Donald Trump tem um talento peculiar: o de fortalecer governos e lideranças que pretende desestabilizar. Sua retórica agressiva, suas ameaças econômicas e sua interferência aberta em assuntos internos de outros países produzem um efeito contrário ao esperado — gerando coesão política interna e, em alguns casos, vitórias eleitorais para seus alvos.
É o que temos visto no Brasil até o momento. Ao anunciar a imposição de tarifas adicionais de 40% sobre vários produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos, Trump sanciona comercialmente o Brasil sob a alegação de perseguição política a Jair Bolsonaro. Na prática, estas tarifas funcionam como um embargo comercial parcial, tornando parte das exportações brasileiras economicamente inviável.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Por meio das tarifas e das sanções contra Alexandre de Moraes – assim como pela suspensão de vistos de ministros do Supremo e do procurador-geral da República, Paulo Gonet – Trump tenta deslegitimar investigações, processos e decisões da polícia e da Justiça brasileiras.
Na ordem executiva que assinou nesta quarta-feira (30/7), Trump afirmou que golpistas estariam sendo vítimas de retaliação política, que o Estado de Direito estaria em colapso no Brasil e que as regras impostas pelo Supremo Tribunal Federal a big techs seriam injustas. Entre estas medidas supostamente injustas estão a responsabilização por conteúdos criminosos de terceiros e a obrigação de agir contra conteúdos impulsionados por robôs. Trump emula o manual bolsonarista: oposição à democracia, incentivo à polarização e propagação do caos no Brasil.
Mas o resultado tem sido outro: líderes de diferentes forças políticas — da esquerda à direita moderada — saíram em defesa da soberania nacional. Este é um clássico rally ‘round the flag: um movimento de coesão nacional diante de uma ameaça externa.
Lula ganhou fôlego num momento delicado da política doméstica — com queda de popularidade e o avanço de investigações sobre a tentativa de golpe de 2022. Em entrevista ao The New York Times, Lula afirmou que o Brasil não aceita ultimatos e que não negociará “como um país pequeno diante de um país grande”. Em vez de gerar instabilidade, Trump deu ao governo a oportunidade de reafirmar a soberania nacional, defender as instituições e projetar uma imagem de firmeza responsável.
Os presidentes da Câmara e do Senado endossaram a posição do Executivo na reação a Trump e consideraram inaceitáveis as sanções contra Alexandre de Moraes, estas sob a Lei Magnitsky. Ao impor sanções contra um ministro do Supremo, acusando-o de censura, comportamento tirânico, detenções arbitrárias e perseguições políticas, Trump contribuiu também para aproximar ainda mais o governo Lula de ministros do STF.
Mesmo veículos de imprensa conservadores, como o Estadão e a Veja, denunciaram a interferência externa e alertaram para o impacto econômico das medidas do governo Trump. Na opinião pública, 63% passaram a ter imagem negativa de Trump (ante 52% em janeiro de 2025), 62% consideram as tarifas injustificadas, e 51% são favoráveis a uma retaliação por parte do governo brasileiro. O Planalto saiu fortalecido.
Este “efeito Trump” não é exclusivo do Brasil. No Canadá, algo semelhante ocorreu durante a guerra comercial iniciada por Trump em seu primeiro mandato. Em 2018, o governo de Justin Trudeau foi surpreendido por tarifas sobre o aço e o alumínio canadenses. Trump insultou Trudeau publicamente após o encontro do G7 em 2018, chamando-o de “desonesto e fraco”. A resposta canadense foi rápida: o governo retaliou com tarifas próprias, emergiu um movimento de boicote contra os Estados Unidos, e viu-se um raro consenso político no país. Trudeau ganhou força — e foi reeleito em 2019.
No início de 2025, tudo indicava que os liberais perderiam as eleições canadenses para os conservadores liderados por Pierre Poilievre. Em uma pesquisa de meados de janeiro, os liberais apareciam com 20%, contra 47% dos conservadores. Mas a entrada de Trump no debate mudou o jogo. Ao ameaçar o Canadá com novas tarifas e sugerir até uma anexação, Trump provocou uma reação imediata.
Mark Carney, novo líder liberal e ex-governador do Banco do Canadá, emergiu como defensor da soberania nacional e dos valores democráticos. Sua campanha posicionou-se como uma barreira contra Trump. O resultado foi uma vitória apertada, mas decisiva, revertendo uma tendência de derrota que parecia irreversível até poucas semanas antes da votação.
Na Austrália, a eleição de maio deste ano — realizada poucos dias após a votação no Canadá — seguiu um roteiro semelhante. Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, buscava a reeleição, mas contava com apenas 20% de aprovação em janeiro e estava atrás nas pesquisas em relação a Peter Dutton, líder da Coalizão Liberal-Nacional.
A entrada de Trump no debate — sobretudo pelas similaridades entre ele e Dutton, além dos efeitos econômicos das tarifas impostas contra a Austrália e terceiros países — teve um efeito oposto ao pretendido. A postura de Albanese, centrada na defesa da autonomia australiana, da estabilidade institucional e na recusa em alinhar-se a Trump, encontrou forte ressonância junto ao eleitorado. Os trabalhistas tiveram sua maior vitória na Austrália desde as eleições de 2007.
Em todos estes casos, o padrão se repete: Trump mira governos que não compartilham sua visão de mundo e tenta constrangê-los por meio de sanções econômicas e declarações incendiárias. A intenção é deslegitimar, polarizar e projetar sua agenda internacionalmente. Mas os efeitos têm sido outros.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Seu chauvinismo encontra nacionalismos alheios — mais cívicos e institucionais — que reagem em nome da soberania e da dignidade. Ao se colocar como agente externo de desestabilização, Trump acaba oferecendo aos seus alvos o que mais precisam em tempos de polarização: uma ameaça externa concreta capaz de unir forças internas.
No Canadá e na Austrália, a lição está dada. Quando Trump ameaçou de fora, seus alvos não caíram — se fortaleceram. Seus aliados locais não venceram — perderam força. Se, em 2026, repetir essa estratégia tentando influenciar as eleições brasileiras, Trump pode, mais uma vez, acabar fortalecendo quem gostaria de derrotar.
Neste sentido, forças progressistas no Brasil, no Canadá e na Austrália podem dizer: muito obrigado, Trump. Ao atacar de fora, ele tem ajudado a fortalecer o que há de progressista e democrático por dentro.