Em tempos de ameaça à democracia e de retração do diálogo internacional, o Brasil sediou, em julho, a maior conferência global de Direito Público. Mais de mil pesquisadoras e pesquisadores de cerca de 60 países ocuparam os auditórios da Universidade de Brasília e o Museu da República para debater justiça climática, erosão democrática, teoria decolonial e direitos fundamentais.
Organizar a conferência global da ICON-S em Brasília foi uma aposta — e, para nós, também um recado. Foi emocionante ver tantas vozes diversas reunidas, conectando experiências locais a desafios globais. Mais do que uma troca acadêmica, a conferência se tornou um espaço de escuta, colaboração e afirmação de um constitucionalismo plural, comprometido com a democracia — dentro e fora da universidade.
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A ICON-S Brasília foi sediada na UnB, abrigando lá os vários painéis paralelos e uma das plenárias. Outra plenária, assim como a recepção, teve lugar no Museu da República, adicionando-se ainda mais simbolismo ao evento. O planejamento e formação da equipe de trabalho, contudo, dependeu de atuação de pesquisadores tanto do Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB quanto da UFMG, programas nota 7 na avaliação Capes.
A Sociedade Internacional de Direito Público (ICON-S) foi inaugurada em Florença, na Itália, em 2014, e é, hoje, a maior sociedade científica mundial no âmbito do Direito Público. Seus membros incluem acadêmicos de todas as áreas do Direito, além de outras ciências humanas e sociais, e em todos os níveis acadêmicos, desde estudantes até professores sêniores. Ela está diretamente conectada ao International Journal of Constitutional Law (ICON), uma das revistas de Direito Constitucional de maior impacto da atualidade, e ao International Journal of Constitutional Law Blog (I-CONnect), blog acadêmico de forte alcance, ambos publicados pela Oxford University Press.
A ICON-S Global é liderada por dois copresidentes, o secretariado e um comitê executivo, além de órgão de governança como o conselho, eleito a cada três anos. O equilíbrio de gênero e a diversidade geográfica são cruciais para a ICON-S e observados nos processos eleitorais. Um de seus propósitos fundamentais é criar oportunidades para os membros do ICON-S construírem e aprofundarem relacionamentos, envolverem-se em colaborações acadêmicas frutíferas e multiplicarem interações e conexões para além das fronteiras disciplinares.
Além da ICON-S Global, há Seções da ICON-S (ICON-S Chapters) em diferentes países ou grupos de países: Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, França, Geórgia, Alemanha, Israel, Itália, Malta, México, Nigéria, Portugal, Singapura e Espanha, Austrália e Nova Zelândia, Bélgica e Luxemburgo, Grã-Bretanha e Irlanda, e Europa Central e Oriental. A Seção Brasileira da ICON-S existe desde 2019 e seu conselho é composto por renomados professores de importantes instituições acadêmicas: USP, UFMG, UnB, UERJ, UFPR, UFBA, PUC-PR, Insper, FGV Rio de Janeiro e São Paulo, e Mackenzie.
A ideia de trazer a conferência da ICON-S para o Brasil surgiu de conversas durante sua edição de 2023, em Wellington, na Nova Zelândia. A proposta foi, então, debatida com os membros da Seção Brasileira. Pensamos nas cidades que tivessem instituições com participação ativa na sociedade, espaço funcional e uma equipe de trabalho de lidasse com eventos de grande porte.
Brasília apareceu como o local mais viável, tanto porque Brasília é a capital brasileira e respira Direito Público, como também porque a UnB, além de sua história de resistência democrática, apresenta um dos campi mais bonitos e de melhor infraestrutura entre as universidades públicas brasileiras. Além do mais, havíamos acabado de sair do 8 de janeiro e fazer o evento em uma cidade “constitucional”, ou seja, na sede dos três poderes, seria um atrativo para os participantes. A escolha mostrou-se muito acertada.
Todos trabalharam arduamente para levantar fundos, preparar a universidade, definir logísticas, criar atrativos para além do evento, enfim, assumir uma enormidade de tarefas. Conseguimos um aporte financeiro de fôlego, o maior que já angariado (para além do apoio da associação). Por se tratar de um evento internacional de grande porte, era central contar com essa base.
Nesse ponto, além das agências de fomento tradicionais, contamos com apoio de bancos e outras instituições, brasileiras e estrangeiras. Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Capes, CNPQ, Northwestern Pritzker School of Law e Fundação Konrad Adenauer cumpriram com um apoio fundamental. Contamos também com o patrocínio do BNDES, do Comitê Gestor da Internet (CGI), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC), da Itaipu Binacional, da OAB Nacional, do Banco do Brasil, do Governo Federal, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), da OAB Alagoas, da Editora Brill Nijhoff, da Escola Superior da AGU, da Law Schools Global League, da NYU School of Law, do German Law Journal, do Escritório Mattos Filho, do Café Paranoá, do Department of Legal Studies da Central European University, do Centro Jean Monnet, do Insper, do Global Center for Democratic Constitutionalism da University College of London, da Cambridge University Press, do Deutsche Forschungsgemeinschaft, Barroso, Fontelles, Barcelos e Mendonça Advogados, Hart Publishing e Max Planck Law. Pudemos também contar com a cobertura fundamental do JOTA para o evento.
Mais de 40 painéis paralelos, duas plenárias, três prédios da UnB sendo ocupados, uma grande recepção no Museu da República. Foram três dias de conferência com alguns dos melhores pesquisadores do Direito e de outros ramos do conhecimento do mundo. Foram 1.100 pesquisadores inscritos.
Universidades e instituições de ensino como Oxford University, New York University, University College of London, Central European University, Columbia Law School, European University Institute, UNAM, University of Münster, Max Planck, Yale Law School, Externado, UFMG, UnB, USP, UFPR, PUC Chile, Melbourne University, University of New South Wales, entre muitas outras instituições de peso, estavam entre aquelas que tinham participantes comparecendo.
Eventos de grande porte não são algo inédito no Brasil. O que a ICON-S trouxe de peculiar foi uma realização em rede de um evento com pesquisadores dos mais diversos níveis. O estímulo ao diálogo e a ausência de hierarquias são características marcantes da associação. Os brasileiros, contudo, trouxeram um tom especial. Ao longo de três dias, vimos o que pode acontecer quando experiências locais encontram interlocução global, e quando o direito público se abre ao diálogo com o mundo, sem hierarquias e sem fronteiras.