E quando a moderação falha? A infância e conteúdos extremistas online

A profundidade que torna complexo o ambiente digital também contribui para que esse espaço seja de fácil utilização por quem pretende difundir materiais com conteúdo extremista — claramente atentatórios aos direitos fundamentais. Essa amplitude leva a um desconhecimento que deixa, principalmente, as plataformas perigosas para quem acessa. Tal realidade é ainda pior para crianças e adolescentes, devido a sua condição peculiar de desenvolvimento.

Na União Europeia, a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital tem sido reforçada por legislações específicas, como a Digital Services Act (DSA) que estabelece regras claras para garantir a segurança e privacidade dos menores online[1].

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Um dos principais pontos da DSA é a exigência de consentimento parental para o tratamento de dados pessoais de crianças menores de 16 anos, embora os países membros possam reduzir esse limite até 13 anos, nunca abaixo disso. Para assegurar essa proteção, as plataformas digitais devem implementar mecanismos eficazes de verificação de idade e controle parental, protegendo os jovens de conteúdos inadequados e garantindo que o consentimento seja realmente fornecido pelos responsáveis legais.

Além disso, a legislação proíbe a publicidade direcionada a menores baseada em dados pessoais, assim como o uso de informações sensíveis, como orientação sexual ou crenças religiosas, para segmentação de anúncios. Essa medida visa reduzir a exposição dos jovens a conteúdos comerciais e sensíveis que possam ser prejudiciais ao seu desenvolvimento.

No que diz respeito ao conteúdo, as plataformas têm a obrigação de agir rapidamente para remover materiais ilegais ou nocivos, como abuso, assédio e exploração, que possam afetar crianças e adolescentes. A DSA também prevê mecanismos que permitem aos menores sinalizar abusos e receber o suporte necessário. Para garantir transparência e justiça, as plataformas devem informar claramente os usuários sobre as razões de moderação de conteúdo ou suspensão de contas, oferecendo meios para contestação dessas decisões.

Paralelamente à DSA, a Comissão Europeia adotou uma estratégia específica para promover experiências digitais seguras para crianças, incluindo a criação de um código de conduta para conteúdos adequados à idade e a padronização da verificação de idade online até 2024, com o uso da carteira europeia de identidade digital.

Diversos países membros da União Europeia adotam medidas adicionais para proteger os menores. A França, por exemplo, exige consentimento dos pais para menores de 15 anos criarem contas em redes sociais e debate punições severas para violações da dignidade dos filhos na internet. A Alemanha permite o uso de redes sociais para menores entre 13 e 16 anos somente com consentimento parental.

A Bélgica estabelece 13 anos como idade mínima para criação de contas sem autorização dos pais, enquanto a Itália exige consentimento para menores de 14 anos. A Holanda, embora não tenha legislação específica sobre idade mínima para redes sociais, proibiu o uso de dispositivos móveis em salas de aula para reduzir distrações. Já o Reino Unido aprovou a Lei de Segurança Online, que impõe restrições de idade para proteger os menores.

O campo jurídico brasileiro atinente a esse grupo vulnerabilizado é regido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1999, considerado um documento exemplar no panorama mundial. Exigindo que a defesa da infância e da juventude seja uma prioridade absoluta, esse marco legal enfrenta problemáticas por estar diante de um momento diferente do qual foi criado. A necessidade de segurança digital[2] exige determinadas peculiaridades.

Juíza que tem se dedicado a promover a defesa de crianças e adolescentes na internet, Vanessa Cavalieri realizou uma feliz comparação para elucidar essa nova conjuntura: esses sujeitos estariam como se fossem “uma praça pública escura e cheia de estranhos”[3].

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As plataformas digitais, especialmente as redes sociais, são os espaços públicos de sociabilidade na contemporaneidade. Nestes locais, entretanto, as crianças e os adolescentes, cada vez mais cedo, têm acessado conteúdos inadequados para a faixa etária. O ponto abordado aqui está em identificar que criminosos com intuito de difundir ódio enxergam nesse grupo a facilidade para propagarem misoginia, racismo, homofobia, entre outros conteúdos discriminatórios.

