A prejudicial cível e os crimes tributários

Em recente julgado, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar provimento a agravo interno interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, estabeleceu relevantes teses de julgamento para os crimes contra a ordem tributária, no que diz respeito à atuação do contribuinte que deve levar à suspensão ou mesmo à extinção de investigações ou ações penais.

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Na decisão do ARESP 2.667.84, foram estabelecidas as seguintes teses de julgamento: “(a) A suspensão da ação penal por crime contra a ordem tributária é admissível quando a discussão cível sobre o débito tributário apresenta plausibilidade e potencial de repercussão na esfera penal. (b) Compete ao magistrado, orientado pela prudência e proporcionalidade, com base no art. 93 do CPP, avaliar a necessidade da suspensão à luz das peculiaridades do caso concreto. (c) A suspensão da ação penal acarreta também a suspensão do curso da prescrição penal, nos termos do art. 116, I, do Código Penal, conciliando os direitos em colisão”.

A suspensão de procedimentos investigativos ou ações penais usualmente é admitida nas hipóteses em que ocorre suspensão da exigibilidade do crédito tributário. É o que se encontra em diversos precedentes, como o Agravo Regimental no RHC 183.448, relator ministro Ribeiro Dantas, e no Agravo Regimental o RHC 179.201, relator ministro Rogerio Schietti Cruz. Esses casos criminais concretos são alinhados com decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4273.

Na oportunidade, ao tratar da suspensão de ações e investigações em situações de parcelamento (situação específica de suspensão de exigibilidade) e de extinção, em caso de pagamento, a Corte Constitucional ainda enfatizou: “A extinção da punibilidade como decorrência da reparação integral do dano causado ao erário pela prática dos crimes contra a ordem tributária constitui opção política há muito adotada no ordenamento jurídico brasileiro, o que demonstra a prevalência do interesse do Estado na arrecadação das receitas provenientes dos tributos, para consecução dos fins a que se destinam, em detrimento da aplicação da sanção penal ao autor do crime”.

Com relação à oposição de embargos, já se encontravam algumas decisões que sinalizavam competir ao juiz criminal “decidir se suspende ou não a persecução criminal até a solução do cível, de modo que a opção pela continuidade do feito criminal”. (HC 350.666/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 21/6/2016, DJe de 29/6/2016.)”

Nesse sentido, dois aspectos merecem reflexão. O primeiro deles é que se mostra muito bem-vindo, no desenvolvimento do tema, o fornecimento de guias concretas para o exercício da discricionariedade judicial. Vale dizer, o STJ poderá ainda apontar o que seriam critérios para a tomada de decisão, ou, em suas palavras, diretivas para o adequado exercício da “prudência e proporcionalidade”. Como será demonstrado, a impressão é que não haveria espaço para excluir a prejudicial cível e que esse é um passo bastante relevante para essa esperada evolução.

Isso porque no ARESP 2.667.84 se afirma: “Conquanto a ação cível possa resultar tão somente na redução do valor devido, não se vislumbra óbice à suspensão da ação penal pelas instâncias ordinárias, notadamente em face da possibilidade de que referida redução enseje o pagamento integral do débito pelo réu, acarretando, em tese, a extinção da punibilidade. Dessarte, é irrefutável que a ação cível detém aptidão para dilatar o espectro de direitos do réu na ação penal, propiciando novas alternativas defensivas”.

Em essência, seria a dinâmica de todos os embargos, salvo se o Estado, seja no âmbito cível, seja no âmbito criminal, ou de forma coordenada, trouxer algo distinto.

Ao se observar a dinâmica dos pedidos de suspensão fundados em embargos (com garantia do juízo) e que o processamento é admitido pelo juiz cível, tem-se que, se a ação não é considerada abusiva, frívola, o feito é processado. Nessa hipótese, a prejudicial cível (e a suspensão do procedimento criminal) deveria ser considerada não em um critério de conveniência, mas como uma medida necessária.

De fato, a suspensão do caso, como uma prejudicial facultativa, gera insegurança jurídica, dada a ausência de parâmetros para o exercício dessa faculdade. Além disso, é pacífico o entendimento de que os temas de mérito acerca da exigibilidade do crédito não devem ser deduzidos perante o juízo criminal. Se os temas do mérito da exigibilidade do tributo não podem ser levados ao juízo criminal, como este poderia, por outro lado, não ficar dependente das conclusões do juízo cível?

Ainda dentro desse primeiro aspecto, relacionado à oposição de embargos, vale compreender os desdobramentos possíveis, sendo que ambos levam à inviabilidade de investigação ou de ação penal: em caso de procedência dos embargos, o tributo seria inexigível e não haveria espaço para se falar em materialidade delitiva. Caso o Fisco vença a disputa cível, ocorrerá o imediato pagamento, o que levará à extinção do crédito tributário e à inviabilidade de medidas de persecução penal.

Essa foi a linha adotada no então voto vencido do Ministro Sebastião Reis Júnior no já citado HC 235.164/SP e que se espera ver majoritária em breve: “Nessa situação, se em qualquer uma das ações a empresa for vencedora, significa que o respectivo débito tributário não era devido, sendo de rigor a absolvição dos pacientes em relação àquela parte da denúncia. Se por outro lado, ficar comprovada que o imposto era devido, a garantia oferecida deve, após o trânsito em julgado da decisão, ser entregue à Fazenda Pública, nos termos do art. 32, § 2º, da Lei nº 6.830/1980, verbis: “Art. 32 – (…) § 2º – Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente”.

A segunda reflexão, mais sutil, mas nem por isso menos relevante, vem com a questão da ausência de dolo que a oposição dos embargos acarreta, ou, no mínimo, pode acarretar. Compreende-se que o questionamento sobre a exigibilidade do crédito pode ser considerado como demonstrativo da ausência à primeira vista de dolo, elemento subjetivo indispensável para que se possa falar em conduta criminosa.

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Se o contribuinte discorda da tributação e expõe suas razões perante um juiz cível que não indefere a inicial, que não reconhece se tratar de lide temerária ou de abuso do direito de petição, passa-se a haver uma disputa hermenêutica. Instaurado esse contraditório, tem-se claro que o contribuinte não atua com o intuito de defraudar, mas de acessar legitimamente o Poder Judiciário e expor as suas razões, que podem ser acolhidas ou não, pelas quais não teria recolhido um tributo ou que não deveria ter recolhido. O crime, importa ressaltar, não é o não pagamento, mas uma alegada fraude, que terá dificuldade de conviver com a subsistência de uma tese, procedente ou não, para o não pagamento.

Na hipótese de outra conclusão puder ser obtida pela dinâmica processual, pela existência de outros fatos conexos que possam ser considerados ilícitos, essas conclusões não podem ser extraídas da simples condição de inadimplente e com a necessária imposição, de início, por parte do Estado.

O avanço dessas duas linhas interpretativas fortalece, em muito, o instituto dos embargos, seus efeitos (naturais) e auxilia na necessária distinção entre o não pagamento e o crime e entre o legítimo questionamento da atividade tributária e eventual ação fraudulenta. A importância de todo aparato de justiça criminal faz com que ela deva se voltar aos efetivos ilícitos e não se tornar uma extensão da atividade arrecadatória.

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