É muito comum ouvirmos a máxima de que “existem muitos impostos no Brasil”. PIS, Cofins, IR, CSLL, Cide, IPTU: na sopa de letrinhas tributária, tudo vira imposto. O que muita gente não sabe, porém, é que o país possui cinco tipos diferentes de tributos, com destinação e formas de cobrança diferentes. Até mesmo o ente responsável pela cobrança, se União, estados ou município, varia de tributo a tributo.
Como quase tudo quando o assunto é tributação, porém, a definição de quais são os tributos existentes não é tão simples. A doutrina mais recente defende que são cinco: impostos, taxas, contribuições especiais, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios. A palavra tributo, por sinal, é uma espécie de “guarda-chuva”, podendo ser utilizada para se referir a impostos, taxas etc.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
A “falta de consenso” sobre o assunto acontece pelo fato de o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição trazerem que são três os tipos de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhorias. Os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais constam no código e na Carta Magna, porém em outros dispositivos. Com o tempo, entretanto, acadêmicos e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) os “alçaram” à condição de tributos.
Para Isabelle Rocha, professora de Direito Tributário, mestra em Direito Público pela PUC de Minas Gerais e conselheira da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), saber as especificidades de cada tributo gera cidadãos mais críticos e conscientes. “As pessoas não sabem nem que estão pagando impostos nos produtos que estão comprando. Quando você começa a entender minimamente esses detalhes você não cai em fake news”, diz.
Já a professora de Direito Tributário da FGV e procuradora da Fazenda Nacional Juliana Furtado defende que o conhecimento sobre os diferentes tipos de tributos auxilia as pessoas a compreender o porquê da necessidade de pagar impostos, taxas e contribuições. “As crianças deveriam ter desde pequenas uma matéria na escola chamada educação fiscal, para elas entenderem que cada tributo tem uma característica e que cada tributo é cobrado para uma finalidade”, afirma.
Impostos
Os impostos são provavelmente os tributos mais conhecidos no país. Eles têm como característica geral o fato de não terem uma destinação específica, ou seja, a arrecadação advinda deles vai para os cofres públicos da União, dos estados e municípios.
Isabelle Rocha destaca que é comum que pessoas associem os impostos a determinados serviços públicos, mas essa ligação não existe. “IPVA, por exemplo, não é para consertar estrada. O IPVA é para fazer cofre de orçamento público. A receita dos impostos não pode ter destinação específica, e os impostos também não estão vinculados a nenhuma atividade estatal”, detalha.
Todos os entes públicos – União, estados e municípios – podem instituir impostos. Ainda, todos os tributos deste tipo estão na Constituição, e, com exceção de quatro, todos estão em vigor. Para que seja criado um novo imposto, assim, é necessária uma emenda constitucional.
Ainda, a própria Constituição prevê quais impostos serão de competência da União, dos estados e dos municípios. A primeira é responsável, por exemplo, pelo Imposto de Renda (pessoa física e jurídica), Imposto de Importação, Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF).
As unidades federativas, por sua vez, ficam, entre outros, com o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Já os municípios são responsáveis por cobrar o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!
Existem quatro impostos que, apesar de previstos, não estão em vigor, por motivos distintos. O primeiro é o Imposto Sobre Grandes Fortunas, que apesar de constar na Constituição nunca foi regulamentado. Ainda, a Carta Magna prevê a possibilidade de instituição de um imposto extraordinário na iminência ou no caso de guerra externa. Por sorte, esse tributo não está em vigor no momento.
O terceiro e quarto impostos previstos na Constituição que – ainda – não estão em vigor são o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS), criados no âmbito da reforma tributária.
O IBS, que substituirá o ICMS e o ISS, será de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e entrará em vigor de forma gradual a partir de 2029, estando completamente em vigor em 2033. Já o IS começará a valer em 2027, e incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como produtos do fumo, veículos e bebidas alcoólicas e açucaradas.
Taxas
As taxas diferem-se dos impostos por terem uma utilização específica, ligada à atividade estatal ou ao poder de polícia. Ou seja, todos os recursos arrecadados com esse tipo de tributo devem ser remetidos a uma determinada atividade, que deve estar relacionada ao fato que gerou o pagamento. “Paga a taxa quem usufrui ou quem tem o benefício à disposição”, define Rocha.
Um exemplo é a taxa paga para a emissão de passaportes. “Para tirar o passaporte é necessário pagar uma taxa pelo poder de polícia. Porque a Polícia Federal está avaliando se você cumpre os requisitos”, exemplifica a professora.
