Inconstitucionalidade da dispensa de honorários em parcelamentos tributários

A questão dos honorários advocatícios em acordos e parcelamentos tributários representa uma das controvérsias mais significativas do direito processual tributário contemporâneo.

Com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5405 previsto para este mês de agosto no Supremo Tribunal Federal, torna-se fundamental analisar os precedentes jurisprudenciais que sinalizam para a declaração de inconstitucionalidade das normas que dispensam o pagamento dessas verbas.

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O marco jurisprudencial consolidado

O STF tem construído uma jurisprudência sólida e coerente sobre a impossibilidade de entes federados legislarem sobre honorários advocatícios, reconhecendo tratar-se de matéria processual de competência privativa da União. Dois julgamentos recentes ilustram essa orientação de forma paradigmática.

Na ADPF 1.066/MG, julgada em abril de 2025, o Plenário declarou por unanimidade a inconstitucionalidade de norma municipal de Ipatinga que isentava contribuintes do pagamento de honorários de sucumbência em programa de regularização tributária. A decisão fundamentou-se na violação do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre direito processual.

De forma similar, na ADI 7.341/SE, julgada em novembro de 2024, foi declarada inconstitucional lei estadual de Sergipe que fixava percentuais escalonados de honorários sucumbenciais para procuradores estaduais em execuções fiscais, variando de 1% a 10% conforme o número de parcelas do parcelamento. Novamente, o fundamento residiu na invasão de competência legislativa reservada à União.

A questão da competência legislativa

Para compreender a dimensão constitucional do problema, é essencial examinar a estrutura de repartição de competências estabelecida pela Constituição Federal. O artigo 22, inciso I, atribui privativamente à União a competência para legislar sobre direito processual, criando um sistema uniforme em âmbito nacional que impede a fragmentação normativa.

Essa uniformidade não é meramente formal, mas possui finalidade protetiva fundamental: preservar a natureza remuneratória e alimentar dos honorários advocatícios. Quando Estados e Municípios editam normas dispensando ou reduzindo essas verbas, violam não apenas a divisão constitucional de competências, mas também os direitos fundamentais dos advogados à remuneração pelo trabalho realizado.

A jurisprudência do STF tem sido categórica ao reconhecer que a regulamentação de honorários advocatícios constitui matéria processual indisponível pelos entes subnacionais. Mesmo quando inseridas em programas de incentivo fiscal aparentemente benéficos, essas disposições encontram barreira intransponível na reserva de competência federal.

A natureza constitucional dos honorários advocatícios

O entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal reconhece nos honorários advocatícios uma dupla natureza fundamental: remuneratória e alimentar. Essa caracterização não é meramente doutrinária, mas deriva da própria configuração constitucional da advocacia como função essencial à justiça, conforme estabelece o artigo 133 da Constituição Federal.

Os honorários sucumbenciais, especificamente, constituem contraprestação pelo serviço prestado e integram o patrimônio do advogado, seja ele público ou privado. Essa titularidade exclusiva impede que terceiros, incluindo o próprio Estado, disponham unilateralmente sobre essas verbas. Como destacou o ministro Dias Toffoli no voto condutor da ADI 5405, a dispensa normativa do pagamento de honorários sem concordância expressa do advogado ofende a garantia da propriedade privada e da remuneração decorrente do trabalho.

A proteção constitucional é ainda mais robusta quando consideramos que os honorários possuem natureza alimentar, equiparando-se aos salários quanto à essencialidade para a subsistência do profissional. Essa qualificação confere-lhes proteção especial no ordenamento jurídico, tornando inadmissível sua supressão por disposição legislativa unilateral.

A expectativa para o julgamento da ADI 5405

O julgamento da ADI 5405 em plenário físico deverá consolidar o entendimento já esboçado em plenário virtual, onde se formou maioria pela inconstitucionalidade das disposições que dispensam honorários advocatícios em parcelamentos tributários. A coerência jurisprudencial do STF nos casos anteriores indica forte probabilidade de confirmação dessa orientação.

As leis federais questionadas na ação (Leis 11.775/2008, 11.941/2009, 12.249/2010, 12.844/2013 e 13.043/2014) reproduzem o mesmo vício identificado nas normas estaduais e municipais já declaradas inconstitucionais: a disposição unilateral sobre verbas de titularidade exclusiva dos advogados. Ainda que editadas pela União, violam direitos fundamentais dos profissionais e comprometem a independência funcional da advocacia.

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A eventual modulação de efeitos, embora tecnicamente possível, não afasta a inconstitucionalidade material das normas. A segurança jurídica, frequentemente invocada para justificar a modulação, não pode prevalecer sobre direitos fundamentais consolidados na Constituição. A proteção aos acordos já celebrados deve ocorrer por outros mecanismos, preservando-se a integridade do sistema constitucional de proteção dos honorários advocatícios.

Conclusão

A jurisprudência consolidada do STF aponta inequivocamente para a inconstitucionalidade da dispensa de honorários advocatícios em parcelamentos tributários. Os precedentes recentes em casos envolvendo normas estaduais e municipais demonstram que a corte não tolera invasão da competência federal para legislar sobre direito processual, especialmente quando essa invasão compromete direitos fundamentais dos advogados.

Ademais, o julgamento da ADI 5405 representa oportunidade de consolidar definitivamente esse entendimento, estabelecendo que nem mesmo a União pode dispor unilateralmente sobre verbas de titularidade exclusiva dos advogados. A coerência sistemática do ordenamento constitucional exige que se preserve a natureza remuneratória e alimentar dos honorários advocatícios, garantindo a independência e dignidade da advocacia como função essencial à justiça.

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