A Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/2006) foi alterada em 2022 para permitir expressamente a geração e comercialização de créditos de carbono em florestas sob concessão.
Essa mudança abriu caminho para que União, estados e até municípios passassem a olhar o mercado de carbono como uma alternativa para atrair investimentos sustentáveis e promover restauração e conservação de florestas públicas, com benefícios sociais e econômicos às comunidades locais – quando existentes – e do entorno.
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No entanto, os primeiros movimentos de estruturação contratual dessas concessões ainda têm refletido, em grande parte, premissas importadas de setores tradicionalmente regulados, como infraestrutura, energia e saneamento. Ocorre que, diferentemente desses setores, o mercado de carbono é extremamente volátil e incerto — tanto em termos de precificação quanto de liquidez dos ativos.
Nas concessões de rodovias ou saneamento, por exemplo, há métricas historicamente consolidadas e uma previsibilidade considerável de receita, seja pelo fluxo de veículos em estradas, seja pelo número de ligações domiciliares de água e esgoto. Essa previsibilidade permite que investidores tracem modelos robustos de viabilidade e aceitem compromissos relevantes como a prestação de garantias desde a fase de proposta, assim como compromissos de outorga fixa. O fluxo de caixa esperado é, em regra, estável e contínuo ao longo da vigência contratual.
Esse não é o caso do mercado voluntário de carbono, que é o cenário que temos hoje no Brasil, enquanto segue pendente a regulação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões). O preço dos créditos oscila em função de variáveis geopolíticas, climáticas, regulatórias e reputacionais. Além disso, não há garantia de venda dos ativos gerados — o que torna arriscado impor ao concessionário compromissos financeiros fixos, como uma outorga estipulada antecipadamente.
Outorgas e estruturas adaptadas à lógica do carbono
Frente a essa realidade, é necessário repensar a forma de remuneração do poder concedente. Um modelo híbrido, por exemplo, poderia prever:
Outorga variável vinculada à venda efetiva dos créditos de carbono, reduzindo o risco de desequilíbrio financeiro do concessionário;
Outorga em créditos de carbono, permitindo que, na ausência de comercialização, a concessionária transfira parte dos créditos gerados ao poder público;
Períodos de carência nos primeiros anos da concessão, para o caso de projetos de restauração florestal, durante os quais não sejam exigidas contrapartidas financeiras, permitindo a maturação do projeto. Nesse caso, o período de carência precisaria se encerrar quando a geração de carbono se iniciasse, porque no caso de reflorestamento, a concessionária está sob diversos riscos de ter a geração postergada, como o caso de insucesso de plantio.
Além disso, é fundamental que os contratos reflitam as exigências técnicas das metodologias de certificação. Como exemplo, a maioria delas impõe duração mínima de 40 anos para os projetos, e essa duração precisa estar compatibilizada com o prazo da concessão e, sobretudo, com a data de início do contrato. Se a estrutura contratual não estiver alinhada com os marcos metodológicos, o projeto corre o risco de não ser validado pelas certificadoras, comprometendo sua viabilidade.
Previsibilidade e segurança como condição para o investimento
Outro ponto relevante é o descompasso entre o horizonte de tempo das concessões e a baixa previsibilidade do mercado. Assumir compromissos rígidos com base em expectativas de preço e demanda para 10, 20 ou 40 anos é incompatível com a atual maturidade do mercado de carbono. É por isso que investidores e desenvolvedores de projetos demandam contratos mais flexíveis, que reflitam essa incerteza e permitam a adaptação das obrigações ao longo do tempo.
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Para que as concessões florestais sejam uma ferramenta efetiva no enfrentamento às mudanças climáticas e contribuam com as metas brasileiras de redução de emissões (NDCs – Contribuições Nacionalmente Determinadas), será necessário aprofundar o diálogo entre o setor público e os agentes do mercado de carbono. Entender as particularidades da geração e comercialização de créditos, traduzir essas características para os contratos e adaptar as exigências às realidades do setor são passos essenciais.
A boa vontade institucional já está presente,o que representa um avanço relevante. O próximo desafio é técnico, jurídico e institucional: construir contratos que alinhem segurança jurídica, atratividade financeira e impacto ambiental positivo, garantindo que o instrumento da concessão florestal se consolide como um canal viável para atrair investimento climático de longo prazo para as áreas protegidas no Brasil.