Até onde Donald Trump pode ir nas sanções contra o Brasil?

Em 9 de julho, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, e, na mesma carta, alegou haver “caça às bruxas” no julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida marcou o início de uma ofensiva política e comercial que continuou na última quarta-feira (17/7), quando governo dos EUA iniciou uma investigação sobre supostas “práticas desleais” no comércio brasileiro. 

Na última sexta-feira (18)/7, após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinar uma série de medidas cautelares contra Bolsonaro, incluindo monitoramento por tornozeleira eletrônica, o governo republicano revogou o visto dos EUA de sete ministros do STF, além do procurador-geral da República Paulo Gonet. O comportamento errático de Donald Trump levanta uma questão relevante: até que ponto as retaliações contra o Brasil podem ir?

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Caso o governo Trump decida levar as tensões às últimas consequências, o resultado seria uma ruptura sem precedentes na relação bilateral com um país democrático – e, portanto, improvável, segundo especialistas ouvidos pelo JOTA. Esse cenário poderia incluir medidas como embargo comercial total, suspensão de exportações, congelamento de ativos brasileiros nos EUA, e proibição de relações comerciais com empresas dos EUA. 

“Mas, recentemente, isso só aconteceu em cenários muito extremos, como as sanções à Rússia com a invasão à Ucrânia”, diz Welber Barral, conselheiro da BMJ Associados e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil entre 2007 e 2011. Hoje, apenas Cuba, Coreia do Norte e Irã estão em embargo total ou quase total pelos EUA – mesmo a Rússia ainda mantém relações comerciais com parceiros dos EUA. Se Trump decidisse seguir por esse caminho, o Brasil seria a única democracia a participar dessa lista.

Nesse caso extremo, um dos impactos mais sensíveis seria o corte no acesso a tecnologias críticas, como o sistema de GPS –  que é controlado pelo Departamento de Defesa dos EUA–, chips semicondutores com design norte-americano, softwares de operação e sistemas de nuvem como AWS, Microsoft Azure e Google Cloud, usados amplamente por empresas brasileiras. Sistemas de pagamento internacionais, como Visa e Mastercard, também poderiam ser suspensos.

Assim, a perda seria generalizada, dos dispositivos agrícolas até a aviação civil, até que o Brasil conseguisse encontrar alternativas – que envolveriam alto investimento em adaptação e infraestrutura, além de negociação com outros países. No caso do sistema GPS, por exemplo, há sistemas semelhantes, como o de origem russa, o chamado Glonass, o chinês BeiDu, ou mesmo o Galileo, da União Europeia.

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Para as operadoras de pagamento, também há opções afastadas dos EUA, como a gigante chinesa UnionPay que acabou de chegar ao país. No caso dos sistemas de nuvem, as opções também vêm da China e da Rússia, com Alibaba Cloud e Yandex Cloud, respectivamente. Há também o Hetzner Cloud, da Alemanha, mas com suporte limitado a uso em grande escala.

Para Amâncio de Oliveira, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), o pior cenário possível incluiria a exclusão do Brasil no sistema SWIFT, a espinha dorsal do sistema bancário internacional. “Seria uma catástrofe, porque seria suficiente para gerar um default”, diz. “O que nos protege desse cenário é que as empresas americanas que têm investimento no Brasil também perderiam, então é uma conta que os EUA teriam de fazer”.

Uma “tempestade perfeita”, porém também improvável, seria a escalada da tensão incluindo também a União Europeia, diz o professor, com a ligação que os EUA têm com o continente a partir da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). “A Europa não vai entrar em atritos domésticos, como os Estados Unidos fizeram. Mas pode ser que entre porque o Brasil tem comércio próximo com a Rússia em relação a combustíveis, e ela está no embargo contra o país. Então pode ser que alguma pressão venha daí”, diz. “Essa ideia de que os Estados Unidos não são o xerife do mundo é verdade, mas eles ainda têm muito poder internacional para hostilizar o Brasil”.

Outras alternativas de Donald Trump

O passado recente pode nos dar pistas sobre o que é mais provável na pressão bancada pelos EUA – caso Trump tenha interesse e capital político para embarcar nela. Segundo apuração da analista Vivian Oswald, do JOTA, o governo brasileiro está tentando despolitizar a disputa e, assim, negociar, mas ainda não recebeu nenhum sinal positivo dos EUA nesse sentido. 

