STF declara constitucional a incidência ampla da Cide remessas

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remessas ao exterior.

No julgamento físico do Recurso Extraordinário (RE) 928943 (Tema 914), relatado pelo ministro Luiz Fux, encerrado nesta quarta-feira (13/8), prevaleceu o entendimento de que o tributo alcança, além de contratos de exploração de tecnologia, também serviços técnicos e de assistência administrativa prestados por residentes ou domiciliados no exterior.

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O julgamento foi unânime em relação à constitucionalidade da Lei 10.168/2000 — posteriormente alterada pelas leis 10.332/2001 e 11.452/2007 — e à destinação integral da arrecadação à área de ciência e tecnologia. A decisão evita um impacto à União estimado em R$ 19,6 bilhões, conforme previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025.

A discordância no colegiado se deu sobre a base de incidência da Cide. Neste sentido, a tese vencedora foi pela possibilidade ampla de cobrança, apresentada pelo ministro Flávio Dino em maio de 2025. Em sessões anteriores, Dino foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Nesta quarta, juntaram-se ao entendimento Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Fachin apresentou precedentes do STF que definem a não vinculação direta entre o contribuinte e a aplicação dos recursos arrecadados. Citou o RE 449233, de relatoria do ex-ministro Ricardo Lewandowski, e o RE 581375, de Celso de Mello.

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Já Barroso entendeu que a referibilidade, ou seja, a relação entre o tributo e a tecnologia, deve se dar no destino, não sobre a incidência da contribuição. “As empresas mais valiosas do mundo são as empresas de tecnologia. A riqueza passou da propriedade física para a intelectual. É a área que o país mais precisa investir. De modo que também, por este argumento extrajurídico ou parajurídico, não veria com simpatia a redução do espectro desta legislação, a menos que afrontasse a Constituição, o que não me parece ser o caso”, defendeu.

Os demais votos se dividiram entre duas correntes. O relator, Luiz Fux, defendeu a existência do fato gerador somente sobre remuneração de contratos que envolvessem exploração de tecnologia, não sendo válida a cobrança da Cide sobre as remessas referentes à “remuneração de direitos autorais, a exploração de softwares sem transferência de tecnologia, e de serviços que não envolvem exploração de tecnologia”. Na última semana, foi seguido pelo ministro André Mendonça, e, nesta quarta, pelos ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Para Toffoli, a permissão para incidência sobre serviços técnicos e de assistência administrativa ampliaria a lei para além do permitido. “Se admitida a cobrança de Cide de qualquer contribuinte, sem observância da referibilidade, ainda que indireta, o que teríamos seria imposto com destinação específica, o que é, no geral, inadmissível pelo texto Constitucional”, disse.

Ao acompanhar o relator, Cármen Lúcia fez uma ressalva ao voto, a fim de incluir a necessidade de haver uma “referibilidade mínima entre o que é contribuinte e, portanto, na definição do próprio fato gerador, e a matéria sobre a qual vai ser objeto de destinação”.

Também ficou vencido o ministro Nunes Marques, que abriu uma terceira via pela validade do tributo sobre contratos com “referibilidade mínima” com tecnologia. Excluiu do campo de incidência os contratos de direitos autorais por interpretar que “o decreto regulamentador poderia ter feito menção expressa, e não fez”.

Caso concreto

No caso concreto, a Scania entrou com um mandado de segurança em 8 de janeiro de 2002 para tentar impedir a cobrança da Cide remessas sobre valores enviados à sua matriz (Scania AB) na Suécia, referentes a um contrato de compartilhamento de custos (cost sharing) para pesquisa e desenvolvimento (P&D). A empresa pediu que a interpretação fosse restrita à incidência das remessas ao exterior vinculadas a contratos com transferência de tecnologia.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve a incidência da Cide, afirmando que o contrato envolvia transferência de tecnologia e serviços técnicos. Ainda, que o tratamento tributário diferenciado seria legítimo por distinguir as empresas que desenvolvem tecnologia no país e aquelas que a buscam no exterior.

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O caso chegou ao STF em novembro de 2015 e o tema teve repercussão geral reconhecida em 1º de setembro de 2016. A Corte entendeu que a questão tem relevância econômica e jurídica nacional, já que envolve a delimitação da base de incidência da Cide e a sua aplicação em contratos internacionais sem transferência direta de tecnologia.

O advogado da Scania, o tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, afirma que o entendimento pela validade da Cide sobre qualquer materialidade “a transforma em imposto com receita vinculada, o que corrói a distinção entre as espécies tributárias existente no sistema tributário nacional”.

Ele defende, ainda, que houve desvio de finalidade da contribuição, o que representaria uma “contradição entre a tese que determina obrigatoriedade da destinação da receita aos fundos de tecnologia criados pela lei e a não declaração de invalidade” da Cide.

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