Licenciamento ambiental: avanços do PL 2159 e os vetos na Lei 15.190

Panorama do PL 2159: principais avanços para o agronegócio

Aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado à sanção presidencial no último dia 17 de julho, o PL 2159/2021 delineou uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental destinada a unificar e harmonizar procedimentos atualmente dispersos em resoluções — como a Conama 237/1997 — e em normas estaduais, oferecendo um marco normativo coerente e integrado.

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No setor agropecuário, como consta em análise primorosa empreendida pelo Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas, o texto buscou enfrentar a assimetria regulatória, segundo a qual a mesma atividade agrícola ou pecuária recebe tratamentos distintos entre os estados — estruturando o licenciamento em dois blocos principais:

(i) atividades isentas: agricultura, pecuária extensiva e semi-intensiva;

(ii) atividades sujeitas a licenciamento: pecuária intensiva.

A dispensa do licenciamento para determinadas atividades agropecuárias não eliminaria, em hipótese alguma, a obrigatoriedade de cumprimento das regras do Código Florestal.

Nesse sentido, o texto do PL 2159 previa que o imóvel rural deveria estar regularmente inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e manter em conformidade à legislação suas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL).

Além disso, se identificada deficiência nas áreas supracitadas, o produtor precisaria ingressar no Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou firmar termo de compromisso, assumindo o dever de recompor ou compensar a vegetação.

Da mesma forma, a conversão do uso do solo — mesmo quando se tratasse de desmatamento autorizado por lei — continuaria condicionada à obtenção de autorização formal de supressão de vegetação.

Assim, a isenção prevista no PL 2159 objetivava a simplificação do rito procedimental, sem flexibilizar os padrões materiais de proteção ambiental, preservando o modelo de gestão territorial estabelecido pela Lei 12.651/2012.

O PL 2159 também buscou modernizar instrumentos.

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) — já conhecida em estados como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Bahia — foi ampliada para o âmbito federal como mecanismo autodeclaratório com condicionantes predefinidas, concebido para oferecer celeridade nos procedimentos de licenciamento e previsibilidade de decisão.

Outra medida importante de simplificação foi em relação ao CAR.

O PL 2159 trouxe avanço relevante ao prever que o licenciamento não seria condicionado à análise definitiva do Cadastro Ambiental Rural, registro obrigatório criado pelo Código Florestal e frequentemente sujeito a atrasos nos órgãos ambientais estaduais.

A medida buscava evitar que o produtor, já adimplente com a obrigação de inscrição, fosse prejudicado pela morosidade estatal, impedindo ou retardando indevidamente o exercício de sua atividade produtiva

Em síntese, o PL 2159 não visava fragilizar o controle ambiental, mas sim aprimorá-lo, conferindo-lhe uniformidade nacional, calibragem proporcional ao risco da atividade e maior aderência às condições reais da produção, tudo isso preservando integralmente o núcleo protetivo consagrado no Código Florestal.

Efeitos da sanção da Lei 15.190: mudanças para o agronegócio e análise objetiva dos vetos

Na última sexta-feira (8/8), o presidente da República sancionou o PL 2159, convertendo-o na Lei 15.190, porém com a imposição de 63 vetos de conteúdo significativo. O Executivo afirmou que manteria os avanços de celeridade e eficiência e, ao mesmo tempo, evitaria retrocessos ambientais.

Entre os vetos com maior impacto direto sobre o agronegócio, salienta-se, em primeiro lugar, a restrição da LAC exclusivamente a empreendimentos de baixo potencial poluidor.

A deliberação presidencial impediu a ampliação dessa modalidade para atividades de médio potencial, sob o argumento de que empreendimentos com risco ambiental mais relevante não deveriam ser licenciados por procedimento simplificado e autodeclaratório.

Contudo, na prática, essa limitação reduz o alcance de um instrumento que poderia destravar projetos agropecuários de porte intermediário, garantindo agilidade sem afastar o controle ambiental, já que a LAC mantém a exigência de cumprimento de condicionantes e de monitoramento posterior pela autoridade competente.

Outro veto relevante é referente à supressão da delegação ampla a estados e municípios para definir tipologias, portes, potenciais poluidores e modalidades de licenciamento.

O fundamento utilizado foi o de evitar uma suposta “competição regulatória” e manter um padrão mínimo nacional uniforme.

No entanto, o efeito concreto é concentrar a padronização em âmbito federal, eliminando a possibilidade de calibrar as exigências de acordo com as especificidades regionais — algo especialmente relevante para o agro, em que fatores como biomas, disponibilidade hídrica e matriz produtiva variam substancialmente e demandam respostas regulatórias diferenciadas.

Também merece atenção o veto à dispensa do licenciamento quando o CAR estivesse pendente de análise.

