Plano Brasil Soberano: respostas emergenciais para um problema estrutural

Publicada em edição extra do Diário Oficial da União nesta quarta-feira (13/8), a Medida Provisória 1.309 institui o Plano Brasil Soberano, reação do governo brasileiro à sobretaxa de até 50% imposta pelos Estados Unidos sobre uma série de produtos nacionais. O pacote combina instrumentos de crédito, renúncia fiscal e compras públicas, estruturados para mitigar os efeitos do chamado tarifaço e preservar empregos nos setores mais expostos.

A MP organiza-se em três eixos: fortalecimento do setor produtivo, proteção ao trabalhador e diplomacia comercial. No eixo econômico, o destaque é a abertura de R$ 30 bilhões em crédito com juros reduzidos, lastreados pelo Fundo Garantidor de Exportações (FGE) e complementados por aportes em outros fundos garantidores, como FGCE, FGI do BNDES e FGO do Banco do Brasil. No Pronampe, o FGO poderá garantir até 100% das operações para as empresas afetadas, com possibilidade de prorrogação de parcelas e carência adicional de até 12 meses, respeitando o prazo total de 84 meses.

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Soma-se a isso a prorrogação excepcional do prazo do drawback, permitindo redirecionar cargas originalmente destinadas aos EUA para outros mercados sem multa ou juros, o diferimento de tributos federais para empresas mais atingidas. O governo anunciou, ainda, a autorização para compras públicas simplificadas de gêneros alimentícios que perderam mercado externo em razão das tarifas.

No campo tributário, a medida mais expressiva anunciada é o aumento temporário do Reintegra, benefício fiscal que devolve parte dos tributos indiretos embutidos nas exportações de produtos industrializados, que poderá chegar a 3,1% para médias e grandes empresas e a 6% para micro e pequenas até dezembro de 2026, com custo estimado de R$ 5 bilhões.

Essa elevação, embora relevante, exclui exportadores de commodities, que representam parcela significativa da pauta exportadora brasileira, e só traz efeito prático se houver exportação efetiva. Setores que perderem o mercado americano e não conseguirem redirecionar vendas pouco se beneficiarão da medida.

No eixo trabalhista, o plano prevê a criação da Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego, encarregada de monitorar impactos nas cadeias produtivas e mediar conflitos, condicionando o acesso a benefícios à manutenção dos postos de trabalho. A instituição dessa câmara dependerá de ato infralegal, não estando expressa no texto da MP.

No eixo diplomático, reafirma-se a estratégia de diversificação de mercados, com menção a acordos concluídos com a União Europeia e EFTA e negociações em andamento com Emirados Árabes, Canadá, Índia e Vietnã, informações constantes nas comunicações oficiais do Executivo.

Apesar do esforço de desenho, o Plano Brasil Soberano tem caráter essencialmente emergencial. O crédito concedido abaixo do juro real tende a gerar distorções e aumentar o risco fiscal contingente, já que o Fundo Garantidor de Exportações e os demais fundos são garantias públicas.

A expansão dessas garantias melhora o acesso ao crédito, mas eleva a exposição do Tesouro a passivos de difícil mensuração. O drawback e o diferimento de tributos aliviam o caixa no curto prazo, mas não reduzem custos estruturais, enquanto as compras públicas emergenciais exigem governança e critérios transparentes para evitar distorções.

O aumento do Reintegra mantém relevância porque, embora a reforma tributária tenha aprovado o modelo de IVA dual, a cumulatividade do sistema vigente ainda não foi eliminada. A transição para o novo modelo será gradual, estendendo-se até 2033, o que significa que, até lá, mecanismos como o Reintegra continuarão sendo necessários para devolver tributos indiretos embutidos nas exportações.

Há, porém, o risco de que a majoração temporária se torne permanente por pressão setorial, pressionando o orçamento em um momento de espaço fiscal reduzido.

Do ponto de vista fiscal, o crédito via FGE e fundos garantidores não implica gasto direto imediato, mas aumenta o risco de impacto futuro no déficit se houver inadimplência. A ampliação do Reintegra tem custo estimado de R$ 5 bilhões e o diferimento de tributos afeta temporariamente o caixa. As compras públicas podem elevar despesas, ainda que direcionadas a programas já existentes.

No plano político, a MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, onde a correlação de forças é desfavorável ao governo em determinados temas. Sem articulação consistente, há risco de que o plano seja alterado substancialmente ou expire sem conversão em lei.

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O Plano Brasil Soberano enfrenta, portanto, dois desafios. O primeiro é operacional, garantindo que o crédito chegue rapidamente a quem realmente precisa, que as contrapartidas trabalhistas sejam fiscalizadas e que os instrumentos de apoio à exportação sejam aplicados com transparência e eficiência.

O segundo é estratégico e de longo prazo: a medida não altera as condições estruturais que mantêm o Brasil vulnerável a medidas unilaterais de parceiros comerciais.

A crise atual evidencia a urgência de reformas que aumentem a competitividade da economia brasileira, reduzam custos sistêmicos e melhorem a inserção do país nas cadeias globais de valor. Isso inclui não apenas a implementação eficaz do IVA dual, com devolução célere de créditos para exportadores, mas também investimentos em infraestrutura logística, abertura comercial negociada que amplie previsibilidade e segurança jurídica e estímulo à inovação e à sofisticação da pauta exportadora. Sem esse avanço estrutural, o Brasil seguirá reagindo a crises externas com pacotes emergenciais que, embora necessários, não resolvem o problema de fundo.

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