A proposta de edital que vai reger o leilão do Tecon Santos 10 está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU), com decisão prevista para agosto. Mas os critérios técnicos adotados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) na elaboração da minuta ainda geram debates e discussões. Isso porque o edital possui uma fórmula inédita, em que pesem os diversos precedentes citados na Nota Técnica 51-2025-GRP-SRG, principal estudo realizado pela agência para embasar a fórmula de concorrência proposta.
A nota cita outros leilões em que se restringiu a participação de agentes que, em tese, poderiam aumentar a concentração de mercado — como foi o caso das disputas pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e pela área ITG02 em Itaguaí (RJ), entre outros.
Porém, nenhuma das disputas até agora realizadas pela Antaq combinou duas restrições em dois estágios.
A minuta do edital elaborada pela Antaq e entregue ao TCU pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) prevê que, na primeira fase, os atuais incumbentes do porto de Santos não poderão participar. Seriam as três empresas que já administram terminais — CMA CGM, BTP (Maersk e MSC) e DP World.
Mas se não houver propostas válidas nessa etapa, então essas empresas poderão fazer lances na segunda fase. Mas, em caso de vitória de uma delas, a ganhadora assume o compromisso de deixar o terminal que já controla em Santos.
Para especialistas consultados pela reportagem, é clara a opção do poder concedente por um novo entrante no mercado de contêineres no porto. Ou seja, as regras do leilão, se mantidas pelo TCU, tendem a favorecer o advento de uma nova empresa em Santos — o principal porto do país, movimentando 29,2% de toda a carga dos portos organizados brasileiros, segundo dados da agência.
Os argumentos da Antaq
Em 17 de abril, a autarquia apresentou a Nota Técnica 51-2025-GRP-SRG, um estudo interno que detalhou todo o cenário do futuro leilão do Tecon Santos 10. A decisão do diretor-geral da Antaq, Caio Farias, que definiu a versão da minuta encaminhada ao TCU, utilizou esse estudo como embasamento.
Em resumo, a nota técnica considera inviável liberar os atuais incumbentes para concorrer ao novo terminal do porto de Santos, sob risco de elevar a concentração no mercado de contêineres.
O novo terminal, quando em plena operação, vai acrescentar até 50% à capacidade atual de movimentação de contêineres do porto. E cada um dos três atuais incumbentes já controlam fatias que variam entre 24% e 42%.
Em outras palavras, se um deles levar o Tecon Santos 10, um dos três grupos irá, sozinho, controlar pelo menos mais da metade do transporte de contêineres do maior porto do país.
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A partir dessa perspectiva, com base nos resultados da audiência pública do começo do ano, a nota técnica traçou duas possibilidades possíveis para o leilão: 1) proibir os atuais incumbentes de participar; ou 2) permitir que disputem desde que devolvam os ativos que já administram. E apresentou pontos positivos e negativos para cada cenário.
Em 22 de abril, o gerente de regulação portuária da autarquia, José Gonçalves Moreira Neto, assinou despacho avaliando a nota técnica. Nele, recomenda a primeira opção, ou seja, que se proíba a participação dos atuais incumbentes para evitar a concentração de mercado.
“Reputo que a primeira opção teria potencial de maior apropriação, pelos usuários, de parte relevante dos benefícios a serem gerados pelo empreendimento. Ademais, imperioso destacar que a política pública setorial privilegia, via de regra, novos entrantes”, escreveu o gerente.
Porém, pondera que também há riscos em se vedar completamente a participação, especialmente pela potencial perda da expertise dos agentes já instalados.
E, assim, o gerente acaba por sugerir um aprimoramento da primeira opção. Qual seja, vedar somente na primeira etapa os atuais incumbentes, permitindo a disputa na segunda fase, desde que abram mão dos ativos atuais em caso de vitória.
O gerente argumenta que “tal modelagem licitatória não seria inédita” e cita como exemplo o leilão da área ITG02, em Itaguaí (RJ).
