2024: o ano em que a floresta queimou mais que o pasto

A floresta amazônica não precisa do fogo para existir. É um bioma que evolui sem a presença do fogo como fator ecológico natural. Diferentemente de savanas e campos, cuja vegetação pode ter adaptações ao fogo, a floresta amazônica possui uma estrutura e dinâmica que não são preparadas para lidar com os incêndios. Suas árvores têm cascas finas, e a densa umidade do solo e do ar contribui para um ciclo ecológico que naturalmente exclui o fogo.

Portanto, o fogo na região é um elemento quase que exclusivamente antropogênico, resultante de ações humanas como desmatamento, expansão agropecuária e como ferramenta de manejo. Os incêndios florestais, nesse contexto, não apenas destroem a vegetação original, como também comprometem profundamente a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e a resiliência climática da região.

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Os novos dados da Coleção 4 do MapBiomas Fogo – coordenada por pesquisadores do IPAM –, que cobrem o período de 1985 a 2024, trazem informações críticas sobre a dinâmica das cicatrizes de fogo no Brasil, com destaque para a Amazônia.

Essa coleção apresenta o mapeamento anual de áreas queimadas, permitindo uma análise mais precisa dos padrões temporais e espaciais do fogo no país. A plataforma é pública, acessível online e fornece uma base científica robusta para políticas de prevenção, fiscalização e restauração ambiental.

Em 2024, a Amazônia registrou 15,6 milhões de hectares queimados entre áreas agropecuárias e vegetação nativa, a maior extensão de área atingida pelo fogo nos últimos 40 anos, superando até mesmo os anos de pico do desmatamento nas décadas de 1990 e 2000. Esse recorde está diretamente ligado a eventos climáticos extremos, como o El Niño de 2023, que alterou o regime de chuvas na região e contribuiu para uma seca severa ao longo de 2024.

A combinação de altas temperaturas, baixa umidade do ar e escassez de chuvas criou condições propícias para a propagação do fogo iniciado pela ação humana. A floresta, já pressionada por anos de degradação, tornou-se ainda mais suscetível à propagação de grandes incêndios.

Pela primeira vez na série histórica do MapBiomas Fogo, a classe de cobertura e uso da terra mais impactada pelo fogo no bioma Amazônia foi a floresta. Dos 15,6 milhões de hectares queimados, 6,7 milhões (43,1%) ocorreram em áreas de floresta, superando os 5,2 milhões de hectares (33,7%) registrados em pastagens, que, tradicionalmente, lideram em área queimada devido ao uso recorrente do fogo no manejo do gado.

Essa inversão representa uma mudança preocupante pois, ao contrário das pastagens, a floresta não se regenera facilmente após o fogo. Cada vez que queima, perde umidade, acumula material combustível (como folhas e galhos secos), e seu dossel se abre, permitindo maior entrada de luz solar e vento.

Esse processo cria um ciclo de degradação progressiva. A floresta densa se torna um ambiente mais seco, mais aberto e mais inflamável, favorecendo reincidências de fogo. Em 2024, com as condições climáticas extremas e o uso indevido do fogo em áreas agrícolas, as chamas escaparam do controle em várias regiões, invadindo áreas de floresta e provocando incêndios de grandes proporções. Em muitos casos, os danos foram irreversíveis.

Para 2025, o cenário de gestão do fogo na Amazônia demanda atenção redobrada. Os 6,7 milhões de hectares de florestas que queimaram em 2024 não terão tempo hábil para se regenerar e continuarão altamente vulneráveis. Áreas recentemente atingidas pelo fogo acumulam material combustível, perdem umidade e tornam-se mais suscetíveis a novos incêndios, funcionando como pavio para a próxima temporada seca. Se o padrão de queimadas associadas ao manejo inadequado persistir, há um risco real desse pavio acender e repetir a destruição registrada no ano anterior.

Além disso, entre agosto e novembro ocorre, historicamente, cerca de 75% da área queimada no ano na Amazônia, marcando o período mais crítico do calendário do fogo no bioma. A combinação entre a estação seca, áreas degradadas, manejo inadequado e vegetação enfraquecida eleva o risco de incêndios florestais a níveis extremos. O início desse período, portanto, exige alerta máximo das autoridades ambientais, dos produtores rurais e da sociedade como um todo.

Diante desse panorama, 2025 será um ano decisivo para o futuro da floresta. A prevenção aos incêndios precisa ser tratada como prioridade, com ações de monitoramento contínuo, fortalecimento da fiscalização e investimentos em alternativas sustentáveis ao uso do fogo. Ao mesmo tempo, é fundamental combater o desmatamento, recuperar áreas degradadas e proteger as florestas remanescentes para evitar que o ciclo de destruição se torne irreversível.

É fundamental entender que a responsabilidade por evitar os incêndios não recai apenas sobre o governo. É essencial que o uso do fogo, quando necessário, seja feito de forma responsável. Em condições climáticas extremas, nenhum contingente de bombeiros, exército, Ibama, ICMBio ou brigadas será suficiente para controlar e combater o fogo. Por isso, a conscientização e a mudança de hábitos de cada um de nós são cruciais para reverter esse cenário e proteger a Amazônia.

O alerta está dado: o combate aos incêndios deve ser antecipado, coordenado e sustentado. Proteger a Amazônia é mais do que preservar a biodiversidade, é garantir a estabilidade climática, a segurança hídrica e o equilíbrio ambiental para o Brasil e para o planeta. O que for feito (ou deixado de fazer) em 2025 poderá marcar para sempre o rumo da maior floresta tropical do mundo.

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