ATBC 2025: ciência viva e conectada

Maior evento mundial da área, a 61ª Reunião Anual da Associação para Biologia Tropical e Conservação (ATBC, na sigla em inglês), em Oaxaca, no México, contou com a participação do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

O evento científico reuniu cerca de 400 pesquisadores do mundo todo para discutir a conservação dos ecossistemas tropicais. Com o tema Biologia Tropical e Conservação para um Mundo Sustentável, as plenárias abrangeram diversas disciplinas e temas da biologia tropical, desde ecologia de plantas e interação solo-vegetação até governança ambiental e conservação participativa. 

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A delegação do IPAM tinha dez pesquisadores que trouxeram não apenas os resultados mais recentes de pesquisas acadêmicas, mas também a experiência prática na aplicação desses conhecimentos em campo, demonstrando como evidências científicas podem e devem ser utilizadas e comunicadas no âmbito político e governamental. 

Durante o evento, ocorrido entre os dias 29 de junho e 4 de julho, estudiosos do mundo todo destacaram os desafios crescentes enfrentados pelas florestas tropicais diante do avanço do desmatamento, da degradação e das mudanças climáticas. Combinando avanços tecnológicos, dados de campo, modelagem e conhecimento tradicional, foram apresentadas soluções integradas para compreender a vulnerabilidade desses ecossistemas em diferentes regiões.  

Entre as apresentações do IPAM estavam iniciativas como a rede MapBiomas, que vem revolucionando o monitoramento do uso da terra em países tropicais com mapas anuais de alta resolução, além de estudos sobre regimes de fogo, fundamentais para entender a dinâmica e os riscos que ameaçam a estabilidade dessas florestas. As discussões reforçaram a importância da ciência colaborativa para orientar políticas públicas e ações de adaptação frente às pressões globais. 

Especificamente sobre a Amazônia, as discussões se aprofundaram nos efeitos das secas extremas que têm provocado estresse hídrico nas plantas, aumento da mortalidade de árvores e incêndios mais severos. Foram evidenciados os efeitos em cascata que essas secas geram sobre a biodiversidade, o ciclo do carbono e o clima regional.  

A contribuição do IPAM foi essencial para demonstrar como áreas protegidas, em especial terras indígenas, vêm sendo desproporcionalmente impactadas por incêndios florestais, inclusive nos anos críticos de 2023 e 2024. Os estudos apresentaram dados sobre a perda de biodiversidade e de carbono, além dos desafios que a degradação impõe à implementação de políticas como o REDD+, ao subestimar emissões provenientes de áreas afetadas por fogo.

Também foi debatida a limitação da ideia de um ponto único de não retorno para a floresta amazônica. Em vez disso, defendeu-se a compreensão da Amazônia como um sistema dinâmico e complexo, influenciado por múltiplos estressores interligados, como desmatamento, mudanças climáticas e incêndios florestais. Essa perspectiva destaca que colapsos ecológicos podem ocorrer de forma gradual ou localizada, e não necessariamente de maneira abrupta e uniforme.  

Diante dessa complexidade, é essencial reconhecer a relevância de toda e qualquer ação de conservação, seja grande ou pequena, com efeitos de curto ou longo prazo. 

Já no debate sobre os ecossistemas tropicais abertos, como o Cerrado, a atenção se voltou à urgência de frear a degradação acelerada causada pelo avanço agropecuário e pela falta de políticas eficazes de conservação. A perda de vegetação nativa tem comprometido funções ecológicas cruciais, como a regulação do ciclo hídrico e climático, e afetado diretamente comunidades tradicionais.  

O IPAM contribuiu com estudos sobre os impactos de diferentes regimes de fogo na biodiversidade, evidenciando a necessidade de estratégias adaptativas de manejo. Também foi trazida à tona a centralidade dos povos e comunidades tradicionais, com o projeto Tô no Mapa, na gestão do fogo e dos territórios, reforçando o valor dos saberes locais para políticas de conservação mais justas e eficazes.   

Além disso, foi apontada uma grave crise hídrica no Cerrado, vinculada à conversão do solo e à construção de barragens. As discussões reforçaram a necessidade de ações integradas que articulem ciência, governança ambiental e justiça socioambiental para garantir a sustentabilidade desse bioma. 

Além das apresentações em plenárias, o evento contou com a realização de uma oficina promovida pelo Programa de Conservação e Desenvolvimento Tropical da Universidade da Flórida, dedicada a refletir sobre o funcionamento e fortalecimento de redes de colaboração voltadas à conservação. A atividade destacou a importância dessas articulações para ampliar o alcance e a efetividade das ações em contextos tropicais.  

Paralelamente, foi iniciada a construção de uma rede de pesquisadores sobre fogo no Brasil, com o objetivo de impulsionar a produção científica e integrar esforços em torno da gestão e prevenção de incêndios florestais.

É uma resposta à crescente frequência de eventos extremos e aos desafios impostos por cenários políticos futuros, buscando também apoiar a implementação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo no Brasil. A presença de diversos resultados e análises apresentados ao longo do evento, conectam ciência, prática e políticas públicas em prol da conservação. 

Pessoalmente, a experiência como jovem pesquisadora vai para além dos aprendizados acadêmicos e do desafio (e conquista!) de comunicar ciência em outro idioma. Talvez a lição mais marcante tenha surgido de forma despretensiosa, durante um almoço com colegas de diferentes fases da vida. Conversávamos sobre trajetórias e vínculos que permanecem, e como essas trocas nos moldam.

Na palestra do segundo dia, a pesquisadora Berta Martín-López usou uma metáfora potente: a micorrização dos fungos, que conecta árvores e permite a redistribuição de nutrientes, como forma de ilustrar os paradigmas relacionais na condução de pesquisas e seus impactos na conservação. Essa imagem ficou comigo. Me fez olhar com mais atenção para a maneira como me relaciono com a ciência, e reconhecer que minha formação é feita não só por teorias e métodos, mas pelas pessoas com quem compartilho o caminho, dentro e fora da academia. 

As conexões que construímos e cultivamos ao longo da vida não definem apenas onde estamos ou podemos chegar, mas também influenciam profundamente a forma como enxergamos a ciência e imaginamos o impacto do que produzimos. Participar de eventos como a ATBC nos oferece a chance de fortalecer esses vínculos, trocar experiências e ampliar horizontes. No fim das contas, é nessas trocas que a ciência ganha vida, sentido e direção.  

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