A pouco menos de cem dias da COP30, enquanto se prepara para sediar um dos principais eventos climáticos da década, o Brasil se vê no epicentro de transformações políticas e econômicas que colocam à prova sua capacidade de responder com inteligência, responsabilidade e visão estratégica aos desafios da governança global.
O fortalecimento do Brics, ampliado e cada vez mais influente no cenário internacional, contrasta com as tensões internas provocadas por medidas como o tarifaço, reacendendo o debate sobre como a liderança do Brasil em fóruns voltados à cooperação e à defesa dos mercados emergentes pode influenciar os rumos da sua própria agenda de desenvolvimento econômico com inclusão social.
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Diante desse paradoxo, a resposta não está em recuar no plano internacional, mas em fortalecer a governança interna. Medidas emergenciais, como a abertura de créditos extraordinários[1], costumam ser adotadas para aliviar pressões momentâneas, mas não sustentam, por si só, uma agenda de desenvolvimento com inclusão social.
Em 2010, quando sediou pela primeira vez a cúpula do Brics, o Brasil vivia um período de prosperidade econômica, com crescimento expressivo do PIB e avanços em políticas de inclusão social. Apesar da trajetória de redução das desigualdades, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou, em 2013, que o país ainda figurava entre os que apresentavam os maiores níveis de disparidade no mundo[2], cenário que permanece inalterado até os dias atuais[3].
Em 2025, dados divulgados por fontes oficiais indicaram que o Brasil encerrou o ano de 2024 como a décima maior economia do mundo, com um crescimento de 3,4% no PIB, totalizando R$ 11,7 trilhões em valores correntes[4]. O desempenho econômico também foi reconhecido internacionalmente, uma vez que a OCDE posicionou o país na sétima colocação entre 40 nações que apresentaram dados de crescimento referentes ao período[5].
Esse resultado ganha relevância diante do compromisso assumido pelo Brasil em alinhar-se às boas práticas internacionais promovidas pela organização, especialmente desde o pedido formal de adesão ao bloco em 2017.
Embora o diagnóstico macroeconômico seja favorável, é perceptível para o cidadão comum que o país ainda enfrenta desafios estruturais profundos, refletidos na baixa qualidade dos serviços públicos em áreas essenciais como saúde, educação, segurança, transporte, meio ambiente e distribuição de renda.
Essa realidade evidencia o descompasso entre os indicadores econômicos e a efetividade das políticas públicas voltadas à melhoria real da qualidade de vida das pessoas.
Os países-membros do Brics são considerados em desenvolvimento, e a mudança de status não constitui tarefa simples. No caso do Brasil, os principais desafios incluem alcançar estabilidade macroeconômica, racionalizar os gastos públicos, fortalecer as políticas de educação, pesquisa e inovação, implementar reformas estruturais, modernizar a infraestrutura e promover a inclusão social e regional[6].
Diante de um cenário marcado por tensões globais e desafios internos, o Tribunal de Contas da União (TCU) se apresenta com atribuição de recomendar oportunidades de melhorias na visão estratégica de longo prazo do governo para avaliar, direcionar e monitorar os resultados da atuação da gestão quanto à eficiência e eficácia das políticas públicas.
A governança pública brasileira evoluiu como política pública a partir da atuação qualificada e indutiva do TCU, especialmente após a parceria firmada com a OCDE em 2013. Desde então, a Corte de Contas passou a concentrar esforços em setores estratégicos, como saúde, educação, previdência, assistência social, cultura, meio ambiente, orçamento, sistema financeiro e infraestrutura, com o objetivo de avaliar a efetividade da atuação estatal no desenvolvimento nacional[7].
São nesse sentido várias as iniciativas conduzidas pelo TCU nos últimos anos, com avaliações de governança que têm revelado preocupações recorrentes da Corte de Contas federal, como demonstram o Acórdão 1827/2017-Plenário, ao apontar a ausência de coordenação entre planos nacionais, regionais e setoriais, comprometendo a articulação federativa e a efetividade das políticas voltadas ao desenvolvimento do Nordeste, e o Acórdão 2.201/2024-Plenário, ao tratar da governança climática no Brasil, identificando fragilidades na gestão das políticas públicas e na aplicação dos recursos destinados ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Outra iniciativa relevante é o desenvolvimento de uma metodologia inédita, apoiada por ferramentas tecnológicas, que avaliará a efetividade das políticas públicas voltadas à redução das vulnerabilidades sociais por meio da comparação entre indicadores de pobreza multidimensional e os respectivos gastos públicos, oferecendo uma abordagem inovadora para mensurar o impacto das ações governamentais na qualidade de vida da população[8].