Pelo texto aprovado pelo Congresso, o produtor que já tivesse cumprido sua obrigação de inscrição no CAR poderia prosseguir com o licenciamento, ainda que a análise definitiva pelo órgão ambiental não estivesse concluída.

A Presidência, porém, sustentou que apenas propriedades com CAR validado poderiam usufruir dessa dispensa.

O resultado prático é a manutenção de um gargalo administrativo — a fila de análise do CAR — como barreira ao exercício da atividade, ainda que se trate de empreendimentos de baixo impacto e de produtores absolutamente regulares perante suas obrigações.

Ainda que a Lei 15.190 preserve avanços estruturais incorporados do PL 2159 — notadamente no que se refere à previsibilidade e à celeridade dos procedimentos de licenciamento — os vetos estabelecem barreiras que o texto original havia removido por meio de soluções alinhadas aos riscos e às particularidades da produção agropecuária.

Perspectivas no Congresso: análise e possíveis ajustes da Lei 15.190

Os dispositivos objeto de veto serão submetidos à apreciação do Congresso em sessão conjunta, ocasião em que poderão ser confirmados ou derrubados. A rejeição de um veto exige o voto favorável da maioria absoluta de cada Casa Legislativa — 257 deputados e 41 senadores — contados separadamente.

Caso uma das Casas não alcance esse quórum mínimo para a rejeição, o veto permanece válido

Considerando o histórico e os objetivos do próprio PL 2159, há fundamentos consistentes para reavaliar três vetos que, de forma proporcional e técnica, poderiam ser revertidos sem enfraquecer a proteção ambiental.

A ampliação da Licença por Adesão e Compromisso para empreendimentos de médio potencial, preservando salvaguardas, não configuraria uma espécie de auto licença, mas sim um licenciamento condicionado e fiscalizável.

Alguns estados já aplicam a LAC com êxito em atividades de baixo impacto, e a legislação federal poderia estender essa eficiência ao médio impacto, com padrões nacionais de risco, condicionantes obrigatórias, monitoramento digital e responsabilização rigorosa.

Esse modelo mantém a exigência constitucional de estudos de impacto para casos de significativa degradação, mas reduz entraves desnecessários a projetos agropecuários de porte intermediário.

A padronização nacional, por sua vez, deve servir como piso e não como teto.

O próprio diagnóstico que motivou o PL do Congresso Nacional apontou a necessidade de corrigir assimetrias entre estados, mas sem impedir que cada ente federativo ajuste critérios às peculiaridades de seus biomas, cadeias produtivas e capacidades institucionais.

Preservar a competência estadual e municipal para calibrar portes, tipologias e parâmetros é coerente com o federalismo cooperativo e evita soluções uniformes que ignoram realidades ambientais distintas.

Por fim, condicionar a dispensa de licenciamento à análise concluída do Cadastro Ambiental Rural transfere ao produtor o ônus da morosidade administrativa.

Uma alternativa equilibrada seria permitir a dispensa quando houver inscrição regular no CAR, vinculada ao cumprimento de obrigações ambientais, sujeita a fiscalização posterior e revogação em caso de fraude.

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Assim, atividades de baixo impacto não ficariam paralisadas por atrasos estatais, preservando-se a possibilidade de bloqueio imediato diante de irregularidades.

A revisão desses pontos não desmonta as salvaguardas ambientais.

Ao contrário, reforça a lógica de regulação baseada em risco que inspirou o PL 2159, mantém a centralidade do Código Florestal e direciona a atuação do Estado para casos de maior relevância ambiental.

O Congresso tem, portanto, a oportunidade de aperfeiçoar a Lei 15.190, conciliando previsibilidade e agilidade no licenciamento com a integridade ecológica, de forma a potencializar investimentos sustentáveis no campo e aprimorar a efetividade do controle ambiental.

BRASIL. Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 9 ago. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/Lei/L15190.htm.

MUNHOZ, Leonardo. Licenciamento Ambiental no Agro PL Nº 2.159/2021 Atualizado. Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia. Fundação Getúlio Vargas – FGV, São Paulo, SP, Brasil. Disponível no link: https://agro.fgv.br/publicacao/ocbio-licenciamento-ambiental-no-agro-pl-no-21592021-relatorio-ii

BRASIL. PL do licenciamento: com vetos, governo garante proteção ambiental e segurança jurídica. Acompanhe o Planalto. Brasília, 8 ago. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/08/pl-do-licenciamento-com-vetos-governo-garante-protecao-ambiental-e-seguranca-juridica.

BRASIL. Redação Final do Projeto de Lei que deu origem à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Câmara dos Deputados, Brasília, 16 jul. 2025. Disponível em:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2960811.

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