A Lei 15.177/2025, que estabelece regras para participação de mulheres em conselhos de estatais e também altera a Lei 6404/1976 (mais bem conhecida como Lei das S.A.), estabelecendo regras para companhias abertas, foi sancionada. A iniciativa foi inicialmente apoiada no Congresso, depois de proposição da deputada Tabata Amaral (PSB-SP)
O seu artigo 2º determina que trinta por cento das vagas nos conselhos de administração de determinadas empresas serão ocupadas por mulheres. No inciso I, define-se com clareza que se enquadram nesta hipótese tanto empresas públicas, quanto sociedades de economia mista, além de subsidiarias, controladas e empresas em que a administração detenha maioria do capital votante.
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O inciso II, por sua vez, fala em companhias abertas. Também diz, porém, que a adesão à regra por parte dessas empresas é facultativa, ainda que o artigo 6º ressalte que poderão ser definidas medidas adicionais que incentivem as companhias a seguirem esse caminho.
Vale ainda ressaltar que dentre as vagas reservadas a mulheres por meio do artigo 1º, há uma reserva adicional a mulheres negras ou PCD (também de 30%) no §1º do artigo 2º. O artigo 3º, por sua vez, determina que a adoção das novas disposições poderá ser gradual, enquanto o artigo 9º estabelece um prazo de vinte anos, no qual as determinações deverão ser revisadas. A punição pelo descumprimento vem no artigo 5º: impedimento para que o conselho delibere sobre qualquer matéria.
Foram implementadas mudanças no artigo 133 da Lei das SAs, abordando a definição de uma política de equidade nas companhias abertas, que deverá abordar:
quantidade e proporção de mulheres contratadas e respectivo nível hierárquico,
quantidade e proporção de mulheres em cargos de administração,
demonstrativos de remuneração dessas profissionais; e
evolução destes indicadores. Ou seja, como dito, a adoção das regras de cotas por esse grupo não é obrigatória, mas passa a ser compulsório o acompanhamento de algumas variáveis de gênero.
Não é incomum que a aprovação de leis de cotas venha acompanhada de questionamentos, e não foi diferente aqui. Em muitos casos, o debate gira em torno da efetividade do mecanismo para alcançar os objetivos pretendidos – o que certamente é uma discussão válida. Em outros, o questionamento é voltado a uma preocupação com o impacto que as regras podem ter na seleção dos melhores profissionais.
No que diz respeito à efetividade do estabelecimento de obrigações que reservam vagas a grupos minorizados, fato é que, não obstante os mecanismos tenham falhas, há dados contundentes demonstrando que este tipo de política pública funciona. Estudos que analisam a Lei de Cotas (Lei 12.711/2021) e a reserva de vagas em universidade públicas, por exemplo, confirmam que a inclusão ocorreu e, não obstante muitos desafios permaneçam, os resultados são expressivos.
Na Universidade de São Paulo, os dados demonstram que alunos que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas oriundos de ensino médio público foram de 11% do total do alunado, em 2016, para quase 22% em 2022.
Já em relação ao aspecto “anti-meritocrático” das iniciativas, a discussão parece algo superada. Certamente o discurso ainda movimenta paixões, mas cada vez mais encontra obstáculos. Ocorre que já está mais que comprovado que a menos que algumas políticas forcem a inclusão, o gap (ou melhor, o verdadeiro abismo) levará dezenas de anos para ser fechado – segundo o Global Gender Gap Report de 2024, do Fórum Econômico Mundial, mais especificamente 134 anos.
Não porque mulheres, pessoas negras, portadores de deficiência ou qualquer outro grupo alvo das medidas seja de fato menos capaz em qualquer sentido relevante da palavra, mas apenas e tão somente porque não existe absolutamente qualquer incentivo para que se compartilhem privilégios socialmente enraizados. A menos que se criem obrigações para que a diversidade se imponha, ela caminhará a passos lentos, particularmente em ambientes de poder.
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Uma demonstração cabal do problema é a representatividade de gênero na política no caso brasileiro. Mesmo depois das cotas de gênero terem sido estabelecidas na lei eleitoral, os mecanismos de fraude e o estabelecimento de candidaturas fictícias são numerosos.
Dessa forma, ainda que certamente seja possível – e inclusive saudável – discutir os limites do alcance da nova lei, buscar seu aprimoramento, preocupar-se com os impactos ao Direito Societário e acompanhar com cuidado seus resultados concretos, a fim de verificar se têm sido satisfatórios, é importante que isso não se confunda com uma crítica aos fundamentos da norma e nem com as políticas de cotas em si mesmas.
Essas ferramentas têm sido fundamentais para que se atinjam resultados concretos no avanço da igualdade e da diversidade no Brasil, ainda que a passos mais lentos do que o ideal.
Como já diria Fábio Comparato, os juristas justificam sua utilidade social na medida em que conseguem desenvolver “novos padrões exegéticos de realização de justiça, sem desrespeito ao princípio da supremacia da lei sobre a vontade individual do intérprete”.[1] Parece uma boa oportunidade de mais uma vez aplicarmos a lição do professor e buscarmos atuar como engenheiros sociais.
[1] COMPARATO, F. K. Função Social do Jurista no Brasil Contemporâneo, p. 130.