Brasil vs. Trump na OMC: o que esperar?

O Brasil anunciou que tomará medidas contra as tarifas impostas pelo presidente Donald Trump na Organização Mundial do Comércio (OMC). De fato, é uma medida adequada e pertinente, pois a imposição de tarifa de 50% sobre produtos brasileiros destinados aos Estados Unidos viola o princípio da nação mais favorecida (art. I do GATT), como vimos no nosso artigo anterior[1]. E há precedentes da OMC que impedem o tratamento discriminatório de produtos idênticos ou similares, por sua origem ou destino (Canada – Autos, EC – Seal Products, Bananas e outros).

O Brasil participou de muitas disputas na OMC, sendo parte em de 51 casos. Os principais foram: as disputas sobre aeronaves (Canadá), subsídios sobre açúcar (União Europeia e Tailândia), medidas que afetam importação de carne bovina (Indonésia), frango (Indonésia e União Europeia), subsídios para o algodão (EUA), medidas antidumping que afetaram suco de laranja (EUA) e medidas compensatórias em produtos de aço (EUA) e standards para gasolina (EUA)[2].

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Muitas disputas entre Brasil e EUA na OMC ainda não foram encerradas. Dentre as concluídas, nós vencemos a DS4 sobre o padrão da gasolina e os EUA tiveram prazo para implementar uma solução e editar um novo regulamento adequado às regras do GATT.  Houve acordo em duas disputas: na DS 382 sobre suco de laranja e na DS 267 sobre algodão. Ainda não houve solução da disputa DS 365 sobre exportação de commodities agrícolas e nem da DS 514 sobre as medidas compensatórias em produtos de aço.

Para conferir eficácia às decisões em solução de disputas comerciais, a OMC autoriza a adoção de medidas de retaliação pelo vencedor, como a suspensão de direitos, concessões ao vencido; bem como o pagamento de compensações financeiras pelo vencido ao vencedor. São as chamadas sanções comerciais, que dependem do comprometimento dos países envolvidos na negociação.

A OMC não afeta a soberania dos países-membros, sua força está no consenso e na reciprocidade. Baseia-se nos princípios de direito internacional público estatuídos na Convenção de Viena do Direito dos Tratados, dentre eles a boa-fé e o pacta sunt servanda.

Por isso, a pretendemos analisar aqui as dificuldades que o Brasil terá nessa disputa com os EUA contra a sobretarifa exigida pelo presidente Trump.

O primeiro obstáculo que teremos que enfrentar é o tempo. Assim como no Poder Judiciário, a solução de disputas perante a OMC envolve procedimento que leva tempo a ser concluído. A DS4 sobre a gasolina levou 2 anos e sete meses até sua conclusão final[3].

As disputas na OMC são solucionadas no Dispute Settlement Body – DSB, que é composto por representantes de todos os membros da OMC e as decisões são deliberadas por consenso.

Inicia-se por uma consulta pela qual um Estado solicita ao outro informações sobre suas leis internas e pratica comerciais e requer modificações em conformidade com os tratados da OMC. O Estado requerido tem prazo de dez dias para responder e, não solucionada a controvérsia, a consulta torna-se uma disputa que será resolvida por painéis.

Os painéis  são compostos por três membros escolhidos de comum acordo entre as partes. Os países envolvidos apresentam suas razões em petições escritas e defesa oral e participam das audiências. O painel deve apresentar seu relatório com conclusões no prazo de seis meses (em tese), no entanto, esse prazo costuma ser estendido por aproximadamente doze meses.

Os Estados podem apelar da decisão do painel ao Órgão de Apelação, composto por sete membros permanentes, com mandato de quatro anos. A apelação é apreciada por três dos membros do Órgão de Apelação.  A decisão do Órgão de Apelação deve ser adotada pelo DBS, salvo se esse deliberar, por unanimidade, pela não adoção do relatório.

Se o DBS concluir que há incompatibilidade entre as leis internas de um membro da OMC e os acordos internacionais, o país será intimado para modificar pra adequá-las aos compromissos internacionalmente assumidos. Se necessário será conferido prazo razoável para implementação da decisão da OMC.

Compreendido o procedimento de resolução de disputas na OMC, chegamos ao segundo obstáculo, que  decorre de uma falha sistêmica do DBS. Desde 2017 o representante dos EUA se opôs à nomeação e membros ao Órgão de Apelação, sob a alegação de que a corte teria deixado de aplicar regras da OMC de modo consistente com os tratados. Então, desde dezembro de 2019 não há quórum para julgamentos no Órgão de Apelação. Atualmente, os mandatos dos julgadores do Órgão de Apelação expiraram e não há membros desde novembro de 2020. Por isso, mais de trinta apelações foram propostas no período e estão no limbo, sem perspectivas de julgamento.

Para lidar a ausência do Órgão de Apelação, 27 membros da OMC – o Brasil entre eles – firmaram um arranjo provisório plurilateral (Multi-party interim arbitration arrangement – MPIA[4]). Os países membros desse acordo podem apelar para uma câmara arbitral para revisão de decisões da OMC.

Todavia, os EUA não são membros do MPIA e, portanto, a disputa com o Brasil não poderá ser definida por esse método.

A ausência de membros ao Órgão de Apelação da OMC impediu o julgamento de recursos e comprometeu a eficácia das decisões em soluções de disputas comerciais.

É certo que a OMC exerce papel da maior relevância para o comércio internacional, ao conferir segurança e transparência nas relações comerciais. Dentre suas principais funções, estão justamente garantir o livre fluxo de mercadorias e serviços, solucionar disputas entre os membros e dar suporte aos países em desenvolvimento.

No entanto, o esvaziamento do sistema de solução de disputas e as sobretarifas impostas pelo presidente Trump parecem compor uma nova estratégia da política externa dos EUA que demonstra seu afastamento da OMC. A atitude ataca diretamente os pilares da OMC ao impedir o livre comercio e a resolução de controvérsias a ele relacionadas.

Sem a liderança americana, a OMC enfrentará o desafio de assegurar pelo cumprimento de seus tratados e reformular seu sistema de resolução de controvérsias, tornando-o novamente forte e eficaz.

Independentemente da eficácia da decisão da solução de disputa na OMC, é importante que o Brasil exponha seu caso ao painel dessa organização e busque apoio de outros países contra as ações arbitrárias do presidente Trump.

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Além disso, considerando que as commodities agrícolas exportadas pelo Brasil foram atingidas pela tarifa de 50%, é importante que o Brasil busque apoio de outras organizações internacionais, dentre elas do Cairns, cujo objetivo é um comércio justo de produtos agrícolas. O grupo Cairns é composto opor vinte países (Argentina, Australia, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai) que representam 30% do total de commodities agrícolas exportadas.

O Brasil precisa ser firme, obter aliados e manter uma estratégia consistente nos fóruns internacionais, em defesa tanto dos seus interesses internos, quanto da preservação da OMC como instituição e de sua relevância para o comércio internacional.

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tarifaco-de-trump-estado-da-arte-e-violacao-ao-gatt

[2] https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/politica-externa-comercial-e-economica/comercio-internacional/o-sistema-de-solucao-de-controversias-da-omc e https://www.gov.br/mre/pt-br/media/disputas-brasil-omc.pdf

[3] https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/disp3_e.htm

[4] https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/mc12_e/briefing_notes_e/bfwtoreform_e.htm

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