O projeto de lei que permite o exercício da advocacia privada por integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), o PL 5531/16, voltou à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na última semana. A proposta não foi apreciada pelo colegiado, mas o relator, deputado Felipe Francischini (União-PR), que tem parecer pronto desde 2023, afirma que o tema está “pacificado” entre as lideranças na comissão e deve avançar após o recesso parlamentar.
No entanto, o JOTA apurou que há um impasse entre a AGU e o Ministério da Gestão (MGI) em relação ao PL. A pasta de Esther Dweck se opõe ao atual texto do projeto. Um diálogo em busca de consenso é esperado no próximo semestre.
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A proposta autoriza que advogados da União e procuradores federais, da Fazenda Nacional e do Banco Central possam exercer a advocacia também na iniciativa privada desde que não ocupem cargos de chefia, não atuem contra a União ou suas entidades e comuniquem previamente a Corregedoria-Geral da instituição. Atualmente, a Lei Orgânica da AGU (LC 73/93) proíbe os advogados públicos vinculados ao órgão de exercer a advocacia fora das atribuições institucionais.
O projeto permitirá que os advogados públicos federais inflem suas remunerações. Atualmente quem ingressa na carreira recebe R$ 24.967,31de subsídio, enquanto na classe especial o subsídio chega a R$ 32.439,52. O valor é complementado com a distribuição dos honorários sucumbenciais, que de acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não deve ultrapassar o teto do funcionalismo público, atualmente de R$ 46.366,19. Como o JOTA mostrou, os valores repassados às carreiras jurídicas da AGU a título de honorários não eram divulgados desde dezembro do ano passado, o que impedia a sociedade de saber o valor distribuído. Os valores foram publicados apenas nesta quarta-feira (16/7).
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Parte dos honorários são pagos de forma a extrapolar o teto. Isto porque, em 2024, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) aprovou uma resolução que permite o pagamento de um “auxílio saúde suplementar” no valor mensal de R$ 3 mil a R$ 3,5 mil para funcionários ativos e aposentados, respectivamente. Como o valor tem caráter indenizatório, ele não está vinculado ao teto. Além disso também foram aprovados uma indenização para reembolsar anuidades da OAB e um auxílio-alimentação de R$ 393. Todas essas verbas são pagas pelo CCHA, que administra os valores recebidos a título de honorários de sucumbência.
O PL tem apoio de entidades como a Ordem de Advogados do Brasil (OAB), que defende que o projeto assegura a isonomia entre os advogados públicos federais e as demais carreiras estaduais e municipais, que já podem exercer atividade jurídica nos termos previstos. Segundo levantamento da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), procuradores dos Estados e dos municípios podem advogar de forma privada, em casos que não conflitem com suas atribuições, em 22 dos 26 estados, no Distrito Federal e em 24 das 26 capitais.
Especialistas apontam riscos de conflito de interesse e prejuízo à atividade institucional caso o projeto avance. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Viegas, doutor em administração pública e governo, afirma que uma eventual aprovação “pode parecer um avanço sob a ótica da isonomia, mas há motivos para preocupação. A advocacia pública lida com a defesa do Estado e do interesse público, o que exige dedicação e neutralidade”.
“Ao permitir a advocacia privada, mesmo com restrições, o projeto abre margem para distorções e reforça um movimento de autoconcessão de privilégios dentro de corporações jurídicas já altamente remuneradas, agravando a lógica dos supersalários e da sobreposição de rendas, realidade em procuradorias de Estados e Municípios”, destaca Viegas.
Por outro lado, Brivaldo Pereira dos Santos Júnior, diretor parlamentar da Anafe, argumenta que a proibição atual afasta bons profissionais. “Temos casos de aprovados em concursos para a AGU que optam por cargos em prefeituras por poderem advogar. É uma perda de quadros qualificados em uma instituição que lida com causas bilionárias nos tribunais superiores”, argumenta. Ele destaca que a permissão não traria qualquer custo ao Estado e que haverá controle rigoroso de desempenho.
O projeto determina que os advogados públicos que desejarem atuar na advocacia privada, fora de suas atribuições institucionais, deverão seguir normas da Corregedoria-Geral e da Comissão de Ética da AGU, respeitando impedimentos previstos no Estatuto da OAB, na Lei de Conflito de Interesses e em outras regras aplicáveis ao serviço público. A autorização também dependerá de comunicação prévia à AGU, e a relação dos servidores com a atuação privada deverá ser divulgada no portal da instituição. Para Viegas, os mecanismos de controle previstos “são frágeis diante da baixa efetividade histórica dos órgãos internos em fiscalizar carreiras de elite”.
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O PL foi proposto pelo Executivo há quase dez anos e, até o momento, foi aprovado somente na Comissão de Trabalho, em 2016. Segundo Brivaldo Pereira, interrupções de “natureza política” atrapalharam a continuidade da tramitação.
A Anafe considera o momento favorável para o projeto avançar, com a CCJ sob o comando do deputado Paulo Azi (União-BA) e a presidência da Câmara exercida pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).