Bets: proibição é o caminho?

Na primeira década da República, em 1892, nascia o jogo do bicho — uma espécie de loteria popular, criada por um baronete como estratégia para financiar o zoológico do Rio de Janeiro. O jogo se espalhou rapidamente e, mesmo tendo sido proibido em 1941, jamais desapareceu.

Sobreviveu à repressão e floresceu na ilegalidade, tornando-se parte da cultura brasileira — criando vínculos inclusive com o regime militar, como demonstrado na obra Os porões da contravenção: jogo do bicho e ditadura militar – A história da aliança que profissionalizou o crime organizado.

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Esse episódio não foi exceção. Ao longo do século 20, o país alternou momentos de liberalização e proibição dos jogos de azar. Casas de bingo, máquinas caça-níqueis, corridas de cavalo — todas foram alvo de medidas moralistas que, em vez de eliminar o jogo, apenas o empurraram para os becos escuros da informalidade. A história é clara: onde há demanda, há oferta. A proibição por parte do Estado não altera a configuração da realidade social — apenas a torna mais opaca e perigosa.

Em nossos tempos, essa história ganha um novo capítulo com o avanço das apostas online, conhecidas como bets — no português contemporâneo. Legalizadas parcialmente em 2018, durante o governo Temer, as apostas esportivas foram vistas como uma forma rápida de arrecadar fundos para a segurança pública, custeando a criação de um novo ministério.

No entanto, a regulamentação prometida jamais se concretizou. O governo Bolsonaro, pressionado por grupos religiosos conservadores, optou por não agir — e, nesse vácuo, criou-se um ambiente fértil para o crescimento desenfreado de plataformas sediadas em paraísos fiscais, operando no Brasil com pouca ou nenhuma fiscalização.

Segundo o Banco Central, entre janeiro e agosto de 2023, cerca de 24 milhões de brasileiros gastaram, em média, R$ 20,8 bilhões por mês nas bets, considerando apenas pagamentos via Pix. Dos R$ 14,1 bilhões distribuídos mensalmente pelo Bolsa Família, cerca de R$ 3 bilhões foram parar diretamente em sites de apostas. Em 2022, o Brasil liderou o ranking global de apostas online, superando os Estados Unidos, e hoje é um dos países que mais tempo passam conectados à internet: 9 horas e 13 minutos por dia.

Essas plataformas dividem-se em dois grandes grupos: os jogos que simulam habilidade — como Aviator, Fortune Tiger e Balloon — e as apostas esportivas, centradas no futebol. Ambas operam dentro de uma lógica que mistura entretenimento e vício, e essa lógica é alimentada por uma indústria bilionária de publicidade.

A Rede Globo, por exemplo, faturou centenas de milhões em 2023 com contratos de casas de apostas. Celebridades e influenciadores como Felipe Neto, Neymar, Galvão Bueno e Luciano Huck emprestam suas imagens para promover os sites — normalizando um comportamento que precisa ser regulado, não criminalizado.

Em novembro de 2024, a CPI das Bets  foi instalada com o objetivo de investigar os efeitos do jogo online sobre as famílias brasileiras e possíveis conexões com o crime organizado. Após sete meses de trabalho, o relatório final foi rejeitado — evidência clara do poder político que essas empresas já exercem nos bastidores. Ainda assim, entre janeiro e junho de 2025, a Receita Federal arrecadou R$ 3,8 bilhões em tributos das bets, com estimativa de até R$ 12 bilhões até o fim do ano.

É nesse cenário que alguns agentes públicos voltam a propor a proibição completa das bets. Mas aqui é necessário cautela. A proibição já se demonstrou um erro — tanto moral quanto estratégico. O caminho não é o da repressão, mas o da regulamentação séria e da orientação clara à população. Um sistema que exija transparência fiscal, proteja menores e dependentes, e responsabilize influenciadores que promovam o jogo de forma inconsequente.

As bets não são, em si, o problema. O verdadeiro desafio está na ausência de uma resposta institucional adequada. É preciso que os agentes públicos compreendam que a proibição não resolve a questão — apenas a camufla. A adoção de uma postura paternalista por parte do Estado, assumindo-se como guardião da “postura correta”, resulta não na solução, mas na criação de novos e mais complexos problemas.

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