Tarifaço dos EUA: impactos já são sentidos em setores não beneficiados por exceções

A taxa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os EUA imposta pelo presidente Donald Trump entra em vigor e começa a ser cobrada nesta quarta-feira (6/8), embora os setores brasileiros sobretaxados já sentissem os impactos da medida mesmo antes disso. 

O decreto de Trump traz uma lista de cerca de 700 exceções, 565 delas relativas a produtos destinados ao uso da aviação civil, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Outros incluem fertilizantes e insumos industriais como máquinas, produtos químicos e minerais. 

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Isso significa que grande parte dos produtos exportados para os EUA está sendo sobretaxada — cerca de 35,9% do total, de acordo com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

Alimentos como café, frutas, carnes e pescados foram notoriamente afetados. Somente suco de laranja, polpa de laranja e castanhas e nozes escaparam da cobrança. Bens de consumo com maior valor agregado, como têxteis, sapatos e móveis de madeira, também ficaram de fora da lista de exceções. 

A fábrica de móveis Serraltense, em São Bento do Sul (SC), que exportou 80% de sua produção para os EUA em 2024, teve uma queda nas vendas neste ano antes mesmo da tarifa começar a ser cobrada. A incerteza sobre a situação fez com que a média mensal de 10 a 12 contêineres enviados para os EUA caísse para dois ou três no primeiro semestre. 

A Temasa, uma das maiores exportadoras de móveis de madeira maciça do Brasil, que atende grandes redes nos EUA, está lidando com incertezas sobre seus contratos e recebeu diversos pedidos de adiamento dos envios. O setor ainda tem esperança de que um acordo bilateral inclua móveis de madeira nas exceções ou ao menos reduza a porcentagem do tributo. 

“Nosso grande receio é perder os clientes, porque nossa produção é feita em grandes plantas, com uma engenharia adaptada para produtos feitos sob medida para clientes específicos que conquistamos após muitos e muitos anos de trabalho, e depois de conseguir diversas certificações”, afirma Leonir Tesser, diretor-geral da Temasa, que é sediada em Caçador (SC) e exporta 100% de sua produção, 45% para os EUA. “Encaminhar essa produção para outros mercados é algo que demoraria anos. Podemos ter uma queda de quase metade das vendas”.

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De acordo com Cândida Cervieri, diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), as indústrias do setor estão sofrendo cancelamentos, suspensão de embarques e paralisações produtivas. Muitas estão dando férias coletivas para os funcionários para evitar demissões, mas elas serão inevitáveis se não houver um acordo que beneficie o ramo, afirma a entidade. 

“Não tem como sustentar um parque fabril por muito tempo sem o mercado americano. Não existe demanda no mercado interno para absorver essa produção. Entrar em outros mercados levaria anos”, afirma Cervieri. “Toda a cadeia produtiva está em risco”, diz ela, que calcula uma possível perda de 9 mil postos de trabalho. 

Tesser, da Temasa, diz que não esperava que o Brasil fosse ser tão atingido pelo tarifaço de Trump depois da inclusão do país na alíquota de 10%, em abril. “Temos uma ótima relação com o mercado americano, eles também estão muito descontentes”, afirma o empresário. “A alíquota de 50% foi uma surpresa. Isso inviabiliza acomodações. Com 10% até poderíamos tentar absorver a taxa, diminuindo o lucro, mas isso é impossível com uma taxa de 50%. Ninguém tem essa margem.”

Incertezas

O setor cafeeiro também foi surpreendido — havia alta expectativa de que o produto fosse incluído na lista de exceções ou beneficiado por um acordo. “Nós esperávamos que o café fosse um dos primeiros da lista de exceções”, afirma Celírio Inácio, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). “Sabemos que o café não é produzido em escala comercial nos EUA e historicamente o Brasil é o principal parceiro. Não faz sentido econômico  nem comercial penalizar o produtor que é essencial para o mercado americano.”

O café é um dos dez produtos brasileiros mais vendidos para os EUA, que, por sua vez, é o país que mais importa café do Brasil. Em 2024, as exportações brasileiras para os americanos somaram quase US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões), segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 

Analistas de mercado têm mantido a avaliação de que o café pode ser incluído em eventual acordo para diminuir a taxa, porque os americanos não têm como substituir o Brasil como fornecedor. Entidades do segmento nos EUA tentam incluir o produto na discussão em andamento sobre não taxar recursos naturais indisponíveis no país, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

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Mas há uma grande preocupação no setor.

“A insegurança afeta os exportadores e dificulta o planejamento dos produtores”, afirma Vinicius Estrela, diretor-executivo da Brazil Specialty Coffee Association (BSCA). Segundo ele, já há contratos cancelados e outros sendo renegociados.

A exportação de café verde, que compõe a maior parte das vendas para o país, deve ser a mais afetada. Mas Estrela afirma que a sobretaxa é um golpe também para o segmento do café torrado e para os cafés especiais brasileiros, que vinham abrindo caminho no mercado americano. 

“Estamos trabalhando muito para qualificar as exportações”, afirma Estrela, que conta que a BSCA havia acabado de participar de uma ação nos EUA que rendeu US$ 14,6 milhões em negócios. 

Ele cita outros marcos, como a abertura de um escritório da cooperativa Expocacer, que reúne 700 produtores de Patrocínio (MG), no Estado americano de Delaware em 2024. 

“Esse cenário será bastante prejudicado”, diz ele. “Sabemos que os EUA não conseguem operar sem o café brasileiro. Mas qual o percentual que o varejo, o importador e os industriais vão aceitar?” 

Segundo Estrela, a pressão sobre a cadeia brasileira para a redução de custos pode levar a uma queda na qualidade do produto que, aliada com a alta de preços para o consumidor americano, pode até afetar a cultura de consumo do produto no longo prazo. 

Frutas e carnes

Para o setor de frutas, como manga, uva e açaí, o impacto é ainda mais dramático. Diferentemente dos produtores de café, que podem segurar a safra embora com perda de qualidade de um ano para o outro, produtores de manga correm o risco de não conseguirem sequer fazer a colheita sob o risco de terem prejuízo, segundo a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). A entidade diz que um volume significativo de frutas será perdido. 

No segmento de carnes, o país pode perder US$ 1 bilhão (hoje equivalente a R$ 5,4 bilhões) em exportação para os EUA se não houver mudança na tarifa, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

Na terça (5/8), véspera do início da cobrança, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que ainda existe expectativa de que o aumento dos preços do café, de carne e frutas  para o consumidor americano leve o governo Trump a reconsiderar. 

“Na hora que eles olharem os números inflacionários desses produtos e fizerem uma pesquisa de opinião pública, eles vão reposicionar esses produtos no mercado”, disse Tebet após um evento no Planalto. Ela afirmou que o governo está tocando um pacote para mitigar os efeitos do tarifaço, mas até agora nenhum detalhe foi divulgado. 

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