Nas próximas semanas, a retirada de circulação do óleo diesel S-500 tende a ganhar destaque. Em julho, encerra-se o mandato do grupo de trabalho da ANP encarregado de desenhar um plano para essa transição, que é justificada por critérios ambientais: o diesel S-10, substituto natural, contém um teor de enxofre menor.
No entanto, embora a modernização da matriz energética seja essencial, sua efetivação demanda prudência: a transição energética é necessária, mas ela também precisa ser justa e equilibrada.
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Hoje, parte relevante do parque de refino e do consumo nacional ainda dependem de diesel com alto teor de enxofre. Extinguir abruptamente o S-500 pode, portanto, comprometer a soberania energética e transferir toda a fatura da mudança para as refinarias.
O diagnóstico é preocupante. Estudo encomendado pela Refina Brasil mostra que o Brasil ainda importa cerca de um quarto do diesel que consome, ficando vulnerável a choques externos – dependência que, no momento, se apoia fortemente em compras da Rússia.
Internamente, as refinarias brasileiras produzem em torno de 260 mil barris diários de S-500 e adaptar essas unidades para o padrão S-10 exigiria investimentos superiores a R$ 10 bilhões.
Para agravar o quadro, o estudo revela que os investimentos necessários para a adaptação apresentariam Taxas Internas de Retorno negativas, tornando o projeto economicamente inviável. A situação é ainda mais crítica para as refinarias de menor porte. Diante dessa rentabilidade adversa, o impulso racional das empresas seria simplesmente não realizar a conversão.
O resultado provável seria o desvio de grandes volumes de diesel S-500 para o mercado externo e o consequente aumento da dependência brasileira de importações de diesel: o déficit, hoje em torno de 22% da demanda nacional, poderia ultrapassar a marca de 50% em cenários extremos. Em outras palavras, poderíamos trocar um avanço ambiental legítimo por uma fragilização significativa da segurança energética do país.
Some-se a isso um impacto de custos (o S-10 custa, em média, R$ 0,07 por litro a mais que o S-500) e um ônus logístico inescapável: o acréscimo de importações do novo combustível, somado à necessidade de exportar o S-500 excedente, pressionará ainda mais uma infraestrutura de transporte e armazenagem que já opera no limite.
Não se questiona a relevância da transição, mas sim a necessidade da ação regulatória pela ANP, em face dos seus efeitos negativos e da descontinuidade natural do S-500.
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Desde 2012, todos os veículos novos comercializados no Brasil já requerem diesel S-10, de modo que a substituição do S-500 ocorrerá progressivamente à medida que a frota mais antiga for renovada. Projeções do estudo indicam que, até 2035, o contingente de motores compatíveis com S-500 encolherá mais de 75%.
Impor antecipadamente essa transição, portanto, pode gerar custos desnecessários que superem os benefícios imediatos estimados pela agência.
De todo modo, caso a ANP decida por obrigar a descontinuidade, é necessário que ela seja estruturada em três pilares.
Previsibilidade, com a proposição de alterações graduais e de longo prazo;
Adoção de abordagem que respeite as especificidades regionais e setoriais, com uma política construída a partir de diagnósticos locais que orientem exceções e prazos diferenciados. A manutenção do uso do S-500 em localidades abastecidas por sistemas isolados de energia e em áreas atendidas por refinarias menores, por exemplo, devem ser levadas em consideração;
Imprescindibilidade do engajamento do Estado na criação de programas de incentivo. A imposição dos custos exclusivamente às refinarias lhes transfere um ônus desproporcional, tornando a política inviável sem mecanismos públicos de fomento.
O desafio, portanto, não está apenas em decidir quando e como descontinuar o diesel S-500. Mas em como fazê-lo sem comprometer a segurança energética, a competitividade industrial e o equilíbrio regional do abastecimento.