A pouco mais de 3 meses para a realização da Conferência do Clima (COP30) em novembro, em Belém (PA), a expectativa para Alice Amorim Vogas, diretora de programa da Direção Executiva da presidência da COP30, é de que o evento será a “COP da implementação”, acelerando o processo de implementação do que é necessário para a transição energética. Na visão dela, esse é o momento ideal para, inclusive, implementar o que já foi decidido em conferências e agendas climáticas globais anteriores.
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“A gente precisa de uma regulação adequada, de uma estrutura de incentivos adequados, de empreendedores, os ‘doers’, quem execute, implemente e desenvolve os os projetos”, afirmou. No entanto, considerou que toda essa questão passa por uma realidade local e estadual muito importante, que devem ser levadas em conta, visto que não dá para falar sobre o Brasil de forma genérica, mas sim a nível municipal e estadual.
Em entrevista concedida ao JOTA, Vogas falou ainda sobre os avanços que o Brasil conquistou ao longo dos últimos anos em relação à implementação do Acordo de Paris, assinado em novembro de 2015, e do processo de transição energética no país. Em sua avaliação, houve avanços significativos, principalmente no que diz respeito ao que ela chamou de “federalismo climático”, em que estados e municípios passaram a pensar em projetos legislativos que se encontram com a agenda climática.
“De 10 anos para cá, isso mudou significativamente, e eu acho que não só a implementação da política estadual e da política nacional, mas também esse mainstreaming, esse processo de você trazer a questão climática para políticas de compras públicas, para o processo orçamentário”, avaliou. Para ela, esse processo é fruto de uma reflexão, amadurecida institucionalmente, sobre o que precisa acontecer do ponto de vista da implementação de projetos.
Além desses pontos, a diretora de programa da COP30 também falou sobre o processo de preparação da capital paraense para receber o evento, sobre os exemplos que o Brasil pretende apresentar às demais delegações participantes, os impactos da postura dos Estados Unidos ao sair do Acordo de Paris, assim como dos potenciais reflexos do tarifaço anunciado por Donald Trump.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
No mês passado, foi deflagrada a crise em relação à hospedagem para a COP30, sendo inclusive levantada a hipótese de algumas delegações pedirem a retirada da conferência da capital paraense. Belém estará preparada para receber a COP30? Como o Brasil tem se organizado nesse sentido?
No último mês ainda havia muita expectativa em relação a esse ponto da hospedagem, mas também houve muitos avanços nesse processo nas últimas semanas e a plataforma de hospedagens foi lançada. Os países e as delegações mais vulneráveis têm preferência, e eles estão em processo agora de poder manifestar essa preferência em relação às acomodações que foram disponibilizadas, sobretudo nos cruzeiros.
Do ponto de vista da existência de acomodação e de possibilidades, acho que a gente avançou bastante. A grande questão hoje está em torno do custo, e nesse aspecto o governo federal está fazendo o que pode para conseguir trazer esses valores de modo que sejam custos mais módicos. Mas tem um limite do que a gente tem conseguido fazer, porque a grande parte das acomodações não são de hotéis, são acomodações de particulares. E juridicamente, inclusive, a gente não possui tantas ferramentas que possam ser usadas para definir um cap de valores.
E há abertura de diálogo com os proprietários das acomodações para tentar solucionar essa questão?
A nossa unidade, a Secretaria de Segurança Extraordinária para a COP30 (Secop), está em diálogo direto com muitos detentores de imóveis na região, e esse esforço tem sido de garantir um valor que seja mais razoável. Mas a liberdade de definição do preço dos particulares ainda é uma dificuldade.
Além das acomodações de particulares, quais são os outros desafios enfrentados pela diretoria?
Estivemos em Belém há duas semanas, a diretora Ana Toni e eu, e ficamos muito satisfeitas e bem otimistas em relação ao Parque da Cidade, ao andamento das obras e a preparação do espaço específico para a COP. A gente tem três grandes elementos, a hospedagem, a estrutura física da COP e as infraestruturas adicionais, como, por exemplo, a Ilha do Outeiro, que está relacionada com a hospedagem.
