O preço de termos sido um excelente aluno da era da globalização chegou: o presidente americano Donald Trump, o maior inimigo da ordem político-econômica do pós-Guerra Fria, vai impor sanções ao Brasil. Afinal, não há outro nome a ser dado à imposição de tarifas comerciais de 50% ao país pelos Estados Unidos a partir de 1º de agosto.
Isso sem falar em outras medidas que devem ser anunciadas ainda ao longo desta semana como fruto da articulação do deputado federal licenciado Eduardo “Bananinha” Bolsonaro (PL-SP) com figuras como Paulo Figueiredo (neto do general João Figueiredo, último presidente do regime militar e que chegou a dizer que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo).
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Dentre os países em desenvolvimento, talvez apenas a África do Sul faça sombra ao Brasil na adesão a valores liberais desde os anos 1990: eleições regulares e competitivas, economia aberta em que pese tarifas de importação elevadas, proteção a minorias, programas sociais e, por mais que a extrema direita negue, ampla liberdade de expressão, a ponto de não termos instrumentos jurídicos claros para punir os notórios atos de traição à pátria engendrados por Eduardo Bolsonaro et caterva desde Washington.
Ademais, mesmo com tornozeleira eletrônica imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em reação ao risco de fuga para os Estados Unidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está livre para dar entrevistas, falar desde a tribuna do Senado, tal como estava previsto para a tarde desta segunda-feira (20/7).
Como Trump se elegeu contra os valores liberais difundidos a partir do Ocidente durante a globalização, ele precisa de governos-fantoche em países que ainda respeitam o multilateralismo e, acima de tudo, buscam autonomia em meio ao novo jogo entre grandes potências. Mesmo tendo pontes com China e Rússia via Brics em particular, o Brasil é o que reúne a maior parte dessas características dentre as chamadas potências médias. À exceção da Argentina (sob o comando do “trumpista até a raiz” Javier Milei) e do México (que sempre orbita em torno dos EUA), nosso país é o único da América Latina que se enquadra nessa categoria.
Tal como seu pai Jair, Eduardo assume-se “poodle” de Trump e pode ser seu fantoche caso recupere seu capital político, o que é perfeitamente lógico caso as sanções contra o Brasil sejam aliviadas.
Os EUA, porém, têm uma agenda mais ampla que a proteção aos Bolsonaros. Um mercado brasileiro totalmente aberto às big techs, inclusive nos serviços financeiros hoje providos pelo Pix — talvez o principal alvo econômico da fúria de Trump —, e uma sociedade cada vez mais aberta ao cristianismo fast-food neopentecostal com pitadas de nacionalismo branco farão destas terras um pilar essencial para estruturar uma ordem internacional populista sob o domínio americano.
Candidatos a presidente-poodle não faltam. Os presidenciáveis à direita que não carregam o sobrenome Bolsonaro andam assaz silenciosos perante as notórias ameaças à soberania nacional. Como escrevi neste espaço em 26 de maio passado, “o posicionamento em relação à possibilidade de [Alexandre de] Moraes ser sancionado pelo regime trumpista por sua atuação em defesa da ordem constitucional, seja contra o bolsonarismo, seja contra as big techs, é um termômetro para saber quem é quinta-coluna na direita”. A lista dos que se predispõem a entrar para a galeria dos traidores da pátria ao lado de nomes como Calabar e Joaquim Silvério dos Reis não cabe apenas nos dedos de uma mão.
Se há algum pecado ao sul do Equador nessa questão, ele reside na subestimação do filho 03 do ex-presidente. Pagamos caro por sua fuga não ter sido levada a sério pelo establishment político de centro-esquerda e a elite do Judiciário. Porém, é covardia jogar nas costas do atual governo e do STF a origem da crise e uma eventual escalada. Os que assim pensam merecem figurar na supracitada galeria de traidores.
De fato, causa espécie que o revolucionário bananinha ainda seja ouvido por jornalistas como se não fosse um traidor da pátria. O clã Bolsonaro é digno de equivalência com a Al Qaeda. Imagine se no pós-11 de setembro alguém fosse entrevistar Osama Bin Laden para entender o outro lado? Do mesmo modo, cabe ouvir as posições de líderes que desafiam o monopólio de força do Estado, caso de facções como PCC e Comando Vermelho? Na política, o bolsonarismo equivale hoje a esse tipo de ameaça.
Aliás, confesso que sonho com o dia em que o bolsonarismo terá equivalência ao nazismo em função de suas afinidades com a supremacia branca, merecendo, portanto, ser enquadrado como crime. Temo apenas que muitos terão de pagar com a própria vida até que caiamos em si. Entre o Putsch de 1923 e o suicídio de Hitler em 1945 transcorreram-se mais de 20 anos e milhões de mortos. Quanto mais teremos que pagar pela loucura da extrema direita do século 21? Os 50% aplicados ao Brasil e outras sanções são apenas o começo do terror que se avizinha se Trump seguir no poder.
Ironicamente, Elon Musk — outrora aliado do presidente americano — pode ser crucial para a derrocada do laranjão do norte. Sua base parece se desfazer perante a elevação da inflação — que tende a se agravar caso se confirme a sobretaxa ao café e ao suco de laranja do Brasil — e, sobretudo, com as insinuações de que Trump teria se beneficiado da rede de pedofilia comandada por Jeffrey Epstein.
Porém, tal como parecemos rumar para um bolsonarismo sem Bolsonaro(s), também há chances de que o movimento MAGA sobreviva a Trump. Ou seja, o Brasil ainda vai sofrer muita pressão para capitular. Os ventos do norte ainda forçarão bastante a barra para mover os moinhos desta parte do mundo a favor dos interesses econômicos e simbólicos daqueles que, face ao declínio inevitável, buscam a todo custo manter sua hegemonia.