação da Plano CDE, tributar compras de pequeno valor penaliza desproporcionalmente quem tem menor renda, criando uma política regressiva. Enquanto isso, consumidores de maior poder aquisitivo continuam comprando produtos importados, mesmo pagando impostos. Entre as classes AB, a redução analisada foi de apenas 11 pontos percentuais do início da avaliação até o quarto mês deste ano – tendo saído de 81% em agosto de 2024 para 79% em outubro do mesmo ano e 70% em abril de 2025. 

“O efeito prático da taxa das blusinhas foi de reduzir o acesso das classes CDE a produtos internacionais. Milhões desistiram de comprar”

Vitor Yeung, advogado

Além da disparidade de aquisição via e-commerce, os especialistas comparam outra diferença entre as classes analisadas na pesquisa. Para eles, existe uma grande injustiça porque quem pode viajar ao exterior consegue trazer produtos na bagagem com isenção ou impostos mais baixos, enquanto quem não tem condições financeiras para viajar paga mais caro pelos mesmos produtos ao comprar pela internet, enfrentando tributos demasiadamente altos e burocracia.

Além disso, o levantamento também aponta que 40% dos consumidores das classes CDE que abandonaram as compras internacionais não buscaram alternativas no mercado doméstico. Um dos motivos para a desistência de compra em território nacional é a falta de mercadorias similares no Brasil. Entre os consumidores ouvidos, 51% disseram que não encontraram no Brasil todos ou a maioria dos produtos que haviam importado nos três meses anteriores à pesquisa, realizada em abril deste ano. 

“Ou seja, barramos a entrada de produtos internacionais sem oferecer o produto no mercado interno. Os consumidores das classes CDE foram excluídos do consumo”, explica Barlach. “Ficou mais caro trazer de fora, e não tem artigo semelhante no Brasil. Quando o consumidor encontra mercadoria parecida aqui, os preços não são razoáveis.”

Reflexos negativos para os Correios

Em abril deste ano, um relatório dos Correios apontou que a estatal teve um impacto de receita de R$ 2,2 bilhões com a taxa das blusinhas. Em nota divulgada, os Correios afirmaram que “a frustração de receita observada em 2024 decorre exclusivamente dos efeitos do novo marco regulatório das compras internacionais — uma demanda do varejo nacional que teve impacto positivo para o setor, mas negativo para os Correios”.

No 1º trimestre de 2025, o prejuízo da empresa estatal ficou em R$ 1,7 bilhão, o pior para o período desde 2017.

“Isso levanta questionamentos sobre a efetividade da taxa das blusinhas em cumprir seu propósito de fomento à indústria nacional e de equilíbrio de mercado. Ao invés disso, a política apenas suprimiu parte do consumo, sem endereçar as causas estruturais da falta de competitividade ou da ausência de certos produtos no mercado brasileiro”, ressalta Morvan Meirelles Costa Junior, sócio do escritório Meirelles Costa Advogados. 

A ‘taxa das blusinhas’ entrou em vigor em agosto do ano passado, após pressão das grandes varejistas nacionais. Desde então, compras internacionais com valores até US$ 50 são taxadas em 20% de imposto de importação, que é federal.

Além desse percentual, o ICMS (imposto estadual que varia entre 17% e 20%, dependendo da unidade da federação) incide sobre o valor final das mercadorias importadas e sobre o imposto federal. Já as compras internacionais com valores entre US$ 50,01 e US$ 3 mil continuam sujeitas à alíquota de 60% de imposto de importação. 

A pesquisa da consultoria Plano CDE indica que a maioria dos consumidores se mostra insatisfeita com a atual taxa: 61% dos entrevistados acham que os impostos para artigos importados deveriam diminuir. 

O Congresso está de olho nos resultados negativos para a economia e a população e, por isso, tem se manifestado sobre a taxação. O deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), por exemplo, apresentou projeto para tentar derrubar o imposto sobre compras internacionais de até 50 dólares. O projeto já foi protocolado e está aguardando despacho para análise nas comissões temáticas da Câmara.

“O que o governo chamou de ‘taxa das blusinhas’ acabou se tornando, na prática, um obstáculo para o cidadão comum, que não tem acesso aos mesmos produtos ou preços no mercado nacional. Trata-se de uma penalização injusta ao consumidor das classes C, D e E, que muitas vezes depende dessas compras para suprir necessidades básicas — desde vestuário e itens do dia a dia até pequenos luxos que, de outra forma, talvez não estivessem ao seu alcance”, diz o parlamentar.

E acrescenta: “ao impor uma tributação pesada sobre as remessas de pequeno valor, a medida não combate os grandes sonegadores, mas o cidadão comum que compra uma peça de roupa ou um eletrônico mais barato pela internet. Defendemos que o Estado não deve aumentar a carga sobre quem menos pode pagar. O comércio eletrônico democratizou o acesso ao consumo e não pode ser tratado como um privilégio.”

Outros parlamentares também se movimentam na tentativa de revogar tal medida por entender que esta é uma questão de justiça tributária. “Vale lembrar que essa foi uma pauta dos grandes varejistas justamente para eliminar a concorrência das pequenas importações, o que é injusto e desestimula o consumo de quem busca comprar roupas e produtos básicos”, diz Kim Kataguiri (União-SP) ao defender um Projeto de Decreto Legislativo protocolado em 4 de julho deste ano para revogar os efeitos de tal cobrança sobre compras internacionais de até US$ 50. 

“O comércio eletrônico democratizou o acesso ao consumo e não pode ser tratado como um privilégio”

Ricardo Ayres (Republicanos-TO)

De acordo com a Global Express Association, cem países – como União Europeia, Canadá, Argentina, Japão, Turquia e Austrália – possuem de minimis (ou seja, a isenção às remessas internacionais de até determinado valor) com isenção em impostos de importação em produtos declarados até determinado valor. A faixa de isenção, no entanto, varia de país para país. Além disso, em alguns casos, a imunidade vale para todos os impostos (como o IVA), enquanto em outros se restringe ao imposto de importação.

“Adotar um limite de isenção de imposto de importação traz benefícios reais. Simplifica a tributação de itens de baixo valor, reduz custos operacionais, favorece o acesso a pequenos bens sem ônus excessivo e concentra a cobrança em importações de maior porte, tornando o sistema mais equilibrado e eficiente. Além disso, essa prática se adequa ao modelo já adotado por diversos países desenvolvidos”, afirma Diogo Hiluey, do Serur Advogados.

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