Desafio fiscal e urgente valorização da Receita Federal

O crescente rombo fiscal no horizonte impôs ao governo a adoção de medidas que, sob a ótica de muitos, se mostram paliativas e socialmente questionáveis, por atacarem os sintomas do problema, não as verdadeiras causas estruturais. Ganham destaque a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a edição da MP 1.303/2025.

Em maio, o Executivo majorou o IOF, visando inicialmente arrecadar R$  61 bilhões em dois anos, mas reduziu tal projeção para R$ 30 bilhões até 2026. Economistas lembram que o IOF é um imposto tóxico ao crescimento. Samuel Pessôa (FGV/IBRE) define-o como “horroroso. É um imposto sobre crescimento econômico, sobre eficiência”, devendo ser zerado, salvo situações excepcionais.

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Não surpreende, portanto, que o Congresso, exausto de aumentos emergenciais, tenha derrubado, via Decreto Legislativo 314/2025, os atos que elevaram o IOF – fato inédito em 33 anos. O recado foi dado: não é prudente aumentar a arrecadação por meio de tributos com função primordialmente regulatória da atividade econômica, ainda que se tente vender a ideia de que somente os mais ricos pagarão.

Diante o revés, o governo editou a MP 1.303/2025, por meio da qual se busca arrecadar R$ 31,4 bilhões até 2026. Desta vez, o pretexto é buscar arrecadar dos “rentistas”, no entanto, mas impõe um custo social altíssimo, afetando diretamente a renda de pequenos investidores e revogando isenções fiscais que até então serviam para fomentar a economia em setores estratégicos como o imobiliário (FIIs) e o agronegócio (Fiagro).

Em contrapartida à elevação de tributos, reside uma alternativa de longo prazo mais eficaz: o investimento na valorização dos auditores-fiscais da Receita Federal. Esses servidores públicos têm se mobilizado desde novembro de 2024, buscando a recomposição de seu vencimento básico, significativamente corroído pela inflação.

A petição “Instalação da Mesa Específica dos Auditores-Fiscais da RFB e reajuste do vencimento básico”, idealizada com a colaboração de mais de 600 auditores-fiscais de todo o país, foi lançada no Dia do Servidor Público de 2024 com pretensões de evitar a eclosão de uma greve. Apesar de reunir mais de 7.000 assinaturas, o Ministro da Fazenda não recebeu a representação da classe, não deu importância ao abaixo-assinado e pagou para ver.

O resultado foi inevitável: a deflagração de um movimento paredista que produziu grande impacto nas contas públicas, a ponto de frustrar as expectativas de arrecadação em R$ 81,5 bilhões. Ou seja, negligenciar essa questão não foi uma boa estratégia.

Apenas em um dos diversos processos de trabalho impactados pela greve, verificou-se a não conclusão de R$ 14,3 bilhões em transações tributárias nos meses de janeiro e fevereiro de 2025. Essa arrecadação perdida já representaria quase metade da receita adicional esperada com o aumento do IOF até 2026.

O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que a paralisação dos auditores da Receita “interrompe serviços essenciais” e “afeta diretamente a capacidade do Estado de manter e custear a estrutura estatal e” “de financiar as políticas públicas”. A descontinuidade dessas atividades vitais acarreta a redução da arrecadação, aprofundando a crise fiscal.

A eficiência da Receita Federal é notável, com um custo operacional inferior a 0,5% do montante arrecadado, um índice microscópico comparado a praticamente qualquer outro órgão público. Cada real investido na valorização dos auditores-fiscais gera um retorno significativo para o Estado. Casos como a extinção do Sicobe em 2023, que provocou perdas de R$ 88 bilhões no setor de bebidas e uma redução anual de até R$ 30 bilhões na arrecadação, ilustram a importância da fiscalização eficiente. Situações semelhantes ocorrem nos setores de combustíveis, cigarros e eletrônicos.

Cada carga contrabandeada e cada documento fiscal omitido representam tributos que deixam de ser arrecadados — ilícitos cuja detecção e responsabilização dependem, exclusivamente, da expertise técnica e da competência legal dos auditores-fiscais.

