Candidaturas avulsas voltam à pauta do STF

O Supremo Tribunal Federal colocou em pauta, no plenário virtual, o Recurso Extraordinário 1.238.853, pelo qual se discute a manutenção da exigência de filiação partidária para concorrer a cargos eletivos majoritários (presidente, governador, prefeito e senadores) no Brasil.

Abaixo, esclarecemos os principais pontos para compreender a natureza do processo e as discussões ao redor da possível mudança.

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Como surgiu a ação que agora está para ser decidida no STF?

Em 2016, duas pessoas pleitearam o registro de candidatura de sua chapa para concorrerem a prefeito e vice da cidade do Rio de Janeiro sem estarem filiados a partido político, o que foi negado pela Justiça Eleitoral.

Isso porque, dentre outros requisitos, a Constituição brasileira exige filiação a partido político para que qualquer pessoa concorra a algum cargo eletivo no país. Já a Lei Geral das Eleições especifica que a filiação deve ter ocorrido, no mínimo, seis meses antes do pleito. Além disso, para um candidato representar um partido na disputa eleitoral, ele precisa ser escolhido em convenção.

Em resumo: o sistema brasileiro é partidário e os partidos políticos têm monopólio das candidaturas no país. Ninguém pode concorrer sem o aval de um partido, isto é, não se admite candidaturas avulsas.

Insatisfeitos com a decisão da Justiça Eleitoral que indeferiu seu pedido para concorrer, os candidatos recorreram até que a decisão chegasse no STF. Isso só foi possível porque a obrigatoriedade da filiação partidária está prevista na própria Constituição e cabe ao STF decidir, em última instância, questões constitucionais.

O que as partes alegam a favor das candidaturas avulsas?

Além de trazerem dados de que a maioria dos países adota o sistema misto de candidaturas, ou seja, tanto por meio de partidos políticos quanto avulsas, e invocarem a crise de representatividade e partidária, usam como principal argumento jurídico o disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica.

Pela literalidade do Pacto, os direitos políticos de um cidadão só podem ser restringidos por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal. A filiação partidária não seria, portanto, uma delas.

O Brasil é signatário do tratado internacional e ele faz parte do ordenamento jurídico com força supralegal: está abaixo da Constituição, mas acima de toda legislação brasileira.

Quais os argumentos favoráveis à adoção das candidaturas avulsas?

No Direito Internacional dos Direitos Humanos existe um princípio chamado pro-persona, segundo o qual sempre que duas normas sobre estes direitos estiverem em conflito, deve-se adotar a opção mais favorável ao requerente. Neste caso, a filiação partidária representaria um elemento complicador da burocracia estatal para que o cidadão pudesse concorrer.

Somado a isso, questões pessoais dentro dos partidos afetam a escolha de uma ou outra candidatura, o que fomenta um sistema de controle por parte dos dirigentes partidários. Os partidos no Brasil são acusados de terem pouca democracia interna, promoverem malversação de recursos e interferência direta sobre quem concorre ou não, nem sempre por razões de interesse público. Este contexto acaba limitando a participação política de cidadãos que querem concorrer.

Outro argumento é que, pela literalidade da Convenção Americana, como dito, não é possível restringir candidaturas em razão de filiação partidária.

Favorável à questão estão também ativistas e pessoas de grupos vulnerabilizados que poderiam disputar caso tivessem interesse, mesmo que nenhum partido fosse favorável às suas ideias mais progressistas, abrindo espaço para uma maior pluralidade de ideias.

Quais os argumentos contrários a esta mudança?

Há que se tomar cuidado ao invocar dispositivos de Direito Internacional sem o devido contexto. Isso porque, da mesma forma que o STF interpreta a nossa Constituição, cabe às Cortes Internacionais interpretarem os dispositivos dos tratados a serem observados por todos os países que aderiram a ele.

No caso em questão, a Corte Interamericana já se manifestou por duas vezes determinando que os países podem dispor de outras limitações para regular seu sistema político interno, incluindo a exigência ou não de filiação partidária.

A questão de fundo é sempre analisar se a imposição é proporcional e se visa ampliar a participação política naquele país. Logo, a priori, a exigência de filiação partidária não é contrária à Convenção Americana quando lida a partir do que dispôs a Corte nos casos que trataram do assunto em específico.

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Ademais, há quem defenda que a imposição da filiação partidária está prevista na nossa própria Constituição e somente regulamentada na legislação, o que impediria a modificação a partir do que dispõe um tratado internacional. É importante pontuar que todo o sistema político brasileiro se estrutura a partir dos partidos e isso poderia causar uma fragmentação política ainda maior.

Justamente por isso, há preocupação de que escolhas individuais reforcem a ideia de “salvadores da pátria”, personalização da política e menos participação coletiva.

Qual a previsão para o caso ser julgado e a questão definida?

Após ser retirado de pauta no último dia 6 de junho, o recurso foi novamente inserido pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, para ser julgado na pauta virtual a partir desta sexta-feira (15/8), com previsão de encerramento no próximo dia 22 de agosto.

Espera-se que nessa oportunidade o julgamento seja de fato concluído, considerando que toda alteração legislativa, ou de entendimento judicial que modifique as regras eleitorais, precisa ser tomado até um ano antes das próximas eleições. Ou seja, até outubro de 2025.

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