No caso do passaporte, o tributo está remunerando o poder de polícia do Estado. As taxas, entretanto, também podem fomentar um serviço público, como é o caso das taxas de coleta de lixo ou de combate a incêndios. Nesses casos, porém, os serviços devem ser específicos e divisíveis, o que significa que sua utilidade pode ser destacada de forma autônoma e individualizada.
Esse caráter divisível das taxas, assim como disparidades entre o valor do tributo e o preço do serviço prestado, são frequentemente analisados pelo STF. O tribunal tem considerado que tributos deste tipo que remuneram serviços amplos, para todos os cidadãos, são inconstitucionais.
Um exemplo são as taxas de iluminação pública e da limpeza pública, consideradas irregulares pelo Supremo sob o argumento de que não podem ser divididas e vinculadas a determinados contribuintes.
“O que você paga de taxa não é para financiar um serviço público geral”, diz Furtado. A professora destaca que hoje existe na Constituição a previsão de criação de uma contribuição de iluminação pública pelos municípios e pelo Distrito Federal, que substitui esse tipo de taxa.
Importante destacar que as taxas podem ser cobradas até mesmo pelo potencial uso do serviço. Ou seja, o contribuinte não precisa necessariamente usufruir do serviço público relacionado ao tributo para ter que pagá-lo.
Apesar de as taxas, assim como as contribuições especiais, conforme será visto à frente, terem destinação certa, a própria Constituição prevê uma espécie de exceção a essa regra.
A permissão consta nos artigos 76, 76-A e 76-B do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que preveem que até 2032 30% da arrecadação de determinados tributos fica desvinculada de órgão, fundo ou despesa. No caso da União, a possibilidade abrange contribuições e taxas. Já para as unidades federativas e municípios estão desvinculados os valores arrecadados com impostos, taxas e multas.
Contribuições de melhoria
O terceiro tipo de tributo originalmente previsto na Constituição e no CTN é a contribuição de melhoria. Trata-se, porém, de um tributo tão complexo e questionável que as especialistas consultadas pelo JOTA acreditam que não esteja em vigor em nenhum lugar do Brasil.
A contribuição de melhoria pode ser cobrada de contribuintes cujos imóveis passaram por uma valorização imobiliária decorrente de uma obra pública. “Ele [contribuinte] foi beneficiado, e não toda a população. Então ele pode ser chamado a pagar um valor proporcional ao benefício que ele recebeu por conta da obra pública”, diz Furtado.
Por sua característica, porém, esse tipo de tributo é difícil de ser calculado e facilmente questionável. Isso porque é difícil calcular exatamente a valorização imobiliária gerada por uma obra pública.
Isabelle Rocha cita como exemplo um imóvel que foi valorizado pela construção de um estádio. “Se o estádio foi construído com dinheiro municipal, por exemplo, o município pode criar uma contribuição de melhoria. Aí tem uma série de requisitos [para cobrança], é bem detalhado, e por isso também é muito difícil [de cobrar], porque o total de contribuição arrecadada tem que corresponder ao tanto de valorização imobiliária que aconteceu naquela região”, afirma.
Contribuições especiais
A contribuição especial é provavelmente um dos tributos mais complexos entre os existentes atualmente, já que abarca vários tipos de cobranças, com características distintas . Assim como a taxa, esse tipo de contribuição também é “carimbada”, ou seja, toda sua arrecadação deve ser destinada a uma determinada finalidade. Diferentemente da taxa, porém, a contribuição não deve ser recolhida apenas por quem usufrui do serviço.
Atualmente existem vários tipos de contribuições. As mais conhecidas são as contribuições sociais, como por exemplo a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que são voltados ao financiamento da seguridade social. A Contribuição Previdenciária também entra nessa categoria, e tem como destinação a Previdência Social.
Outros exemplos são as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cides) e as contribuições ao Sistema S (Sesi, Senac, Senai, entre outros). Essas últimas são categorizadas como contribuições de interesse de categorias econômicas.
A maioria das contribuições são de competência da União. Todos os entes da federação, entretanto, podem instituir contribuições para financiamento da previdência de seus servidores, enquanto os municípios e o Distrito Federal têm a capacidade de cobrar contribuições de iluminação pública.
Assim como no caso dos impostos, também há na Constituição uma contribuição que foi criada pela reforma tributária e ainda não está em vigor. Trata-se da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), que será de competência da União e começará a ser cobrada em 2027. O tributo substituirá o PIS, a Cofins e parcialmente o IPI.
Empréstimos compulsórios
Por fim, o empréstimo compulsório é um mecanismo que atualmente não está vigente no país, apesar de já ter sido utilizado no passado. Esse tipo de tributo pode ser instituído pela União para atender a despesas extraordinárias, como em casos de calamidade pública ou guerra ou no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.
