Padilha: é preciso maior rapidez nos registros da Anvisa e na concessão de patentes

A ordem executiva assinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevando a tarifa de produtos brasileiros para 50% acelerou no Ministério da Saúde o esforço para reduzir a dependência do mercado externo. Estratégias que estavam em análise, como maior rapidez no registro de medicamentos e produtos considerados essenciais para o setor, agora têm ênfase redobrada, afirmou ao JOTA o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Entre itens destacados como prioritários para registro, estão medicamentos, vacinas e produtos para doenças crônicas.

Padilha afirmou ainda que estão em curso discussões para reduzir o impacto para o setor de equipamentos de saúde, um dos afetados pela elevação de tarifas. Entre os caminhos, está a maior participação de produtos brasileiros no Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde.

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A discussão começou na semana passada, com representantes de associações e presença do diretor da OPAS, Jarbas Barbosa. Nova rodada, desta vez com integrantes da Agência Brasileira de Promoção das Exportações, está prevista para outubro.

Padilha recebeu o JOTA na noite desta quinta em seu gabinete, um dia depois da confirmação do aumento de tarifas. Embora classifique a situação como gravíssima, o ministro afirmou que a crise também abre oportunidade para discussão de estratégias que impulsionem a busca de novos mercados e a produção nacional com outros agentes de governo. Como exemplo, citou o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Inovação (MDIC), o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES)

O ministro também adiantou detalhes sobre o Agora Tem Especialistas. O programa, considerado a grande aposta do governo Lula para área de saúde, entra numa nova fase, com possibilidade de participação de hospitais privados, filantrópicos e empresas de planos de saúde no atendimento ao SUS, em troca do
abatimento de dívidas.

Leia, a seguir, os destaques da entrevista.

Qual o impacto da decisão do governo Trump para a saúde?

Todo abuso tarifário que vai contra as regras da OMC, que estabelece obstáculos para a boa diplomacia e até para o livre comércio, afeta a economia e também a saúde. Hoje, estamos num grande esforço de reorganização das cadeias globais de produção.  E esse episódio gera instabilidade.

No setor da saúde, estamos acostumados com a postura do Trump. Desde o começo do governo, ele tem sido nocivo à saúde global. Ele ataca a Organização Mundial de Saúde, retira os recursos da OMS, saiu de outros fundos importantes, como o de garantia de vacinas.

A política negacionista antivacina expõe os Estados Unidos e o setor norte do continente americano. Veja a situação do sarampo. São mais de 7 mil casos na América do Norte;

Às vésperas da Assembleia Mundial de Saúde, ele anunciou que adotaria uma política de reduzir o preço de medicamentos dos Estados Unidos. Para isso, teria que aumentar o preço no resto do mundo. Então, ele gera essa instabilidade o tempo todo.

Qual será a reação?

Entendo esse anúncio da força executória como o início de um jogo de um campeonato, que vai ser duradouro. Do lado do Brasil, vamos apostar na diplomacia e ter clareza de todos os instrumentos que temos. Essa é uma relação diplomática e também econômica.

Mas encaro este momento também como uma oportunidade. A pandemia nos mostrou que a gente não pode ser dependente de nenhum país ou de nenhuma região. Tudo que pudermos ampliar de cooperação, de capacidade de atrair investimentos do Brasil para a produção, nós temos que fazer.

Quais seriam os instrumentos?

Uma das questões é acelerar o registro de medicamentos e de equipamentos. Quando propus ao presidente Lula a Medida Provisória cancelando cargos ociosos no Ministério da Saúde para aumentar o número de trabalhadores e servidores na Anvisa e direcionar esses servidores para um corredor rápido de registro de
produtos, medicamentos, equipamentos, não tinha em mente o que poderia acontecer. Mas um dos gargalos para o empresário nacional e internacional que está aqui é a demora no registro.

Além disso, a demora no reconhecimento da propriedade intelectual. Em relação à saúde, queremos ajudar a resolver. Vamos fazer parceria com o MDIC para ajudar o INPI. Se precisar colocar recurso do Ministério da Saúde, podemos pensar.

Essas medidas já estavam no horizonte?

Sim. Mas essa situação é mobilizadora de outras áreas, chama a atenção do conjunto do governo federal para isso, os empresários veem como oportunidade.

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Qual atividade da saúde mais afetada pelo aumento de tarifas?

Principalmente equipamentos e dispositivos médicos. A ideia é apoiar este setor a conquistar novos mercados. Vamos pensar como é possível ter apoio junto à Apex. Além disso, o Brasil exerce a presidência Pro Tempore do Mercosul. Para nós, o objetivo principal vai ser avançar na relação União Europeia-Mercosul. No setor da saúde, há a parceria estratégica dos BRICS para produção local em enfrentamento das doenças socialmente determinadas, sem falar na coalizão do G20.

Sobre registro na Anvisa, quais seriam as análises prioritárias?

Vacinas, produtos para doenças crônicas, medicamentos que atingem populações pequenas mas de alto custo. No caso da fibrose cística, há um medicamento cujo valor do contrato plurianual ultrapassa R$ 1 bilhão. Então, ter uma política ainda mais ousada que mobilize a Anvisa, a mecânica de financiamento, INPI e patentes, além de preços. Na CMED, abrimos espaço para pensar em regras para inovação
radical e inovação incremental. Isso incentiva o empresário brasileiro e o internacional a investir. Isso reduz a dependência.

