Audiências públicas no STF
O Supremo Tribunal Federal tem utilizado variadas técnicas dialógicas e participativas no tratamento dos casos submetidos à sua competência, como reuniões técnicas, audiências de conciliação, mediação e contextualização, além das audiências públicas.
As reuniões técnicas e as audiências de conciliação, mediação e contextualização, designadas pelos gabinetes dos ministros, podem contar com o apoio do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol/STF), entidade especializada que integra a Assessoria de Apoio à Jurisdição, subordinada à Secretaria-Geral da Presidência. O painel estatístico[1] disponibilizado no site do STF demonstra o aumento da atuação do Nusol nessas atividades.
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A novidade mais recente foi a solicitação, por parte dos ministros, do auxílio do Nusol em audiências públicas, agregando mais uma atribuição ao Núcleo.
No STF, a realização das audiências públicas é disciplinada pelo art. 9º, § 1º, da Lei 9.868/99 e pelo art. 6º, § 1º, da Lei 9.882/99, que tratam do processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental.
A alteração do Regimento Interno do STF, pela Emenda Regimental 29/2009, passou a prever, como competência do presidente (art. 13, XVII) ou do relator (art. 21, XVII), a possibilidade de convocação de audiências públicas para“[…] para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante […]” debatidas no âmbito do tribunal.
Já o art. 154, parágrafo único, do RISTF dispõe sobre o procedimento da audiência pública: i) o despacho que a convocar será amplamente divulgado e fixará prazo para a indicação das pessoas a serem ouvidas; ii) havendo defensores e opositores relativamente à matéria objeto da audiência, será garantida a participação das diversas correntes de opinião; iii) caberá ao ministro que presidir a audiência pública selecionar as pessoas que serão ouvidas, divulgar a lista dos habilitados, determinando a ordem dos trabalhos e fixando o tempo que cada um disporá para se manifestar; iv) o depoente deverá limitar-se ao tema ou questão em debate; v) a audiência pública será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça; vi) os trabalhos da audiência pública serão registrados e juntados aos autos do processo, quando for o caso, ou arquivados no âmbito da Presidência; e vii) os casos omissos serão resolvidos pelo ministro que convocar a audiência.
O Código de Processo Civil, ao tratar do julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos, também prevê, no art. 1.038, II, a possibilidade de o relator “[…] fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento”.
Desde a primeira audiência pública realizada no STF, ocorrida em 20 de abril de 2007 e convocada pelo ministro Ayres Britto, relator da ADI 3510, que impugnava dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), já foram realizadas outras 43, totalizando 44, sendo que ainda há outras duas previstas.
A primeira delas está marcada para o próximo dia 26 de agosto, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7788, relatada pelo ministro Cristiano Zanin, que discute as regras sobre a publicidade de alimentos considerados nocivos à saúde e de medicamentos.
A segunda, em 10 de setembro, no Recurso Extraordinário com Agravo 1532603, com repercussão geral (Tema 1.389), relatado pelo ministro Gilmar Mendes, que engloba três controvérsias submetidas à apreciação do Supremo: a licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços (a chamada pejotização), à luz da jurisprudência do STF; a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute fraude nesse tipo de contrato; e o ônus da prova relacionado à alegação de fraude, a fim de averiguar se essa responsabilidade é do autor da reclamação trabalhista ou da empresa contratante[2].
Atuação do Nusol nas audiências públicas
O Nusol/STF foi inicialmente concebido para atuar em três frentes: i) no auxílio à triagem de processos que, por sua natureza, permitam a solução consensual; ii) na realização ou no apoio à realização de sessões de conciliação ou mediação, ou com o uso de outro método adequado de tratamento de controvérsias, por solicitação do relator; e iii) na promoção da cooperação judiciária, sempre consensual, entre STF e demais órgãos do Poder Judiciário, bem como com outros atores do sistema de justiça e da sociedade civil organizada.
Durante a gestão do ministro Luís Roberto Barroso na Presidência, o Núcleo expandiu suas atividades, e os gabinetes passaram a demandar apoio também em reuniões técnicas e, mais recentemente, em audiências públicas.
