A limitação dos pagamentos do funcionalismo público acima do teto constitucional aparece entre as prioridades do governo desde o início do ano. Em fevereiro, no começo dos trabalhos legislativos, o combate aos supersalários estava na lista das medidas econômicas de primeira ordem apresentadas ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, junto à reforma da renda e à regulamentação das big techs.
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O tema também esteve entre os destaques das discussões da reforma administrativa, com cobrança de esforço da ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, aos parlamentares para o andamento da pauta. No último mês, a bancada do PT protocolou um projeto de lei para limitar os ganhos extrateto.
O partido do presidente Lula quer fazer o tema avançar sob o discurso de justiça fiscal e combate de privilégios que tem dado o tom de vídeos recentes publicados nas redes sociais do governo. Na última sexta-feira (8/8), a ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, durante participação no Fórum JOTA, afirmou que o tema é “uma das propostas para o equilíbrio fiscal”. Mas, na prática, o horizonte é menos promissor. Apesar das sinalizações, a pauta pouco evoluiu e carece de articulação coordenada.
Ainda não há definição sobre como a questão dos benefícios indenizatórios, os penduricalhos, devem ser tratados pela reforma administrativa. O coordenador do grupo de trabalho, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) quer alinhar melhor com as lideranças das bancadas partidárias e o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) antes de apresentar as propostas derivadas do colegiado. A expectativa é de que isso ocorra nos próximos dias. Segundo o deputado Pedro Uczai (PT-SC), que integrou o grupo, parlamentares governistas esperam se reunir com o coordenador ao longo desta semana para tratar do tema e pedir que seja priorizada a proposta do PT. O partido estaria disposto a discutir o texto e considerar outras sugestões para chegar a um consenso em relação ao assunto por meio do projeto da legenda, o PL 3401/25.
Há, no Congresso, uma série de propostas que tratam dos supersalários – remunerações pagas a servidores públicos que ultrapassam o teto definido pela Constituição Federal, avaliado em R$ 46.366,19 (valor atual do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal). Apesar do limite constitucional, o recebimento acima do teto se dá por meio das verbas indenizatórias e auxílios diversos que não entram oficialmente no cálculo.
A proposta mais avançada é o PL 2721/21, protocolado há quase dez anos. O projeto tem sido alvo de críticas de especialistas pelo risco de acabar provocando resultado oposto ao estabelecer 32 exceções ao limite constitucional, das quais 14 seriam classificadas incorretamente como indenizatórias. A estimativa é de que o PL possa gerar um efeito cascata de quase R$ 30 bilhões ao Executivo. Por isso, tem sido chamado por críticos de “PL dos Penduricalhos”.
A proposta teve origem no Senado em uma comissão especial destinada a discutir os supersalários, foi aprovado pela Câmara em 2021 e está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde então sem perspectivas de avanço.
O PL 3401/25, do PT, foi proposto em oposição ao PL 2721/2021. O partido reconhece que o texto que está no Senado pode “agravar as injustiças atuais”. Na proposta de lei, o PT sugere a criação de um portal nacional de remunerações, um sistema integrado de dados de todos os Poderes, prevê a aplicação do texto mesmo para quem tem mais de um vínculo e estabelece o limite salarial de forma proporcional à jornada de trabalho.
Na leva das propostas mais recentes, há o PL 3328/2025 da deputada Tabata Amaral (PSB-SP). O projeto foca na definição e na restrição das verbas indenizatórias que escapam ao teto. Além de limitar o rol de exceções, também impõe percentuais máximos para cada tipo de verba (como auxílio-alimentação de até 3% do teto) e condiciona os pagamentos à comprovação individual do gasto. Ainda classifica a criação de novas verbas indenizatórias por atos infralegais e o descumprimento das regras previstas como ato de improbidade administrativa.
A deputada ainda busca assinaturas para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para vedar os mecanismos que viabilizam a criação de supersalários por meio de penduricalhos, as férias superiores a 30 dias e a aposentadoria compulsória como sanção. A proposição também deve definir que parcelas de natureza indenizatória poderão ser criadas somente por lei complementar.
O PSol também ataca os supersalários com duas proposições. O PL 4413/2024, do deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), e o PL 4077/2024, do deputado Chico Alencar (PSol-RJ). Boulos propõe anular qualquer pagamento acima do teto constitucional, permitindo exceções apenas para indenizações legais, comprovadas e sem caráter permanente. Já o de Chico Alencar impõe que as parcelas indenizatórias não podem ultrapassar 10% do teto constitucional. Os textos tramitam em conjunto. Boulos apresentou um requerimento para que sua proposta fosse apreciada em urgência, sem passar pelas comissões. Não há previsão de quando o pedido será levado a plenário pelo presidente da Câmara.
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No outro lado do espectro político, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) apresentou o PL 5037/2024, que determina que apenas parcelas de caráter indenizatório previstas em lei nacional aplicada a todos os Poderes poderão ser excluídas do limite e considera nulas as remunerações que desrespeitarem essa regra.