Um empréstimo compulsório é, literalmente, o que diz seu nome: os contribuintes são obrigados a emprestar um valor, que posteriormente deve ser devolvido a eles. O problema, em geral, está na devolução. E por isso, de acordo com Juliana Furtado, esse é um tipo de tributo de difícil aplicação e que gera muito contencioso.
A procuradora lembra que no final da década de 1980 o governo instituiu um empréstimo compulsório sobre os combustíveis, que incidia na compra e no abastecimento de veículos. Nunca houve, porém, a restituição dos valores aos consumidores. “Os contribuintes pagaram o empréstimo compulsório ao comprar um carro. Quando eles pediam para devolver esse empréstimo compulsório, a União não devolvia, e eles tinham que entrar na Justiça. Era um contencioso gigantesco”, diz.
Outro exemplo relacionado a esse tipo de tributo é o empréstimo compulsório da Eletrobras, cobrado de pessoas físicas e jurídicas entre 1964 a 1993 com o objetivo de arrecadar recursos para a expansão do setor elétrico. Os contribuintes pagavam o valor por meio de suas contas de luz, com a promessa de reaver o montante em no máximo 20 anos.
O principal problema neste caso, porém, foi a correção monetária dos valores devolvidos. Com a alta inflação principalmente na década de 1990, muitos contribuintes acabaram recebendo cifras desatualizadas, o que gerou um enorme contencioso.
A judicialização do tema foi enorme. Prova disso é o fato de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possuir 20 teses firmadas em recursos repetitivos sobre o tema, tratando entre outros pontos da forma de cálculo dos juros e da correção monetária dos valores a serem devolvidos. O repetitivo mais recente sobre o assunto (Tema 963) foi analisado em 2019, quando a 1ª Seção definiu que a União não deve arcar com parte dos valores devolvidos aos consumidores.
Apesar da complexidade relacionada aos empréstimos compulsórios, em 2020 foram levantados debates em torno da possibilidade de instituição de um tributo nesses moldes frente à pandemia de Covid-19. A proposta, porém, não foi para frente.
Créditos e anterioridade
Há duas características importantes dos tributos que independem do fato de eles serem impostos, taxas ou contribuições. Alguns deles geram créditos, ou seja, são não cumulativos. Ainda, a Constituição prevê formas distintas de entrada em vigor dos tributos, prevendo uma categoria de tributos denominada extrafiscal. Nestes casos, os impostos ou contribuições não têm apenas função arrecadatória, mas também regulatória.
Começando pela não cumulatividade, ela é uma categoria que abrange tributos que geram créditos. Assim, cada operação gera um valor que poderá ser utilizado futuramente pelo contribuinte, em outras operações. Essa forma de cálculo dos tributos é vista como mais efetiva por tributaristas, já que evita a cobrança em cascata ao longo da cadeia produtiva. Não por acaso, a reforma tributária é pautada no creditamento amplo de CBS e IBS, e quase tudo que for adquirido pela empresa gerará créditos.
Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email
Hoje, são não cumulativos o ICMS e o IPI. O PIS e a Cofins têm uma característica dupla, tendo tanto um regime cumulativo quanto um regime no qual os contribuintes podem tomar créditos.
Por fim, impossível falar em tributos sem citar dois conceitos frequentes quando o assunto é tributação: a noventena e a anterioridade anual. Esses dois termos definem a partir de quanto tempo após a criação ou majoração de um tributo ele pode efetivamente valer.
De acordo com o artigo 150, inciso III, alíneas a e b da Constituição, estão sujeitos à noventena, ou seja, devem valer no mínimo 90 dias após sua criação ou majoração, o IPI, as contribuições sociais, a Cide-Combustíveis e o ICMS incidente sobre os combustíveis.
Estão sujeitos à anterioridade anual, ou seja, seu aumento ou criação só pode valer a partir do exercício financeiro seguinte, o Imposto de Renda e a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU. Ainda, as taxas, o ICMS (exceto para combustíveis), o ISS, o ITR, o ITCMD, o ITBI e a fixação de alíquotas do IPVA e IPTU devem obedecer tanto à noventena quanto à anterioridade anual.
Por fim, há tributos que não precisam obedecer a nenhuma anterioridade, ou seja, podem valer imediatamente após alterados. São os denominados extrafiscais, tributos que, elevados ou reduzidos, podem influenciar no consumo e comportamento da população ou incrementar os cofres públicos em situações extraordinárias. Entram nessa categoria o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o IOF, os empréstimos compulsórios e o Imposto extraordinário na iminência ou no caso de guerra externa.