Já faz tempo a discussão sobre a prisão ou não de Jair Bolsonaro deixou de ser, principalmente, um problema jurídico e passou a ser, também, um problema político. A decretação da prisão domiciliar do ex-presidente na última segunda-feira (4/8), mesmo entre penalistas de formação garantista, tem sido considerada legal. Afinal, estabelecidas as condições para o cumprimento de medidas penais restritivas, caso elas sejam descumpridas, o resultado inevitável será a prisão.
Mas há dois senões a serem feitos. Em primeiro lugar, há muitas críticas à proibição total de comunicação via redes sociais imposta ao ex-presidente e a muitos outros acusados. É importante deixar claro que não há discriminação neste caso: o ministro Alexandre de Moraes está tratando o ex-presidente como tem tratado qualquer pessoa em situação semelhante. No entanto, tal interpretação da lei tem sido criticada por diversos especialistas em direito penal e em direito constitucional.
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Ademais, tudo indica que a estratégia de Bolsonaro e de seu grupo político tem sido afrontar abertamente o STF e o Estado democrático de Direito em uma estratégia de ação que não exclui a ação direta, como se viu no episódio do 8 de janeiro de 2023. O objetivo dessas pessoas parece ser desgastar aos poucos a legitimidade de nossas instituições e substituí-las por outras. Trata-se de uma estratégia golpista ou revolucionária, a depender da interpretação.
Basta lembrar que, até o dia de hoje, Bolsonaro não reconheceu o resultado das eleições, segue espalhando desinformação sobre nosso sistema eleitoral e obstrui sistematicamente o bom andamento do processo no qual figura como réu. Há mais: o ex-presidente advoga, contra a Constituição de 1988, por uma democracia em que as maiorias prevaleçam sobre as minorias.
Ora, a Constituição prevê a regra da maioria como mera técnica para eleger o Poder Executivo e protege as minorias, por exemplo, ao prever eleições proporcionais para o Legislativo e ao abrir espaço para que o Judiciário atue como poder contramajoritário na defesa de direitos fundamentais.
A situação em que estamos nos coloca diante de um problema potencialmente insolúvel. Não há decisão jurídica, por mais incontroversa que seja, que irá contentar um grupo político que, ao que tudo indica, pretende romper com a política, ou seja, um grupo que ataca nossa ordem constitucional, inclusive mediante insurreições e planos para assassinar autoridades, como restou provado no processo. Insisto: para pessoas que perseguem esses objetivos, tudo pode funcionar como pretexto para atacar nossas instituições.
De outro lado, o Poder Judiciário não pode atuar de acordo com uma racionalidade estritamente política. Um juiz não pode medir suas decisões pelo metro da opinião pública ou pelo medo de desagradar esta ou aquela força política. Fazer isso comprometeria irremediavelmente a sua legitimidade.
Em resumo, não há como resolver juridicamente problemas políticos e não há como oferecer uma boa solução política para problemas jurídicos. Se contássemos, talvez, com juízes que se mantivessem bem longe dos holofotes e dos debates políticos cotidianos, seria mais difícil personalizar suas decisões e transformá-los em inimigos.
Em meu livro Como decidem as cortes?, critico o personalismo dos tribunais superiores brasileiros, crítica que também vale para a doutrina. Como já disse um colega, professor da PUC-SP, ser doutrinador no Brasil significa gritar mais alto, não necessariamente articular o melhor argumento.
Falando do Judiciário, o livro demonstra que, mesmo em decisões colegiadas cujo assunto não seja politicamente explosivo, o que vale é o placar. Não há incentivo institucional para construir uma argumentação coerente: cada juiz ou juíza pode votar como quiser, sem reagir aos argumentos do relator e aos argumentos dos colegas.
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É provável que a prisão de Jair Bolsonaro esteja revelando os limites do nosso modelo de tribunal e de nosso modo de operar o direito. Quando um juiz que não recusa os holofotes toma decisões politicamente controversas, forma-se uma tempestade perfeita. Nessa situação, é muito fácil personalizar as decisões e transformar ministros do STF em inimigos políticos.
No entanto, no caso da prisão de Bolsonaro, é muito provável que toda e qualquer decisão do STF seria utilizada para atacar nossa ordem constitucional. Afinal, não há como contentar juridicamente agentes políticos de vocação anticonstitucional. No limite, pode ser melhor explicitar todas as contradições e expor a natureza insurrecional de certos agentes políticos.
A despeito de opiniões em contrário, é provável que adotar uma estratégia diferente não faria nenhuma diferença. A urgência do momento é defender nossa Constituição de ataques injustos que buscaram, inclusive, apoio internacional.
É fundamental deixar o processo seguir seu curso. Aos inconformados, cabe utilizar os recursos previstos pela legislação brasileira para reformar as decisões que forem sendo tomadas.