Em junho deste ano, aconteceu o leilão de exploração de petróleo na Margem Equatorial. Foram arrematados 34 blocos, sendo 19 unidades pertencentes à Bacia da Foz do Amazonas. Em meio a controvérsias ambientais e entraves regulatórios, o evento evidenciou o Brasil enquanto uma nova fronteira atraente para investimentos internacionais de petróleo. Ao todo, quatro grandes empresas, entre brasileiras e estadunidenses, adquiriram os blocos leiloados na região: ExxonMobil, Petrobras, Chevron e CNPC Brasil.
Com um potencial estimado em 30 bilhões de barris de petróleo, de acordo com a Agência Nacional Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Margem Equatorial é tida como uma região promissora – e desponta como um polo estratégico para manter a autossuficiência energética do país.
A Petrobras considera a Margem Equatorial uma área voltada à diversificar seu portfólio e explorar novas fronteiras de produção. “A operação faz parte da estratégia de diversificação de portfólio e da exploração de novas fronteiras”, afirmou a companhia. No seu Plano Estratégico 2025-2029, a estatal projeta investir cerca de US$ 3 bilhões na região nos próximos cinco anos, o equivalente a 38% de seu Capex exploratório.
Em âmbito internacional, as reservas brasileiras se tornam ainda mais atraentes, sobretudo por questões como segurança no abastecimento. Atualmente, essa é uma preocupação, diante do agravamento do conflito entre países do Oriente Médio, os quais são importantes fornecedores mundiais de petróleo.
“O Brasil tem de continuar a política de autossuficiência em petróleo e gás: soberania energética nacional. O setor continua fundamental para manter a estabilidade econômica e aguentar os solavancos internacionais”, analisa Allan Kardec Barros, professor titular da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Contudo, o avanço da fronteira inédita depende do malabarismo entre diversos fatores, frequentemente vistos como divergentes, como previsibilidade regulatória, licenciamento ambiental e compromissos com a transição energética. “A atratividade da Margem Equatorial do Brasil é explicada por meio de diversos vieses. A região se mostra como um grande potencial de descobertas que podem gerar receita a curto prazo”, afirma Flavio Torres, gerente executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).
Margem Equatorial: potência geológica e estratégica
A Margem Equatorial é uma região localizada no Norte e Nordeste brasileiro, sendo próximo ao litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte, composta por cinco bacias sedimentares: Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
O primeiro poço da campanha exploratória será o Morpho (1-APS-57), localizado a cerca de 175 km da costa do Amapá e a 2.880 metros de profundidade. Segundo a Petrobras, trata-se de um compromisso contratual com a ANP, cuja não execução pode acarretar penalidades.
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“É estimado que cada uma dessas bacias tenha minimamente 10 bilhões de barris em reservas”, afirma Barros, da UFMA. Por isso, é citada como a mais nova fronteira de exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas no país.
Conhecida como “novo pré-sal”, a região tem similaridade às bacias sedimentares de países vizinhos – e até mesmo da costa oeste africana. “A Margem Equatorial brasileira possui características geológicas bastante semelhantes àquelas encontradas na Guiana, por exemplo, que possui produção de 645 mil barris por dia”, explica Torres, do IBP.
Para o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), vice-presidente de Segurança Energética da Frente Parlamentar de Energia, a atratividade internacional está diretamente ligada ao potencial técnico e à solidez institucional do país.
“A Margem Equatorial apresenta características semelhantes às da Guiana e do Suriname [países localizados na região norte da América do Sul], com a vantagem de ainda ser pouco explorada. A crescente necessidade de reposição de reservas pelas petroleiras também amplia o apetite por ativos de longo prazo, sobretudo em áreas consideradas promissoras e com marcos regulatórios estáveis, como é o caso brasileiro” destaca.
Por isso, a área não atrai somente olhares brasileiros, bem como têm tido uma evidência no cenário internacional, tanto pela estimativa do volume quanto pelas características do óleo extraído.