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Como parte das ações mais recentes, o TCU disponibilizou, em 2025, um estudo internacional elaborado em parceria com a ONU e alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. O trabalho reúne análises de mais de 60 relatórios de auditoria de 20 países e propõe metodologias inovadoras voltadas ao aprimoramento da governança e da efetividade das políticas públicas relacionadas à transição para uma matriz energética mais sustentável[9].
O TCU assumiu o compromisso de alinhar suas ações de controle externo aos ODS, atuando como indutor de boas práticas de governança, fortalecendo políticas públicas e promovendo resultados concretos na redução das desigualdades sociais e na mitigação dos eventos climáticos.
Para promover o desenvolvimento econômico com inclusão social e governança climática, não basta adotar medidas pontuais, é fundamental contar com instituições fortes, independentes e orientadas por uma visão estratégica de longo prazo, evitando que o exercício da liderança internacional se torne frágil ou desconectada da realidade nacional.
Nesse sentido, a auditoria suprema exercida pelo TCU desempenha papel crucial no fortalecimento da governança pública brasileira, ao identificar áreas passíveis de aprimoramento, produzir dados confiáveis e diagnósticos precisos sobre o ciclo das políticas públicas, fornecendo informações qualificadas que contribuem para o desenvolvimento de políticas mais efetivas e sustentáveis, com foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Ao assegurar a fidedignidade e a auditabilidade das informações públicas, o TCU contribui decisivamente para a construção de um ambiente institucional confiável, fortalecendo a governança e orientando a gestão pública para práticas mais eficazes e alinhadas ao compromisso com a redução das desigualdades e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas.
Sem governança adequada, não encontraremos respostas para o paradoxo de equilibrar a liderança global com a capacidade interna de enfrentar retaliações comerciais como o tarifaço.
[1] CARTACAPITAL. Medidas para enfrentar o tarifaço podem ficar fora do arcabouço fiscal, diz presidente do TCU. CartaCapital, 29 jul. 2025. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/medidas-para-enfrentar-o-tarifaco-podem-ficar-fora-do-arcabouco-fiscal-diz-presidente-do-tcu/. Acesso em: 4 ago. 2025.
[2] OECD. OECD Territorial Reviews: Brazil 2013. OECD Publishing, 2013. Disponível em: https://www.oecd.org/en/publications/oecd-territorial-reviews-brazil_9789264123229-en.html. Acesso em: 04 ago. 2025.
[3] BBC. 4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório. G1, 07 dez. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/12/07/4-dados-que-mostram-por-que-brasil-e-um-dos-paises-mais-desiguais-do-mundo-segundo-relatorio.ghtml. Acesso em: 04 ago. 2025.
[4] IBGE. PIB cresce 3,4% em 2024 e fecha o ano em R$ 11,7 trilhões. Agência de Notícias IBGE, 07 mar. 2025. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/42774-pib-cresce-3-4-em-2024-e-fecha-o-ano-em-r-11-7-trilhoes. Acesso em:04 ago. 2025.
[5] MOURA, Bruno de Freitas. Brasil é o sétimo em ranking de crescimento econômico com 40 países. Agência Brasil, 7 mar. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-03/brasil-e-o-setimo-em-ranking-de-crescimento-economico-com-40-paises. Acesso em: 04 ago. 2025.
[6] NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luis Afonso Gomes. Governança pública: o desafio do Brasil. Prefácio de Jorge Gerdau Johannpeter. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 399 p.
[7] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. O TCU e o desenvolvimento nacional: contribuições para a administração pública. Manual. 3. ed. Brasília: TCU, 2022. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/desenvolvimento-nacional/index.html. Acesso em: 04 ago. 2025.
[8] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Metodologia vai comparar pobreza multidimensional e gasto público. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/metodologia-vai-comparar-pobreza-multidimensional-e-gasto-publico. Acesso em: 7 jul. 2025.
[9] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Tribunal apresenta estudo internacional focado em transição energética. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tribunal-apresenta-estudo-internacional-focado-em-transicao-energetica. Acesso em: 4 ago. 2025.