O melhor jogador de bocha do clube, ou o melhor pastel que eu já comi. O melhor bairro para se viver e a melhor escola para se estudar. O adjetivo “melhor” é amplamente utilizado em contextos sociais e, geralmente, não causa controvérsias. No entanto, essa mesma flexibilidade parece não se aplicar à publicidade — pelo menos não para o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
A recente decisão da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP no julgamento da Apelação Cível 1083308-68.2024.8.26.0100 reafirma o papel relevante do Conar no controle deontológico da publicidade e os limites do Poder Judiciário na revisão de decisões daquele órgão em matéria de publicidade, especialmente em um cenário marcado pela crescente importância da proteção de dados, da segurança cibernética e da propriedade intelectual.
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A decisão trata do uso do superlativo “melhor” no claim publicitário “O Melhor Restaurante do Brasil”, utilizado pela rede de restaurantes Coco Bambu. Segundo a empresa, a afirmação era respaldada por prêmios e avaliações, como o Traveller’s Choice Award, o TripAdvisor e o NPS Award 2022. O Conar, em duas representações éticas, entendeu que a alegação não possuía comprovação objetiva suficiente para justificar a superioridade nacional, caracterizando-a como publicidade enganosa.
Inconformado, o Coco Bambu levou a questão ao Judiciário. Em primeira instância, a sentença acolheu a tese de que se tratava de mero “puffing” — técnica publicitária que envolve alegações evidentemente exageradas — e determinou a suspensão das recomendações do Conar. Contudo, o TJSP reformou essa decisão, reconhecendo a legalidade da atuação do órgão de autorregulamentação, validando o mérito da decisão e, por conseguinte, julgando improcedentes os pedidos da empresa.
O acórdão reafirma a legitimidade da atuação do Conar como instância técnica especializada na regulação e controle da publicidade ética, destacando que, embora o Conar não detenha poder coercitivo estatal, suas deliberações podem ser objeto de controle jurisdicional quando houver alegação de ilegalidade ou abuso.
O TJSP também fundamentou sua decisão em precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1759745-SP, envolvendo a disputa entre Heinz e Hellmann’s. Na ocasião, o STJ reconheceu a possibilidade de uso de “puffing” em claims como “Heinz: melhor em tudo o que faz” e “Heinz: o ketchup mais consumido no mundo”.
No entanto, o TJSP entendeu que, no caso do Coco Bambu, não foram apresentadas evidências suficientes para sustentar a alegação de que seria “O Melhor Restaurante do Brasil”. O tribunal destacou que expressões como “o melhor” exigem comprovação objetiva quando inseridas em contextos comparativos.
A decisão do TJSP também levantou questões relevantes sobre a análise das fontes utilizadas pelo Coco Bambu para sustentar sua alegação. Para o TJSP, prêmios como o Traveller’s Choice Award, avaliações no TripAdvisor e o NPS Award 2022 não seriam suficientes para comprovar a superioridade da rede. Ressaltou-se, por exemplo, que o selo do TripAdvisor é concedido apenas a algumas unidades específicas, não podendo ser utilizado como base para qualificar toda a rede como “a melhor”.
Esse diálogo entre autorregulação e jurisdição estatal não é novo. Se a jurisdição é indeclinável – princípio basilar do Estado democrático de Direito, positivado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal — o Conar representa um tradicional e respeitado foro técnico e mecanismo de resolução de conflitos no campo da publicidade. Prova disso é que, ao longo de seus 46 anos de atuação, em pouco mais de uma dúzia de ações judiciais questionando suas recomendações, o Conar nunca foi vencido, tendo êxito em todos os litígios.
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O caso Coco Bambu vs. Conar ilustra como a publicidade, longe de ser mero exercício criativo, está inserida em um ecossistema regulatório complexo, que envolve direitos do consumidor, proteção de dados, segurança da informação e propriedade intelectual. A atuação do CONAR, respaldada pelo Judiciário, estabelece a necessidade de que claims publicitários sejam sustentados por evidências concretas, especialmente quando envolvem alegações de superioridade.
Em tempos de hiperexposição digital, a responsabilidade na comunicação comercial é um imperativo ético e jurídico. E o diálogo entre autorregulação e jurisdição estatal é um instrumento essencial para garantir que essa responsabilidade seja efetivamente cumprida.