A reprodução de estigmas sociais culmina em um ganho de visibilidade ampliado por algoritmos. A ressonância da cultura digital de ódio tem, inclusive, custado vidas, não se restringindo ao ataque por meio da linguagem. Desafios provocam crianças e adolescentes para cometer atos como o de queimar pessoas em situação de rua[4] ou de se automutilarem[5].

Apesar das plataformas apresentarem tentativas de autorregulação, esta moderação tem falhado. Recentemente, inclusive, tem sido observado um retrocesso nessas políticas, principalmente com a inclinação das Big Techs ao governo de Donald Trump. Em razão disso, aflorou o debate sobre a regulamentação desse espaço, culminando no julgamento do Supremo Tribunal Federal que considerou parcialmente inconstitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet.

Vale ressaltar que as principais plataformas digitais possuem uma liberação de criação de contas para pessoas com mais de 14 anos, em alguns casos, como o Discord a permissão se dá a partir de 13 anos. Anos atrás, antes da internet se tornar uma infraestrutura algorítmica, era necessário ter 18 anos para possuir contas em redes sociais.

Por outro lado, ao criar uma conta no TikTok indicando que possui idade inferior a 13 anos, eles apenas sinalizam que é necessário informar aos pais e dão continuidade ao cadastro na plataforma. Ademais, as redes sociais possuem uma classificação indicativa de uso, sendo o TikTok para maiores de 14 anos, o Facebook e o Instagram para maiores de 16 anos e o X (antigo Twitter) para maiores de 18 anos.

Observa-se que há uma insuficiente proteção das crianças e dos adolescentes nas plataformas digitais. O julgado proferido pelo STF é um novo capítulo que aprofunda os debates sobre políticas públicas e legislações perante a temática.

Uma outra expectativa reside no PL 2628/2022, que trata sobre a temática e, após ter avançado no Senado, está em tramitação na Câmara dos Deputados. Entre os avanços, está a necessidade de regulamentar a questão da publicidade infantil, vedando o apelo emocional destinado a esse público, e a sua amplitude perante jogos e redes sociais.

Com este cenário, fica evidente a necessidade de aperfeiçoar os instrumentos jurídicos existentes, principalmente promovendo e escutando reflexões em debates que abranjam diversos setores voltados a observar os impactos do espaço digital no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

[1] COMISSÃO EUROPEIA. Digital Services Act (DSA). Estratégia e prioridades 2019-2024: Europa preparada para a era digital. Bruxelas, 2024. Disponível em: https://commission-europa-eu.translate.goog/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/digital-services-act_en?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc. Acesso em: 8 jul. 2025.

[2] COSTA, Ana Paula Motta; SARLET, Gabrielle Bezerra Sales. A perspectiva da proteção de dados pessoais, em face dos direitos das crianças e dos adolescentes no sistema normativo brasileiro. In: SARLET, Ingo Wolfgang; RUARO, Regina Linden; LEAL, Augusto Antônio Fontanive (org.). Direito, Ambiente e Tecnologia: estudos em homenagem ao professor Carlos Alberto Molinaro. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2021. cap. 21, p. 489-511.

[3] O GLOBO. “A rede social é uma praça pública escura e cheia de estranhos”, diz juíza da maior vara de infância do país. Brasil, 24 out. 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/10/24/entrevista-a-rede-social-e-uma-praca-publica-escura-e-cheia-de-estranhos-diz-juiza-da-maior-vara-de-infancia-do-pais.ghtml. Acesso em: 9 jul. 2025.

[4] G1. Adolescente é detido após atirar artefatos incendiários em morador de rua na Zona Oeste do Rio e transmitir em rede social. Rio de Janeiro, 20 fev. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/02/20/adolescente-e-detido-apos-atirar-artefatos-incendiarios-em-morador-de-rua-na-zona-oeste-do-rio-e-transmitir-em-rede-social.ghtml. Acesso em: 9 jul. 2025.

[5] G1. Gravava elas se mutilando peladas: adolescente revela detalhes sobre atuação em grupo que pratica crimes no Discord. Profissão Repórter, 21 mai. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/profissao-reporter/noticia/2025/05/21/gravava-elas-se-mutilando-peladas-adolescente-revela-detalhes-sobre-atuacao-em-grupo-que-pratica-crimes-no-discord.ghtml. Acesso em: 9 jul. 2025.

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