Do ponto de vista estratégico, a exploração na região é considerada um caminho para a garantia de segurança energética no Brasil nas próximas décadas. Torres pontua a perspectiva de queda na produção a partir de 2030, com crescimento contínuo da demanda global por energia. “A falta de perspectiva de produção na Margem Equatorial aumenta o risco de o Brasil ter que importar óleo e gás a partir de 2030”, pontua o especialista.
Dessa forma, o desenvolvimento da Margem Equatorial tem sido percebido enquanto uma alternativa para manter a autossuficiência energética nacional, de forma a evitar a dependência de importação desse produto, além de auxiliar no equilíbrio da balança nacional do país. Cenários de conflitos internacionais, como o que ocorre no Oriente Médio atualmente, também impulsionam a necessidade de firmar a segurança energética no Brasil.
Mapeamento sísmico: base científica da nova fronteira energética
Para compreender melhor o potencial da região, há um extenso trabalho de desbravamento técnico, por meio do mapeamento geológico – efetuado por empresas especializadas em sísmica. Um desses exemplos é a TGS, que atua na região desde 2013.
A identificação geológica é feita inicialmente por meio do reconhecimento geofísico, com a emissão de ondas sonoras por meio de navios, que captam e processam em imagem a estrutura da região.
A princípio, esse material era produzido por meio de campanhas de sísmica 2D e, mais recentemente em 3D, em bacias como Foz do Amazonas, Pará-Maranhão e Barreirinhas. Dessa forma, é possível compreender a geometria tridimensional dessas formações. Esses dados auxiliam tanto no reconhecimento das estruturas, quanto na redução dos riscos para os investidores.
“A sísmica é o primeiro elo da cadeia produtiva do petróleo. Ela permite enxergar as camadas do subsolo e identificar possíveis estruturas acumuladoras de hidrocarbonetos”, explica João Corrêa, diretor da empresa.
De acordo com o executivo, a empresa trabalha com a maior biblioteca de dados sísmicos do mundo, o que permite criar correlação entre a Margem Equatorial e regiões análogas, como Guiana e países africanos. Corrêa ainda pontua desafios vivenciados para esse mapeamento, como fortes correntes marítimas que dificultam a execução do trabalho.
No entanto, a combinação de tecnologias, como sísmica, geoquímica e eletromagnetismo, auxiliam na redução de riscos e direcionamento de perfurações com maior assertividade.
Exploração e desenvolvimento regional: o exemplo do Amapá
Para o senador Lucas Barreto (PSD-AP), a exploração de petróleo na costa do Amapá representa não apenas uma oportunidade econômica, mas também uma reparação histórica. “Ao Amapá foi imposto o dever de preservar, mas nunca foi dada a oportunidade de crescer”, critica o parlamentar.
O parlamentar aponta que parte da oposição ao projeto parte de uma visão que invisibiliza a população amazônida e reforça desigualdades: “Para os críticos, os amazônidas não precisam de escola, nem de remédio, nem de energia, nem de trabalho. Precisam apenas contemplar a natureza. É como se bastasse respirar o ar puro da floresta para sobreviver com dignidade”.
Para ele, as críticas “escondem uma concepção perversa: a de que o desenvolvimento não pode coexistir com a exploração responsável das riquezas naturais”, diz. O senador argumenta que a defesa da atividade petrolífera não se opõe à preservação ambiental.
Este conteúdo faz parte do Joule, editoria especial com matérias e um podcast especial do setor de energia do JOTA, feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Transição Energética (Inté).
O debate, segundo Barreto, precisa considerar as desigualdades estruturais enfrentadas pelos moradores da região: “A exploração de petróleo pode, sim, ser feita com segurança, com licenciamento e com responsabilidade social. E quem conhece a atuação da Petrobras sabe que ela é capaz de cumprir rigorosamente os parâmetros exigidos”, conclui.
Adequação à transição energética
A coexistência entre a exploração da Margem Equatorial e a transição energética sustentável é um ponto central no debate sobre a exploração petrolífera no local. Embora exista uma crescente pressão por descarbonização e uso de fontes renováveis, especialistas apontam que a produção de petróleo nessas novas fronteiras terá papel relevante no processo de transição energética.