Essa é uma obra de infraestrutura mais pesada que está avançando e não há nada que nos leve a crer que não vamos estar prontos até a COP. Então, acredito que o grande centro da questão é realmente o custo da hospedagem, nem a existência ou não dela, mas principalmente o seu custo.
Desde a retomada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, os EUA têm se afastado das negociações climáticas da ONU, inclusive com a saída do Acordo de Paris. Como isso pode impactar a COP30, principalmente em relação à participação de autoridades na Conferência?
Em relação ao impacto da saída do Acordo de Paris, os Estados Unidos já saíram do Protocolo de Kyoto, já saíram antes do Acordo de Paris e estão saindo novamente. Isso não mudou a trajetória que a gente tem visto ao longo dos anos de redução das emissões e de continuidade e aprofundamento da ação climática. Naturalmente, como uma grande potência global e um grande país do ponto de vista de emissões, isso tem um impacto na nossa capacidade global e coletiva de tornar o sistema multilateral mais útil para acelerar a implementação.
O que a gente tem visto é um fortalecimento da ação subnacional, que já aconteceu antes também. Governadores, prefeitos, inclusive empresas continuam agindo para mitigar os gases de efeito estufa e se adaptar, às vezes de uma forma muito menos vocal, mas a ação continua acontecendo. A presença dos EUA ou de qualquer chefe de Estado nunca foi uma baliza para a participação de outros chefes de Estado na COP. Claro, muda a dinâmica do processo negociador, mas o que a gente precisa olhar é de que maneira esse contexto atual é diferente em relação aos contextos anteriores.
O que a gente precisa é fortalecer o multilateralismo para lidar com a crise climática, e isso depende muito mais dos países individualmente trazerem suas contribuições, algo que a China, a União Europeia, todos têm sinalizado que irão trazer muito em breve, mas ainda não o fizeram. E isso eu acho que é o desafio que precisamos focar mais fortemente.
E em relação às tarifas, há alguma possibilidade de elas também impactarem a ocorrência da COP no Brasil?
Em relação às tarifas, a gente sabe que o tema de comércio exterior não é um tema que está dentro do mandato da Convenção do Clima, do Acordo de Paris. É um tema do mandato da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que, no fundo, isso é um reflexo de uma decadência da própria OMC, que já se arrastou há alguns anos e que os países precisam trabalhar o que é essa OMC 2.0 nesse momento.
Eu diria que ainda é cedo para avaliar o impacto disso na COP como um todo, acho que o governo está se movimentando para lidar com essa situação, mas o que está acontecendo é muito mais um isolamento dos Estados Unidos nesse momento, tanto é que várias dessas medidas unilaterais que foram tomadas acabaram não se materializando na confirmação e isso então pode acontecer no Brasil, ou não.
O que o Brasil leva de exemplos para a COP30? O presidente Lula buscava regulamentar o mercado de carbono, acelerar implementação de mais projetos de energia renovável, conter desmatamento e programa de recuperação de pastos para antes da COP, entre outros pontos. Tem conseguido fazer isso?
Existem vários casos, mas acredito que o mais interessante de avaliarmos também é o quanto que os exemplos do Brasil inspiram outros países a trazerem esse intercâmbio de experiências para dentro da COP, que afinal de contas é uma das funções de qualquer conferência das partes. Por exemplo, a área de recuperação de terras degradadas, de pastagens, é um dos elementos que está colocado na agenda de ação no campo de sistemas alimentares. O Ministério da Agricultura está muito imbuído, muito engajado nesse processo, sobretudo de pastagens degradadas.
Temos o Ministério do Meio Ambiente com uma experiência notória e inquestionável em relação à redução do desmatamento. Também tem o Ministério da Saúde, que é um dos exemplos interessantes que não são usuais de vermos na COP, mas que está trabalhando ativamente para demonstrar o que está sendo feito para a construção de sistemas de saúde resilientes, e o Sistema Único de Saúde (SUS) está muito envolvido nesse processo.
