Não é exagero afirmar que o Pix transformou o Brasil. Criado e operado pelo Banco Central desde 2020, o sistema incluiu mais de 71,5 milhões de brasileiros, tornando-se a maior política pública de inclusão financeira da nossa história. O acesso a meios de pagamentos eletrônicos foi democratizado, promovendo uma revolução silenciosa na vida de milhões de pessoas e de micro e pequenos negócios país a fora.
O Pix também aumentou a eficiência nos pagamentos e ampliou a concorrência no setor financeiro, com a redução das assimetrias na oferta do serviço. O impacto positivo é tão expressivo que o modelo virou referência internacional — e, paradoxalmente, alvo de pressões externas.
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Agora a ferramenta entrou na mira do governo dos EUA. A razão? Sua eficiência. O Pix é visto como uma ameaça direta à hegemonia das big techs no mercado de pagamentos digitais. Apple, Google, Meta e outras gigantes perderam espaço com a adoção do modelo brasileiro, que oferece velocidade, segurança e custo zero à população.
Seu potencial para impulsionar um modelo de pagamentos transfronteiriço com menos intermediários e sem a necessidade de conversão baseada no dólar também pode ser o motivo do incômodo. Não surpreende, portanto, que interesses estrangeiros tenham passado a monitorar e criticar sua estrutura. E aqui surge a pergunta inevitável: quem protege o Pix?
A resposta é uma só: o Banco Central. Foi essa instituição que criou, mantém, promove a evolução tecnológica para que o Pix esteja sempre atualizado e que tem a missão legal de protegê-lo. E para que essa missão possa ser cumprida adequadamente é necessário aprovar, com urgência, a PEC 65/2023 — proposta de emenda à Constituição que consolida a autonomia orçamentária, administrativa e financeira da autoridade monetária
Sem essa garantia institucional, o risco de descontinuidade do sistema como bem público aumenta. A precarização das condições internas do BC — com escassez de pessoal, orçamento travado e estrutura obsoleta — já impacta diretamente o desenvolvimento e aprimoramento da ferramenta. O Pix Automático, por exemplo, foi adiado em quase três anos. E outras funcionalidades previstas seguem tendo seu lançamento postergadas.
Além disso, a ampliação das funcionalidades do Pix trará ainda mais sobrecarga sobre o sistema. Em 2025, a média mensal de operações já supera a casa de 6 bilhões. Com o Pix Automático recém-lançado e outras inovações previstas, como o pagamento parcelado, esse número tem o potencial de pelo menos dobrar.
Do ponto de vista tecnológico, tais incrementos irão requerer maior investimento para suportar a capacidade de processamento, além de trazerem mais complexidade na fiscalização das regras e requisitos de segurança. Atualmente, apenas 32 servidores cuidam de toda a operação, regulação, supervisão, segurança e evolução do Pix.
Um sistema que movimenta quase R$ 3 trilhões por mês — cerca de três PIBs mensais — e que atende quase mil instituições financeiras e de pagamento, além de dezenas em processo de adesão. A sobrecarga é alta e as limitações orçamentárias também.
Esses números revelam um cenário institucional que impõe ao país um custo elevado e silencioso. Sem o arcabouço institucional compatível à sua missão, os riscos crescem a cada dia, há vulnerabilidades à segurança da informação, adiamento de projetos estratégicos e, mais grave, exposição crescente da população a fraudes e falhas operacionais.
O atraso na aprovação da PEC 65 compromete diretamente a capacidade técnica do Banco Central. A proposta, construída ao longo de anos com participação da diretoria colegiada, servidores da Casa e apoio público de representantes de governo e oposição, foi pensada para blindar a autoridade monetária de pressões político-partidárias ou corporativas, e garantir sua atuação com responsabilidade e eficiência.
A PEC não transforma o BC em entidade privada ou isolada do Estado. Ela apenas confere à instituição os instrumentos necessários para cumprir sua missão constitucional com autonomia e transparência, em sintonia com modelos já adotados em democracias consolidadas como Estados Unidos, Reino Unido, Chile e África do Sul.
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A autonomia operacional do BC já foi assegurada pela Lei Complementar 179/2021, que instituiu mandatos fixos e não coincidentes para o presidente e diretores. A PEC 65 é a etapa seguinte (e essencial) para consolidar a autonomia administrativa e financeira que jamais se concretizou por conta de entraves legais.
O Brasil não pode continuar sacrificando sua infraestrutura financeira mais inovadora em nome de disputas burocráticas ou omissões estratégicas. Se o governo afirma que o Pix é do Brasil e que vai protegê-lo, é hora de garantir a célere aprovação da autonomia do Banco Central. A manutenção do Pix como bem público, gratuito e de acesso universal exige um Banco Central forte, estável e moderno. Exige, ainda, orçamento próprio, capacidade de contratação ágil e independência para operar com excelência técnica.
O tempo da hesitação já passou. É hora de agir. O Congresso Nacional tem hoje a oportunidade histórica de consolidar uma instituição de Estado preparada para os desafios de nosso tempo: open finance, moedas digitais, criptoativos, combate à lavagem de dinheiro e às fraudes digitais, educação e cidadania financeira. A aprovação da PEC 65 não é apenas um avanço para o Banco Central. É uma conquista para o Brasil.