Contudo, naquela ocasião, o acórdão citado dizia que os grupos com participação relevante no mercado teriam suas propostas declaradas vencedoras na hipótese de não existirem outros proponentes com propostas válidas.
Portanto, a gerência da Antaq citou situações de restrições passadas para justificar a limitação em Santos. Mas essas restrições são diferentes da utilizada agora — assim como a obrigação de deixar os ativos em caso de vitória.
No mesmo dia, o superintendente de regulação da agência, José Renato Ribas Fialho, manifestou concordância com a análise realizada pela gerência. Por fim, no final de maio, veio o despacho do diretor-geral da Antaq, Caio Farias, e a consequente Deliberação DG-38/2025, que aprovou ad referendum a minuta com as alterações citadas, sendo posteriormente aprovada pelo colegiado e encaminhada ao TCU pelo MPor.
Em nota, a Antaq informou que o leilão em duas fases tem o objetivo de promover e ampliar a concorrência no sistema portuário de Santos. “Esta agência reguladora é uma defensora da competitividade e entende que concentrações de mercado devem ser evitadas. Esse é um dos papéis primordiais da regulação.”
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Também informou que a decisão foi embasada em critérios técnicos. “Foram considerados dois indicadores principais: (i) a concentração de mercado, que ultrapassaria o limite de 30% se um mesmo operador acumulasse o Tecon Santos 10 com outro terminal no porto; e (ii) o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI), que também indicou níveis de concentração superiores aos aceitáveis para garantir ambiente concorrencial adequado”.
Insatisfação
A divulgação da minuta, no final de maio, não tardou a gerar debates. A Maersk, uma das atuais incumbentes no porto de Santos, entrou com mandado de segurança na Justiça Federal em 23 de junho, pedindo a paralisação do processo licitatório.
Para a empresa, a agência modificou de forma radical as regras do leilão, sem dar oportunidade aos interessados para se manifestarem. Isso porque a proposta de edital apresentada na audiência pública, em fevereiro, previa uma disputa sem restrições.
Por sua vez, o juiz entendeu que o edital ainda não surte efeitos práticos, pois está sendo avaliado pelo TCU e, assim, não concedeu, por ora, a liminar solicitada.
A Antaq manifestou-se no processo no dia 17 de julho. Em sua defesa, disse que o projeto já teve duas audiências públicas, em 2022 e 2025, e que recebeu centenas de contribuições.
“Todos os pontos de vista foram devidamente recepcionados e considerados; não se pode dizer que o debate tenha favorecido esta ou aquela visão”, declarou a agência no processo.
A judicialização do caso era algo já temido pelo setor, visto que isso poderá atrasar a instalação completa do Tecon Santos 10. Isso porque a demanda por infraestrutura no país é grande. Entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Confederação Nacional da Indústria (CNI) já demonstraram preocupação com a possibilidade de demora na realização do leilão.
Caso as reviravoltas em andamento atrasem o leilão, o setor corre o risco de entrar em colapso, alertam as entidades. De acordo com a Antaq, o Brasil registrou em 2024 um volume recorde na movimentação de cargas conteinerizadas — foram 13,9 milhões de TEUs, um aumento de 20% em comparação com o ano anterior.
Próximas etapas
Em nota, o TCU informou que o processo do Tecon Santos 10 está sob a relatoria do ministro Antonio Anastasia e ainda não possui uma data para ser julgado. Contudo, de acordo com o cronograma apresentado durante a audiência pública promovida pela ANTAQ, a decisão do TCU é esperada para agosto.
A corte também promove, em 31 de julho, um painel de referência sobre o Tecon Santos 10. O evento vai contar com a presença de diversos especialistas para debater e opinar sobre o caso.
A previsão do governo é que o edital do Tecon Santos 10 seja lançado em setembro, com o leilão previsto para ocorrer ainda em 2025 — possivelmente em dezembro, e a assinatura do contrato programada para acontecer em meados de 2026.