O próprio Ministério da Fazenda, junto com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), trabalhando as plataformas de países e a agenda de financiamento. Outro case é o plano de transformação ecológica, enquanto uma evidência clara do envolvimento da Fazenda na agenda climática. Isso em si é algo ímpar, que vem um pouco do G20, não é algo exclusivo da COP, mas que é um pouco o futuro da agenda climática e da implementação, em que muitos países estão discutindo como trazer a questão climática para dentro dos seus ministérios da Fazenda e de Finanças, porque é isso que a gente precisa ver no mundo.
Outro case a ser mencionado é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O programa de merenda escolar brasileiro é uma referência de como se trabalha a agricultura familiar, sistemas de compras públicas, trazendo a questão social e climática como elementos norteadores.
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Por fim, podemos falar também sobre a integridade da informação, em que a iniciativa do Brasil foi lançada também no G20, está dentro da agenda ação e é um fator que tem gerado muito engajamento global. Há muito interesse em trabalhar e em discutir a integridade da informação, não apenas como um fator de fortalecimento da discussão climática, mas também com esse entendimento de que os estados não são os únicos protagonistas em encontrar essas soluções.
Quando a COP30 ocorrer em novembro, serão celebrados 10 anos desde que o acordo foi assinado pelos mais de 190 países, incluindo o Brasil. Nesses 10 anos, quais foram os principais avanços alcançados pelo país para cumprir as metas estabelecidas em relações às mudanças climáticas?
Um avanço muito interessante que eu vejo é no que a gente chama de federalismo climático. A Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) de 2009 já previa que a agenda climática seria uma agenda de organização de governança federal, em que o governo se comprometeria em trazer esses entes subnacionais para dentro dessa ação e sensibilização, mas de 2009 para 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado, esse processo foi muito pontual.
Hoje, existem estados, municípios, especialmente as capitais, que avançaram em planos de ação de clima e até fizeram legislações estaduais. A maioria, salvando dois, tem uma política estadual de mudança do clima, não necessariamente com metas próprias ou com inventário colocado, mas fizeram um esforço legislativo nesse sentido.
Um outro fator que acho muito importante mencionar é a própria capacidade do governo federal em trabalhar a governança climática. A gente tem o Comitê Interministerial, que foi descontinuado e agora está retomado, e que está desenvolvendo uma estrutura de governança muito mais sofisticada e robusta para olhar para o governo como um todo. Ou seja, não é a questão climática como pauta ambiental, e sim como o elemento que congrega os vários ministérios.
E, nesse sentido, temos o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e do Comércio (MDIC) com o plano de descarbonização, o Ministério de Minas e Energia (MME) trabalhando a política de expansão de renováveis e o acesso remoto baseado em fontes renováveis, o Ministério da Agricultura trabalhando de forma perene nessa agenda. Então, esse amadurecimento institucional, acredito que é um motivo de orgulho e muito diferenciado. Acho que é uma evolução muito clara nesses últimos 10 anos.
E em relação à transição energética, quais foram os principais avanços?
Aqui a gente tem duas questões. Primeiro que o ponto de partida do debate de transição energética no Brasil é um ponto já muito elevado em relação a outros países. A gente tem uma matriz essencialmente elétrica e renovável, e a pergunta é como a gente sai do 90% para o 100%.
Mas isso traz dois fatores importantes para pensarmos. Um deles é que não podemos sujar a nossa matriz sem necessidade, e isso é um risco que vimos nos últimos anos, especialmente em momentos de ameaça de apagão e em momentos de leilão de térmicas a carvão, em que você precisa organizar toda a estrutura do setor elétrico de subsídios e incentivos para não permitir ou evitar que haja retrospecto nesse aspecto.
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O outro fator é sobre os combustíveis fósseis. E nesse ponto nós precisamos avançar muito do ponto de vista da nossa matriz de transportes. Nós temos, melhor do que muitos países do mundo, a penetração de carros híbridos, biocombustíveis, mas uma grande parte do nosso consumo energético de combustível está associado a transporte, sobretudo de transporte de carga e de longa distância. E isso é um ponto importante que eu espero que a COP ajude a colocar, trazer o tema de transporte, que aliás nenhuma outra Conferência do Clima teve o tema de transporte como um grande fator de debate.