Além do suporte prestado nas audiências de conciliação, mediação e contextualização[3], houve, pela primeira vez, solicitação de apoio do Nusol na audiência pública das ADIs 7688, 7695 e 7697, de relatoria do ministro Flávio Dino, sobre a obrigatoriedade de execução de emendas parlamentares individuais e de bancada de caráter impositivo. O evento ocorreu em 27/6/2025, das 9h às 17h, na sala de sessões da 2ª Turma do STF.
Diante disso, o Núcleo auxiliou nos atos preparatórios, que incluiu o apoio: i) na logística da realização da audiência, com reuniões técnicas com o gabinete e outros setores envolvidos, como cerimonial, comunicação, segurança etc.; ii) na organização dos expositores inscritos; iii) na confecção da ata da audiência; e iv) participação do ato.
Depois, no ARE 1.425.370, também sob relatoria do ministro Dino, cuja controvérsia central é delimitar o alcance da proteção constitucional atribuída à pesquisa e exploração de riquezas minerais em Terras Indígenas e seu entorno, foi determinada a realização de audiência pública na Terra Indígena Roosevelt, com o objetivo de ouvir o povo Cinta Larga.
A audiência será conduzida pelos juízes auxiliares do gabinete, com apoio do Nusol e do Núcleo de Processos Estruturais Complexos (Nupec). Devido à sensibilidade do tema, foi marcada uma reunião técnica preparatória para os dias 22 e 23 de julho, na cidade de Porto Velho (RO), também com participação do Nusol.
O ministro Gilmar Mendes também solicitou apoio do Nusol para a audiência pública de 10 de setembro, no ARE 1.532.603 (Tema 1.389), sobre a pejotização. Em aprimoramento à experiência anterior, o Nusol solicitou ao Núcleo de Análise de Dados e Estatística (Nuade), órgão que integra a Assessoria de Apoio à Jurisdição (AAJ), a criação de um formulário eletrônico e um QR Code para inscrição dos interessados em participar da audiência, o que constou da decisão convocatória.
Com isso, as inscrições, antes realizadas apenas por email, passaram a ser padronizadas, facilitando os trabalhos do gabinete. O email do Nusol também foi disponibilizado para esclarecimento de dúvidas.
O futuro do Nusol/STF
A criação do Nusol proporcionou, para o público interno do STF, um avanço estrutural considerável na prestação de auxílio aos gabinetes nas atividades de solução consensual de conflitos. Já para o público externo, o painel de estatística disponibilizado pelo Núcleo possibilita transparência e acompanhamento dos acordos, das audiências, dos atos de cooperação judiciária realizados pelo órgão.
As reuniões técnicas e audiências públicas constituem novas atribuições solicitadas pelos gabinetes e absorvidas com entusiasmo pelo Nusol, demonstrando a sua relevância no apoio à jurisdição do STF.
Essas inovações são acompanhadas de outras modernidades da corte, como a recente criação do Laboratório de Inovação do STF (STFLab), instituído pela Resolução 871, de 29 de maio de 2025, que visa “[…] fomentar a cultura de inovação institucional no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), promovendo o desenvolvimento de soluções que aprimorem a prestação jurisdicional, a eficiência administrativa, a transparência, o acesso à justiça e a sustentabilidade, gerando valor público para a sociedade” (art. 1º).
Desse modo, além de o STF atuar como um tribunal multiportas[4] – que disponibiliza diferentes formas de solução de conflitos (adjudicatórias e consensuais) e o uso de variadas técnicas –, ele também tem aprimorado seus serviços para que a prestação jurisdicional seja cada vez mais justa, adequada e eficiente.
Espera-se, assim, que o desenvolvimento do Nusol e suas atividades sejam cada vez mais ampliados e aperfeiçoados como uma política judiciária permanente do STF.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL). Disponível em: Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br). Acesso em 20 jul. 2025.
[2] Disponível em: Audiências públicas | Portal STF. Acesso em: 20 jul. 2025.
[3] Sobre o tema, cf. NAVARRO, Trícia. Audiência de contextualização: um novo formato de diálogo processual. Disponível em: Audiência de contextualização: um novo formato de diálogo processual. Acesso em 21 jul. 2025.
[4] CABRAL, Trícia Navarro Xavier; CASIMIRO, Matheus; Edokawa, Pâmella Sada Dias. Inovações no STF: um Tribunal Multiportas. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/inovacoes-no-stf-um-tribunal-multiportas-20122023. Acesso em 8 mar. 2025.