No caso da Margem Equatorial, por exemplo, a ideia não é retroceder nos compromissos climáticos internacionais – os quais o Brasil participa, como o Acordo de Paris e o Plano Nacional de Mudança do Clima. O objetivo é garantir um equilíbrio entre segurança energética, desenvolvimento econômico e sustentabilidade.
“A transição energética, que é uma prioridade e compromisso global, não deve excluir a exploração de fontes fósseis, mas encontrar um equilíbrio entre os investimentos nesta matriz e nas políticas de descarbonização”, diz Torres, do IBP.
“No nosso entendimento, esse processo exige a coexistência do petróleo e gás com as fontes renováveis de energia, para assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos”, complementa.
Segundo o gerente executivo do IBP, o setor de energia corresponde a 23% das emissões no Brasil, enquanto a média mundial está em aproximadamente 70%.
No Brasil, a indústria de óleo e gás opera com rigorosos padrões de segurança ambiental e social, afirma o representante do setor. “A indústria de óleo e gás trabalha fortemente com responsabilidade social, de acordo com os melhores padrões internacionais de segurança operacional e com todo o cuidado e respeito ao meio ambiente” diz Torres.
Corrêa também endossa a importância da pauta ambiental na Margem Equatorial. “Estamos fazendo investimentos na ordem de dezenas de milhões de dólares em pesquisa ambiental. Fazemos essas pesquisas com apoio de universidades públicas locais, como a Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal do Amapá, por exemplo”, diz.
O executivo explica que a colaboração é feita com cientistas que conhecem a região aliada à experiência de outros nomes que já colaboraram previamente no mapeamento da Bacia de Santos.
“O estado braileiro não investe em pesquisa ambiental, e uma das únicas chances de aumentar o conhecimento de diversidade de sua natureza é através de projetos. Hoje, sem medo de errar, é a indústria do petróleo que faz pesquisa ambiental na plataforma continental brasileira”, opina Corrêa.
“A sísmica tem dados e temos investido em pesquisa ambiental, trabalhando para fortalecer a instituições que monitoram e fazem um trabalho de preservação”, acrescenta.
A Petrobras também defende que a Margem Equatorial será uma aliada para o equilíbrio entre segurança energética e descarbonização. “Com a perspectiva de demanda energética crescente no mundo, o petróleo continuará sendo uma fonte relevante, mesmo nos cenários compatíveis com o Acordo de Paris”, argumenta a companhia em entrevista ao JOTA.
A estatal também afirma que tem investido fortemente em tecnologias de mitigação de emissões, como a captura e armazenamento de carbono (CAC), e afirma ter reduzido em 46% suas emissões absolutas entre 2015 e 2023.
Margem Equatorial como peça-chave da política energética
O equilíbrio entre a exploração de petróleo e os compromissos ambientais exige um pacto entre governo, Congresso, setor privado e sociedade civil, como analisa o deputado federal Hugo Leal. Para ele, a Margem Equatorial representa mais do que uma nova fronteira geológica. Na verdade, é uma “encruzilhada política” que pode definir os rumos da matriz energética brasileira nas próximas décadas.
“O Brasil e o mundo enfrentam o desafio de conciliar os investimentos em fontes fósseis com a necessidade de ampliar cada vez mais as políticas de descarbonização. A resposta a esse dilema não está na exclusão imediata das fontes fósseis, mas sim em um equilíbrio estratégico que assegure, ao mesmo tempo, segurança energética, crescimento econômico e avanço na sustentabilidade”, afirma o parlamentar.
Na avaliação de Leal, os investimentos na região podem contribuir também para o financiamento de tecnologias limpas. “A exploração da Margem Equatorial pode desempenhar um papel duplo: garantir a autossuficiência e a geração de receitas no curto prazo, enquanto financia, por meio de royalties e fundos setoriais, a expansão de fontes renováveis e o desenvolvimento de tecnologias limpas”, completa.