Aqui no Brasil é menos uma questão de estrutura, digamos, pensar menos a oferta, que é muito da discussão de “transitioning away from fossil fuels”. Nosso entendimento é que nós focamos muito na oferta, como se fôssemos mudar o perfil do consumo energético no mundo, diminuindo a produção de petróleo, quando, na verdade, o que precisa acontecer no mundo é a mudança nas estruturas de demanda. Então, quem demanda combustível precisa demandar combustíveis de baixo carbono ou outras formas de geração de energia. E aí, nesse aspecto, o ponto-chave no Brasil está no transporte, como setor que consome a nível doméstico, mas também está na mudança dos mercados consumidores de combustível para onde o país exporta.
A COP30 pode ser uma vanguarda para abordar essa problemática e levantar a necessidade de revisão para as estruturas de demanda?
Sim, o embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP) e a diretora Ana Toni, todos nós temos reforçado muito essa ideia de que o compromisso de transitar para longe, se afastar dos combustíveis fósseis, foi um compromisso assumido na COP28, em Dubai, pelos países. Isso já está acordado, não é mais uma questão se vamos ou não, mas a pergunta é como faremos, que elementos e critérios são usados para definir quem faz transição antes, ou depois, e como operacionalizar.
Por isso também falamos da COP de implementação. A gente precisa implementar o que já foi decidido. E temos trabalhado muito e buscado trazer essa dinâmica de que, sem a demanda, a oferta não vai mudar. E nós precisamos trabalhar a capacidade de transicionar nessa oferta para que os impactos sociais e econômicos, especialmente nos produtores – que é o caso do Brasil, inclusive com a nossa dependência de royalties de petróleo –, precisam ser tratados e que nós precisamos pensar na transição, mesmo que não saibamos exatamente em que ano.
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Não precisamos cravar um ano específico, mas precisamos discutir a transição e qualificar esse debate sob a perspectiva econômica e social, e dando segurança jurídica para todas as partes envolvidas, desde as empresas até os municípios, estados e o governo federal. Cada um é impactado de uma maneira diferente e nós precisamos entender que impactos são esses e como estabelecer prazos que façam sentido para implementar essa transição.
No ano em que a COP30 será realizada no Brasil, vemos no Congresso algumas pautas mais polêmicas e que são contrárias ao propósito da Conferência, a exemplo do PL do Licenciamento Ambiental, além da criação de frente para defender exploração de petróleo na Margem Equatorial. Fora do Congresso, há inclusive essa indefinição sobre a exploração da Foz do Amazonas, que foi defendida mais de uma vez pelo próprio presidente Lula. Isso pode afetar a imagem do Brasil como anfitrião da Conferência, e da própria COP30, principalmente em relação à União Europeia?
Acho que sim, prejudica, mas o que está em jogo é muito mais do que a imagem do Brasil na COP. No fundo, é o presente e o futuro da humanidade, e o quanto que os diferentes atores políticos do nosso país estão entendendo a gravidade do que está sendo colocado. Um fator importante é que a discussão sobre a Foz do Amazonas e Ibama é uma discussão ambiental, de salvaguardas, de impactos daquela exploração do território, e como que a vida marinha e os diferentes fatores da região são impactados com aquela atividade econômica.
A discussão que a gente vem tendo na COP é muito mais de futuro, de economia e da política. Então, é importante qualificarmos essas duas coisas porque a Margem Equatorial é um pedaço de uma história maior. E nós precisamos que o Brasil discuta a sua transição para longe de combustíveis fósseis nas diferentes instituições, nos diferentes regulamentos, e há uma implicação muito maior de médio prazo. No fundo, o que a gente também precisa entender é que nenhum projeto de lei é neutro. Ele tem implicações que contribuem ou atrasam essa transição macro para a descarbonização até meados do século.
O PL da Devastação, ele naturalmente vai na contramão disso, mas o impacto climático em si, isso sequer estava colocado nesse debate, é uma etapa anterior. E isso é um desafio que o mundo inteiro está vivendo, que é também pensar como usar melhor o processo multilateral com o Acordo de Paris e com a Convenção do Clima para aterrissar as metas das NDCs e os princípios da Convenção em regulações domésticas, na política fiscal, na política econômica e educacional.