A participação social no orçamento público tem se consolidado como uma das estratégias mais relevantes para o aprimoramento da gestão pública e dos instrumentos de planejamento. O orçamento participativo (OP), ao permitir que a população influencie diretamente a alocação de parte dos recursos, opera como uma forma estruturada de controle social sobre o gasto público.
Dessa forma, contribui para a promoção de maior transparência, corresponsabilidade cidadã e eficiência alocativa na distribuição de recursos, princípios fundamentais para a consolidação de uma gestão pública responsável e voltada às necessidades reais da sociedade.
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Desde sua institucionalização em Porto Alegre, no final dos anos 1980, o OP tornou-se referência internacional em inovação democrática, sendo replicado em centenas de municípios no Brasil e em outros países da América Latina, Europa, África e Ásia. Seu potencial vai além da inclusão política. Trata-se de um mecanismo técnico de escuta estruturada que transforma as demandas da sociedade civil organizada em insumos fundamentais para a formulação, execução e reavaliação das políticas públicas.
Quando bem estruturado e com metodologias consistentes, o processo participativo constrói legitimidade e pressiona pela melhoria da capacidade do Estado em planejar de forma mais eficiente, alinhada às necessidades da população.
Entre as vantagens do OP, destacam-se: o fortalecimento da transparência nas decisões orçamentárias; a formação de uma maior consciência cidadã sobre o funcionamento das finanças públicas, o que gera uma demanda por maior eficiência na gestão pública; e a priorização de setores mais vulneráveis, uma vez que a alocação de recursos passa a refletir as demandas oriundas de quem mais necessita dos serviços públicos.
Ao transformar a escuta da sociedade em política pública efetiva, o OP torna-se um antídoto à lógica clientelista e a práticas informais de destinação de recursos, uma vez que estabelece critérios objetivos e transparentes para definir prioridades governamentais.
Contudo, para que o OP cumpra esse papel de forma eficiente e consistente, é necessário que três elementos estruturantes estejam presentes no processo:
uma sociedade civil organizada, plural e capaz de mobilizar e formular demandas coletivas;
lideranças políticas comprometidas com a democratização das decisões orçamentárias e dispostas a abrir mão de parte de sua discricionariedade para integrar as decisões oriundas da escuta social; e
(3) um aparato administrativo qualificado, com capacidade técnica para transformar as demandas populares em projetos viáveis e compatíveis com os instrumentos formais de planejamento, como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
A construção dessa infraestrutura institucional exige não apenas vontade política, mas também investimentos contínuos na formação cidadã, capacitação técnica das equipes governamentais e o desenvolvimento de metodologias claras e transparentes de priorização. Em estados como o Maranhão, o orçamento participativo tem sido estruturado com base em escuta territorializada, sistematização técnica e vinculação com os instrumentos formais de planejamento.
Nesse processo, as propostas eleitas em plenárias regionais são desdobradas em centros de custos orçamentários, analisadas com base em critérios como viabilidade técnica, compatibilidade orçamentária e aderência ao PPA. Essa abordagem mostra ser possível conciliar participação social e planejamento técnico, reforçando o papel do OP como mecanismo estruturado de seleção e pactuação de prioridades públicas.
O uso estratégico da escuta social exige mais do que boas metodologias e processos. É necessário também que o processo participativo seja sincronizado com o calendário orçamentário e com os marcos regulatórios do ciclo de planejamento. Quando as contribuições da sociedade civil chegam tarde demais ou de forma desarticulada, elas não conseguem ser incorporadas adequadamente aos instrumentos legais, comprometendo sua efetividade.
Avritzer[1] afirma que a integração entre a deliberação popular e o planejamento governamental depende de compatibilidades institucionais e normativas, além de um compromisso político-administrativo contínuo com a transparência e com o processo democrático.
A experiência federal de 2012, quando a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional abriu um canal para o envio de emendas populares via internet, demonstrou que o Legislativo também pode desempenhar um papel ativo na promoção da participação cidadã. Mais recentemente, o governo federal aprofundou essa lógica por meio do PPA Participativo 2024-2027, considerada a experiência mais ampla e estruturada de participação social na construção do planejamento de médio prazo em nível federal.
Embora tenham existido iniciativas anteriores, esta representa um marco em termos de escala, integração digital e articulação entre conselhos temáticos e órgãos colegiados. Essa iniciativa fortalece o papel da participação social como vetor de legitimidade e racionalidade no planejamento público, ao aproximar as demandas da sociedade dos instrumentos formais de decisão e pactuação institucional.
No cenário internacional, o OP tem ganhado espaço em países como Espanha, França, Portugal e Coreia do Sul, com diferentes níveis de institucionalização. Em Paris, que destina anualmente uma parte significativa de seu orçamento para projetos sugeridos e votados diretamente pelos cidadãos. Em Seul, o processo tem sido integrado a plataformas digitais, que garantem maior acessibilidade, auditabilidade e transparência das decisões.
Esses exemplos demonstram que, mesmo em contextos administrativos e culturais distintos, é possível construir instrumentos participativos robustos, desde que haja clareza institucional, infraestrutura digital e compromisso político com o processo democrático.[2]
É importante destacar que o orçamento participativo, quando bem implementado, tende a ampliar o alcance das políticas públicas, permitindo a identificação de demandas reprimidas e o redesenho de programas para públicos historicamente invisibilizados.
Além disso, ao engajar diversos setores da sociedade, como juventude, mulheres, comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e trabalhadores informais, o processo participativo adquire maior densidade democrática, refletindo a pluralidade de interesses existentes no território. Essa pluralização da escuta qualificada representa não apenas um avanço na governança pública, mas também um passo fundamental rumo à justiça fiscal e distributiva.
Esses exemplos demonstram que o orçamento participativo não deve ser visto apenas como um mecanismo de consulta, mas como um processo contínuo de produção de dados sociais, construção de consensos intersetoriais e racionalização das decisões públicas.
A convergência entre conselhos de políticas públicas, parlamentares, gestores técnicos e agendas legislativas, que começa a surgir em diferentes níveis de governo, aponta para um modelo de planejamento mais colaborativo, responsivo e baseado em evidências sociais e pactuação institucional.
Ao estabelecer canais permanentes de escuta e sistematização de propostas, os governos conseguem construir legitimidade compartilhada, favorecendo uma cultura pública de planejamento democrático com impactos positivos para a confiança institucional e a estabilidade das políticas públicas.
Ao fortalecer o vínculo entre sociedade e Estado, o orçamento participativo contribui para a construção de uma cultura de corresponsabilidade democrática sobre o uso do orçamento público. Consolidar esse instrumento como política de Estado, e não apenas como uma iniciativa pontual de determinados governos, exige esforços contínuos de institucionalização normativa, qualificação técnica das equipes envolvidas, estruturação de canais permanentes de escuta social e valorização da escuta popular como dado legítimo no processo decisório.
Em um cenário de restrições fiscais, desconfiança nas instituições e disputas sobre as prioridades do gasto público, apostar na escuta qualificada é, também, uma aposta na capacidade do Estado de ouvir, planejar e agir com legitimidade social, consistência técnica e responsabilidade republicana.
[1] AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/op/a/SXb5hxxKDHgM3Y9YMvRgMzN/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 5 jun. 2025
[2] SINTOMER, Y.; HERZBERG, C.; RÖCKE, A.; ALLEGRETTI, G. Transnational models of citizen participation: the case of participatory budgeting. Journal of Public Deliberation, v. 8, n. 2, art. 9, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.16997/jdd.141. Acesso em: 5 jun. 2025.