O senhor é favorável ao aumento dos produtos com preços provisórios?

Estamos debatendo. O central é pensar novas regras para o preço de produtos fruto de inovação incremental. Hoje, esta atividade é pouco atrativa para o empresário. A gente não tem uma proposta fechada ainda. Vamos analisar em relação à inovação radical tudo aquilo que tem espaço de concorrência. A definição do preço tem que ser mais estimuladora para quem quer investir.

O senhor acha factível o compromisso do ministro Alckmin de o processo para análise de patente ter em média dois anos?

Eles estão falando que estão reduzindo para quatro. Se, pelo menos na saúde, pudermos reduzir para dois, estou disposto a discutir. O que a gente precisa? Precisa de apoio? Recursos do Ministério?

Quanto a Saúde poderia contribuir?

O INPI traçou panorama de R$ 50, R$60 milhões de investimento. Quero ver o que é o problema. Porque parte do custo é contratação, o que não posso resolver. Outras coisas podemos aportar recursos. Como para o sistema de informação. Estou disposto. Para a gente, é importante. Quanto mais gente tendo registro de patentes aqui, registro mais rápido, mais gente concorrendo no mercado, melhor. Isso vai baixar o preço de medicamento, de produtos, reduz o risco numa crise sanitária.

Sobre cirurgias programadas, dados apresentados pelo ministério mostram que os números gerais de 2025 diminuíram em relação ao mesmo período do ano passado. No caso das execuções este ano, 14 estados fizeram menos de 30%
do que havia sido acordado…

Do número de cirurgias eletivas, este é um dado preliminar. Os dados corretos somente serão conhecidos dentro de 90 dias. A comparação entre o que foi programado e executado, por outro lado, é exata. Ela traz elementos para melhorar o monitoramento disso e o apoio do ministério aos estados e municípios. É preciso fortalecer a ideia do grupo condutor no estado, para que a gente possa acelerar essa execução. Nem todos os estados deram o plano de ação regional. Temos agora um departamento aqui para isso, para ajudar estados e municípios a mapear a situação.

A portaria publicada esta semana que regulamenta a participação da saúde suplementar no Agora Tem Especialistas traz um plano de distribuição. A região Norte poderá receber 8% dos atendimentos e a Nordeste, 24%. Não é muito pouco, visto que estes são os locais com maior dificuldade de acesso a atendimentos?

A distribuição é proporcional à população. E a vulnerabilidade está presente também no Sudeste, Sul. Por mais que você tenha mais médicos especialistas nessas regiões, não necessariamente estão mais disponíveis para o sistema público de saúde. Às vezes,  há uma proporção maior de profissionais médicos exclusivos na saúde privada. Além disso, a gente separou 10% para um fundo
estratégico, exatamente para você buscar áreas mais vulneráveis.

A portaria indica que empresas de planos devem apresentar um plano de atendimento, submetido a estados e municípios, a quem caberá dizer se valida ou não. Esse percurso não pode atrasar a implantação? Sobretudo se a gestão local não aprovar a proposta?

A necessidade dos estados e municípios e da população esperando nas filas é tão grande que não vejo um motivo para negar qualquer oferta. Inclusive porque a variedade dentro das seis especialidades é muito grande. Está todo mundo precisando dessa oferta.

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Mas não há risco de ter oferta grande de cirurgia de catarata, menos complexa, e de poucas delicadas e caras, como as cardíacas?

Precisamos muito de cirurgias de catarata. Vamos atrás do que foi ofertado. E você vai compensar essas outras ofertas com outros mecanismos. Este não é o único mecanismo do Agora Tem Especialistas. Se tiver muita oferta de cirurgia de catarata, de outras cirurgias oftalmológicas, é muito positivo. E vamos buscando outros mecanismos para garantir outras ofertas.

Essa possibilidade de as operadoras pagarem dívida de ressarcimento com serviços não traz o risco de que empresas passem a escolher que tipo de atendimento vão dar a seus clientes?

Por que elas poderão, mais tarde, abater a dívida com o SUS? Não, porque haverá a fiscalização da ANS. Ela terá condições de avaliar, pela série histórica da produção desses planos.

A ANS já tem dificuldades. Ela não ficará sobrecarregada?

Nossa programação é colocar mais servidores na ANS justamente nesta área de ressarcimento. São cerca de 50 servidores. Além disso, a integração com a RNDS vai permitir novos mecanismos de fiscalização, porque vamos poder integrar, vamos transformar o CPF no número básico do SUS, isso vai ajudar a fiscalização.

Apenas 8 milhões de usuários do cartão nacional de saúde não estão vinculados ao CPF. Temos todas as condições de uma integração rápida. Isso permitirá que a ANS possa acompanhar os planos de saúde. Se houver redução, ela poderá determinar a punição, porque isso passa a ser negativa do atendimento.

O senhor não acha um mau momento adotar esta iniciativa depois do Desenrola? Se não houvesse, haveria mais recursos para trocar por serviços para SUS…

O programa foi no ano passado. E eu não era ministro da Saúde naquela época.

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