Mesmo assim, a estratégia dos Estados Unidos ao lidar com rivais ou parceiros que os desagradam raramente começa com um embargo total. Casos como os da China e Venezuela mostram uma lógica de pressão gradual, na qual medidas comerciais e tecnológicas são escaladas conforme o adversário resiste ou contorna as restrições. 

Por exemplo, com a China, Trump iniciou uma guerra comercial em 2018 com tarifas setoriais e, ao longo do tempo, ampliou os bloqueios a empresas estratégicas, como a Huawei, que foi excluída do ecossistema norte-americano Android. No caso da Venezuela, as sanções começaram com restrições financeiras e terminaram com o congelamento de ativos da petroleira PDVSA nos EUA, além de sanções pessoais a integrantes do regime de Nicolás Maduro. Esse modelo permite aos EUA testarem o custo político de cada etapa, acumulando efeito dissuasório sem comprometer de imediato alianças multilaterais ou mercados. 

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Esse histórico sugere que, também para o Brasil, pode acontecer uma escalada progressiva, antes de medidas mais drásticas. Indo mais além na linha do tempo, a pressão contra o Brasil começou ainda no primeiro mandato de Trump, em 2018, quando o governo americano impôs tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio brasileiros, sob o argumento de proteger a segurança nacional. Depois, uma flexibilização foi acordada, com cotas e negociações bilaterais.

“A investigação aberta pelos EUA poderia levar a mais tarifas e, eventualmente, barreiras não-tarifárias. Aí, na parte política, os Estados Unidos poderiam começar a cortar a cooperação na área militar, na área de tecnologia”, explica Welber Barral, que já está atendendo empresas afetadas pelas ameaças da tarifas, com contratos suspensos e pedidos cancelados. O governo de Trump também poderia apostar em medidas como expulsão do corpo diplomático brasileiro, o que fecharia simbolicamente as vias de diálogo. “A primeira opção brasileira é seguir com a negociação, e tentar diversificar a exportação. Se não tiver nenhum tipo de acordo, aí o Brasil vai retaliar”, diz.

Novos velhos amigos

“Trump prometeu, caso o Brasil aumentasse as tarifas, ampliar ainda mais do lado de lá. A tendência é que haja um prejuízo generalizado”, diz Paulo Ramirez, cientista político da ESPM. “Mas o Brasil historicamente sempre nutriu uma grande simpatia de outras nações. Novas alianças serão buscadas, construídas”. O Brasil pode fazer arranjos por meio dos BRICS+, grupo de países emergentes recentemente expandido, mas “não tão rapidamente” quanto a Rússia, que já tinha caminhos estruturados, fez dribles nas sanções pós-guerra, diz Amâncio de Oliveira. 

Barral diz que “exportamos de tudo para os EUA, de manga até avião”, o que significa que o eventual baque tarifário será sentido por todos os setores. Mas a dependência da terra do Tio Sam já foi maior: no início dos anos 2000, os Estados Unidos eram destino de 25% das exportações, um número que já caiu para em torno de 12% hoje, com a China encabeçando a pauta brasileira. Também poderia haver aceleração do acordo Mercosul-União Europeia, como meio de estancar perdas no comércio.

O Brasil também poderia acionar sistemas diplomáticos, como o de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), contestando as medidas unilaterais. “Hoje, 70% das trocas internacionais continuam sendo regulamentadas pela OMC. É importante o Brasil ir por esse caminho, mostrar que continua obedecendo as regras”, diz Welber Barral. “Quem não obedece hoje são os Estados Unidos, e países como Irã e Rússia”. 

No entanto, “a ironia é que os EUA esvaziaram a possibilidade” de recorrer a órgãos como a OMC, diz Amâncio de Oliveira. Desde 2019, o Órgão de Apelação, instância máxima de solução de controvérsias da OMC, está paralisado devido ao bloqueio, pelos próprios EUA, da nomeação de novos juízes. Isso significa que, mesmo que o Brasil obtenha uma decisão favorável em primeira instância, os Estados Unidos poderiam simplesmente recorrer e, com isso, paralisar indefinidamente o processo.

Outra via possível para contestar sanções unilaterais seria recorrer à Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal tribunal das Nações Unidas para disputas entre Estados. No entanto, os Estados Unidos não reconhecem automaticamente a jurisdição obrigatória da Corte. Na prática, isso significa que Washington precisaria consentir com o processo. “São organizações internacionais que, na prática, sem os EUA, não têm dentes”, diz Amâncio de Oliveira, professor da USP.

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