O Sindifisco Nacional estima que, com a normalização das atividades da Receita, mediante o satisfatório atendimento das demandas da categoria, o aumento imediato da arrecadação seria expressivo, alcançando cerca de R$ 35,5 bilhões em seis meses e R$ 53,3 bilhões em 12 meses, provenientes de autuações, cobranças e combate a fraudes.

Apesar da complexidade e relevância de suas funções, os auditores-fiscais da Receita Federal enfrentam uma década sem recomposição salarial real, desde o último acordo em 2016. Em 2024, a Receita ficou de fora das mesas específicas e temporárias abertas pelo governo federal para a reestruturação de carreiras, nas quais foram concedidas recomposições salariais que variaram de 12,8% (magistério federal) a 30,4% (carreiras da Previc) para o biênio 2025-2026.

Essa desvalorização, refletida na remuneração inferior à de todos os seus pares nos fiscos estaduais e, por incrível que pareça, até mesmo de muitos fiscos municipais, resultou na desistência de 14 candidatos aprovados no último concurso para auditor-fiscal da Receita, que optaram por vagas mais atrativas.

No dia 11 de julho, após a maior greve da história recente, uma proposta insuficiente foi aceita – majoritariamente por auditores-fiscais aposentados – ofereceu-se 9,22%, exclusivamente para quem já está em final de carreira, e tão-somente a partir de abril de 2026. Tal índice corresponde a menos da metade do concedido à Procuradoria da Fazenda Nacional, com cuja remuneração básica os auditores-fiscais da Receita mantinham histórica equivalência.

A importância da valorização da administração fazendária é reconhecida por representantes de diferentes correntes políticas. Deputados como Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF) manifestaram apoio aos pleitos da categoria. A precedência dessa classe de servidores públicos tem estatura constitucional, conforme prescrevem os incisos XVIII e XXII do artigo 37 da Constituição Federal de 1988: por exercerem atividades essenciais ao próprio funcionamento do Estado, devem contar com recursos prioritários para a realização de suas atividades.

Em resumo, aumentar o IOF ou implementar o disposto na MP 1.303/2025 são medidas pontuais e injustas, que elevam a carga tributária desnecessariamente, pressionam o consumo e a renda sem resolver o desequilíbrio fiscal. São políticas de curto prazo e efeito regressivo, que oneram especialmente as camadas médias e baixas da população.

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Em contrapartida, valorizar a Receita Federal – concedendo a justa recomposição das perdas inflacionárias, oferecendo condições de trabalho e tecnologia – é investir na eficiência do Estado e na sustentabilidade fiscal, gerando ganhos robustos, de longo prazo. Essa estratégia amplia a base de arrecadação efetiva, promove justiça fiscal e combate, com eficácia, privilégios indevidos, a sonegação e as fraudes nos pontos em que de fato se concentram.

Como bem resumiu o Sindifisco, Valorizar os auditores é valorizar a República, a proteção à sociedade e prover os cofres públicos de dinheiro para as necessidades sociais e corresponde a uma ínfima fração do custo representado pelo aumento de tributos.

Embora tenham acabado com a paralisação, o problema estrutural da Receita Federal ainda não foi resolvido. Os 9,22% prometidos para somente daqui a 9 meses, depois de uma década do último acordo de reajuste, perpetuam a desvalorização, revelando-se insuficientes para colocar a máquina arrecadatória novamente nos trilhos e a todo o vapor.

Nas palavras da deputada Erika Kokay, os auditores-fiscais da Receita são “servidores absolutamente fundamentais para o país” e sua atuação “se transforma em políticas públicas”. Portanto, senhor ministro da Fazenda, antes de novas elevações na carga tributária, priorize a valorização daqueles que fiscalizam e arrecadam os tributos já existentes, reconhecendo seu papel crucial para a garantia da saúde financeira do país e para a oferta de serviços públicos de qualidade a todos os brasileiros.

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