Os supersalários e os penduricalhos estão ainda na mira de Kim Kataguiri (União-SP). O deputado busca as 171 assinaturas necessárias para protocolar o que tem chamado de “PEC Anti-Privilégios”. A proposta de emenda também deve incluir a unificação das regras de aposentadoria no serviço público e proibir a progressão baseada exclusivamente em tempo de serviço.
Janela de oportunidade
A diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente e especialista em políticas públicas, Jessika Moreira, considera que o cenário é estratégico para o avanço da pauta. “No momento em que o Brasil está, há uma janela de oportunidade para isso. A gente nunca teve tantos dados sobre esse assunto, tanta mobilização social para enfrentar esse assunto. Sem dúvidas, os parlamentares, hoje, contam amplamente com a opinião pública a favor dessa medida”, afirma. De acordo com pesquisa Datafolha, de julho, 83% dos brasileiros são favoráveis à revisão de benefícios e auxílios para evitar os supersalários.
O Movimento é autor do PL e da PEC contra os supersalários apresentados pela deputada Tabata Amaral. Os textos foram construídos em colaboração com diversas organizações da sociedade civil, entre eles a República.org.
O Movimento Pessoas à Frente participou de mais de 20 reuniões com a equipe técnica do grupo de trabalho da reforma administrativa e a diretora-executiva é otimista quanto ao andamento da pauta. Para Jessika Moreira, a ausência de diretrizes para frear os pagamentos acima do teto do material final apresentado pelo grupo de trabalho “vai gerar uma grande frustração”.
Independentemente de qual proposta avançar no Congresso, a diretora-executiva da organização destaca que qualquer legislação que trate do tema precisa ter como critérios mínimos a especificação clara do que deve ser considerado verba indenizatória e como verba remuneratória, a criação de um sistema de transparência das remunerações no serviço público e punições em caso de irregularidades.
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A presidente do conselho da República.org, Renata Vilhena, especialista em Administração Pública, destaca que uma lei contra os supersalários também deve prever a motivação de qualquer pagamento indenizatório. “Não pode simplesmente pagar depois, tem que ter uma justificativa clara em função disso”, afirma.
Vilhena considera que o Congresso, e o Brasil de maneira geral, nunca haviam chegado antes ao patamar atual de compreensão sobre os supersalários. “Acontece que o impacto financeiro é pequeno, mas é um grande impacto de moralidade, de desigualdade social e isso cria um problema grave interno dentro das carreiras”, afirma. No entanto, observa que o clima político não é dos mais animadores.
Entre anistia, IR e pré-eleição: onde cabem os supersalários?
Embora esteja no radar dos parlamentares e entre as prioridades do partido do governo, há descrença no Congresso sobre o êxito do combate aos supersalários num curto prazo. O PT e a base governista iniciaram o semestre legislativo com foco em fazer oposição ao motim bolsonarista que ocupou as mesas da Câmara e do Senado e impediu votações em plenário. Com a volta da normalidade, a pressão pela anistia dos condenados pelo 8 de Janeiro deve continuar no centro das negociações e preocupações. Dentre as pautas prioritárias, a PEC da Segurança Pública (18/25) e a isenção do imposto de renda (PL 1087/25) concentrarão os principais esforços em um ritmo já pré-eleitoral.
A ministra da SRI, Gleisi Hoffmann, no Fórum JOTA, também destacou que há resistência na tramitação dos projetos sobre supersalários devido à pressão contrária de setores beneficiados pelos pagamentos extrateto no Congresso.
Outros interlocutores do campo progressista – de partidos de esquerda e centro-esquerda – consideram o combate aos supersalários importante, mas não prioritário. A avaliação é de que, dado o atual cenário, é um tema “difícil” de concentrar esforços. Além disso, devem ser preferidas pautas em que há um entendimento de que possam “impactar mais diretamente” o bolso dos brasileiros, como o projeto do IR.
Já entre a oposição, embora individualmente o tema seja prioritário para alguns deputados, como Kim Kataguiri, os supersalários estão longe de serem alvos de um esforço articulado. A pauta continuará orbitando em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e em ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF), com foco na anistia, na PEC que acaba com o foro privilegiado e no impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
Ao longo desta semana, o deputado Pedro Paulo, à frente da reforma administrativa, deve iniciar seu itinerário para tratar da reforma administrativa com líderes da Câmara. No Congresso, há a avaliação de que o andamento dos projetos que virão do grupo, incluindo o que for sugerido para atacar os supersalários, dependerá da habilidade do coordenador do GT de conseguir convencer seus pares.
Mas há também a leitura de que o êxito da reforma dependerá da força da presidência de Hugo Motta, principal patrocinador do movimento de reestruturação do servidor público. O presidente da Câmara já disse que quer votar a reforma até o final deste ano, mas, diante das críticas por sua fragilidade nas negociações com bolsonaristas na última semana, há dúvidas se terá o fôlego necessário.