A desinformação é um dos principais riscos para o indivíduo e para a sociedade. A desinformação trabalha na construção de dados e percepções falsas, viciadas, que levam a posicionamentos fragmentados e comumente lesivos quando neles se imagina retidão.
Os honorários da advocacia pública vêm passando por esse tipo de desinformação. Uma das técnicas de remuneração mais efetivas e meritórias existentes está sendo submetida a uma tempestade de informações falsas, por vezes utilizando-se inclusive da boa-fé de jornalistas e pesquisadores. Este artigo se volta justamente para dissolver a desinformação.
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Imagine que você é um gestor ou mesmo um empresário. Confia no mérito, adere a uma linha de retribuição remuneratória que visa elevar a produtividade e eficiência. Seu grupo de colaboradores demanda um reajuste na remuneração. Você faz uma proposta: “Sua remuneração será híbrida. Parte eu te pago, parte será obtida com seus resultados na própria atividade. Dessa forma, ambos teremos êxito”.
E assim se faz a negociação, assim se implementa a gestão. Os benefícios crescem, para ambos. O custo para o gestor ou empresário pouco se eleva, pois os seus colaboradores estão obtendo a remuneração pela performance na própria atividade.
A construção dos honorários da advocacia pública seguiu essa origem. Há mais de dez anos (ano de 2015), em análises de gestão administrativa baseadas em princípios de remuneração, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e a sociedade adotaram o modelo de remuneração por performance para a Advocacia Pública. O que isso significou? Ao invés de ter o Poder Público de custear a remuneração dos Advogados Públicos integralmente, a legislação criou o modelo híbrido. As vantagens são notórias. Em curto espaço buscarei externar algumas.
O sistema de sucumbência que forma os honorários de advocacia atribui o peso dos valores sobre quem perdeu a demanda. Suponha-se um mau empresário, que pratica fraudes e não paga seus tributos. Ele está em concorrência desleal com o bom empresário, afinal, não pagando seus tributos, seus produtos e atividades ficam mais baratos. O empresário ruim penaliza o bom empresário.
Quando a Advocacia Pública ganha a ação e o Poder Público recebe o valor do mal empresário, quem paga a sucumbência é ele. Não é o bom empresário. Em outras palavras, o sistema dos honorários advocatícios alivia o bom contribuinte, alivia o bom empresário. É aquele que perde quem pagará, e não a sociedade como um todo. Há aqui um critério de justiça.
Ah, e se quem perdeu a ação for alguém que sequer tem condições de pagar? Nada acontecerá, pois terá os benefícios da justiça gratuita. Ou seja, é falsa a informação que o contribuinte paga a remuneração por performance, quem arca com os honorários de sucumbência é o vencido em uma ação judicial (e somente naquelas em que há fixação de sucumbência).
Outra vantagem para a sociedade e para o Estado. Os honorários do Advogado Público são tributados normalmente no imposto de renda. Mas os membros da Advocacia Pública não receberão esse valor de aposentadoria vinda do Estado, e menos ainda haverá pensão para seus descendentes. Deixando de forma clara. Se um membro do Judiciário, da Defensoria Pública ou do Ministério Público se aposenta, quem paga 100% de sua aposentadoria é entidade pública. Para os membros da Advocacia Pública não. O Estado não paga qualquer reflexo previdenciário relativo à remuneração por desempenho. Portanto, os cofres públicos não têm um centavo sequer de custo previdenciário com essa função essencial à justiça, ao contrário do que ocorre com as outras.
Uma vantagem para o Estado, e fator de preocupação para os Advogados Públicos, é a pensão. Se o Advogado Público ou a Advogada Pública falece, mesmo em razão de causa ligada ao trabalho, o valor pertinente aos honorários de sucumbência desaparece para sua família. Ou seja, não há pensão para crianças, adolescentes, pessoas com necessidades especiais, viúvos e viúvas do Advogado Público, mesmo que dele dependentes. No caso das outras funções essenciais à justiça, seria o Poder Público obrigado a pagar a pensão pela remuneração como um todo. No caso dos advogados públicos não.
Advogados e Advogadas públicas são ameaçados e vivem em risco em suas atividades. Isso foi reconhecido inclusive pela Lei n. 15.159/25. Mas se vierem a falecer, ou mesmo ficarem inválidos, mesmo que por crimes contra eles cometidos, o Poder Público não arcará com um único centavo em relação à pensão para seus filhos no que diz respeito à parcela da remuneração por desempenho.
Os honorários para a advocacia pública não vieram para os advogados públicos ganharem mais. Vieram sim para que o Estado pague menos. A remuneração híbrida com a sucumbência é custeada como verba privada, permitindo que o Poder Público tenha um custo menor com seus profissionais especializados. Divulgar e alardear o inverso é desinformação, é inversão entre causa e efeito, é antes de tudo a expressão de um passado arcaico e fundado na repulsa pelo mérito e pela modernidade na remuneração por performance.
Por que isso está acontecendo? Talvez porque o leque dos insatisfeitos com a eficiência esteja se abrindo. A Advocacia-Geral da União, a Advocacia-Geral dos Estados e Distrito Federal e as Procuradorias dos Municípios, estão todas elas sob o mesmo modelo de remuneração e cada dia mais eficientes.
Dentre inúmeros casos, abordo alguns. A Advocacia-Geral da União desmontou um sistema de fraudes por golpes de pix, com imagens adulteradas por IA (caso Banco Central). A Advocacia-Geral da União efetivou o ajuizamento e obtenção de decisões judiciais contra desmatadores e degradadores ambientais. A Advocacia-Geral da União conseguiu a obtenção de recursos para regularização de terras indígenas sem custo para o Poder Público (caso Avá-Guarani).
A AGU conseguiu a remoção de vídeos adulterados que expunham ao constrangimento militares da Marinha (plataformas YouTube, Instagram e TikTok). A AGU efetivou e está conseguindo a reparação de bilhões, objeto da fraude no INSS. A AGU efetiva a defesa de políticas públicas, assim como protege os minerais e terras raras que estejam sob risco de mineração ilegal. A AGU efetiva a defesa de pessoas atingidas e do meio ambiente destruído pelos rompimentos de barragens de mineração, tendo atuado para determinação de condenação das maiores mineradoras do mundo que são responsáveis por desastres no Brasil.
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A desinformação possui uma causa. E essa causa não é o modelo remuneratório híbrido, pois ele é favorável ao Estado. A causa da desinformação é a eficiência. A pergunta é: quem está interessado em minar o sistema de eficiência da Advocacia Pública? Essa sorrateira atuação seduz com desinformação e está a levar consigo vários bons profissionais que são induzidos a pensar a partir de incorreções procedidas nas premissas do raciocínio, seja na imprensa, seja na sociedade como um todo.
E, ao contrário do alardeado, há sim limites para os honorários de sucumbência, e este limite é o teto constitucional, obedecido pela AGU, pelas AGEs e pelas Procuradorias dos Municípios. É preciso corrigir e dissolver as incorreções da desinformação. Mas mais do que isso é preciso pensar: de onde vem o desejo de enganar.
Este artigo é elaborado exclusivamente a partir de atuação e pesquisa acadêmica e profissional deste professor e procurador, e a mim cabem os posicionamentos aqui expostos. Aliás, as pesquisas e dados indicados estão em repositórios abertos, que podem ser obtidos por todos, inclusive por aqueles que distorcem dados para poderem vender livros e angariar fama nas redes sociais.