A América Latina está passando por um período de intensas transformações econômicas, impulsionado por mudanças geopolíticas e comerciais globais. A guerra comercial travada pelos Estados Unidos desde as tarifas anunciadas em abril deste ano – ou até mesmo antes, durante o primeiro governo de Donald Trump, e com as ameaças em relação à China – já vinha levando as empresas e organizações mundiais a fazerem uma reavaliação das cadeias de fornecimento globais e a um movimento de busca por novos mercados.
Além disso, as sanções econômicas e as políticas protecionistas forçaram empresas a reconsiderarem suas estratégias de produção e importação. Mais recentemente, no último dia 9 de julho, o Brasil foi surpreendido com medidas comerciais ainda mais extremas impostas na exportação de produtos brasileiros aos EUA, que é um importante parceiro comercial do país.
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Neste cenário, é impossível que as operações de M&A (fusões e aquisições) não sejam afetadas, porém, fica a dúvida: quais estão sendo e quais serão os novos impactos nas transações e deals?
Considerando as recentes mudanças em razão da guerra comercial, é possível prever um cenário mais favorável para reorganizações globais. As medidas da administração Trump, que apontam não apenas para a tributação de produtos, mas também de países, indicam uma possível intensificação de um movimento de realocação de investimentos. Isso significa que jurisdições com maior tributação estão perdendo atratividade em detrimento daquelas com menor tributação.
Adicionalmente, a situação pode provocar reações dos governos dos países afetados, resultando na criação de novas regulamentações. Esse efeito já pode ser visto no Brasil, por exemplo, com a recente aprovação do pacote de reciprocidade pelo Congresso, em resposta ao protecionismo americano. Nos Estados Unidos, essas novas regras também exigirão respostas rápidas para adaptação da economia interna.
Outro aspecto a ser considerado é o potencial impacto na avaliação de ativos. A maior tributação de produtos ou países pode afetar a geração de fluxo de caixa das empresas, resultando em mudanças na precificação dos seus ativos, cenário que costuma abrir caminho para M&As de ativos e empresas em dificuldades.
Com as alterações na avaliação de ativos, surge a possibilidade de consequências nas transações em andamento. Contratos vinculativos geralmente fornecem opções de saída para as partes entre a assinatura e o fechamento do negócio, como as famosas de efeito material adverso “cláusulas Mac” ou “Mac Clauses”, no jargão do setor. Diante das incertezas trazidas pelo novo cenário global, este pode ser um momento oportuno para utilizar essas opções de saída, o que pode abrir espaço para renegociações de preços.
Outro ponto importante é que, até o momento, não é possível definir com precisão quais serão os impactos reais desse novo rearranjo das cadeias de produção, o que pode resultar em maior indecisão por parte dos investidores. Consequentemente, cláusulas do tipo “earn-out” mais robustas e prazos mais longos para concluir os negócios podem se tornar cada vez mais comuns.
Essa extensão nos prazos pode estar diretamente ligada a uma due diligence mais detalhada, com escopos mais amplos, refletindo uma maior necessidade de análise e segurança nas transações. O momento faz com que as empresas e profissionais envolvidos em operações de M&A redobrem os cuidados e reavaliem se as transações continuam fazendo sentido, se ainda trazem vantagens em meio a mudanças nas relações comerciais e os impactos que elas podem trazer para as economias de vários países.
Em resumo, o mercado de fusões e aquisições deve se preparar para ver prazos mais longos para a conclusão de operações, due diligences mais detalhadas e mais rigorosas, maior aversão ao risco, reorganizações globais, mudanças na avaliação de ativos, maior aplicação e uso de cláusulas de earn-out e Mac, além de novas regulamentações. Todos esses elementos estão interligados e devem ser considerados de forma integrada para uma visão completa do futuro deste mercado.
O setor de M&A está em uma fase de transformação contínua e deve seguir se adaptando, impulsionado por fatores globais e regionais. No Brasil, além do impacto das tarifas, vale lembrar que há o desafio de se adaptar à reforma tributária que está em tramitação no Congresso e que também deve impactar o ambiente de negócios e transações.
Segundo dados de pesquisa realizada pela Aon, multinacional de serviços profissionais, em parceria com a TTR Data e a Datasite, o mercado brasileiro de fusões e aquisições foi o mais movimentado da América Latina no primeiro semestre deste ano.
O Brasil registrou 827 transações entre janeiro e junho, mobilizando cerca de US$ 25,6 bilhões. O número de operações cresceu 1% em relação ao mesmo período do ano anterior, já o volume financeiro foi 12% superior na mesma comparação. A avaliação da Aon é que a leve recuperação nos números reforça a atratividade do Brasil mesmo em um cenário desafiador.
Com seu grande mercado e parcerias estratégicas, o Brasil está bem posicionado para aproveitar as oportunidades que surgirem. No entanto, a adaptação rápida às mudanças legislativas e econômicas será crucial para o sucesso das transações.
Investidores devem estar preparados para lidar com um ambiente de incertezas, onde a criatividade e a capacidade de adaptação serão fundamentais. Uma nova ordem econômica global está em vigor e redefinindo o cenário de transações no Brasil e no mundo, e aqueles que se adaptarem rapidamente e souberem identificar as oportunidades emergentes estarão em uma posição vantajosa para prosperar neste novo cenário.