O projeto de Barroso: um país empreendedor de si mesmo e pobre

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, deu entrevista recente em que, novamente, teceu algumas opiniões sobre mercado de trabalho e regulação. Como sempre, suas opiniões são fortemente embasadas em uma ideologia alheia ao mundo real.

A primeira opinião foi que “o trabalhador celetista, metalúrgico, empregado, que cumpre oito horas regularmente, já não é mais, talvez, dominante no mercado de trabalho hoje, em que você tem pequenos empreendedores individuais, entregadores da iFood, motoristas da Uber”. Essa opinião, como tantas outras do ministro, mostram, além de um preconceito gigantesco, um desconhecimento profundo do ministro sobre as questões do mundo do trabalho.

Conheça o JOTA PRO Trabalhista, solução corporativa que antecipa as movimentações trabalhistas no Judiciário, Legislativo e Executivo

Se é verdade que o mercado formal de trabalho no Brasil vem diminuindo, isso é somente um sinal de que estamos indo para o lado do mundo que tem um mercado de trabalho fraquíssimo e de uma população paupérrima.

Segundo os dados da realidade, que Barroso parece nunca procurar saber, o percentual de empreendedores (ou self-employed) em relação à população tem uma divisão muito clara: países desenvolvidos têm percentuais muito baixos de trabalhadores categorizados como empreendedores, enquanto os países com menor desenvolvimento têm altas ou altíssimas taxas de empreendedores de si mesmos em relação à população.

Ao contrário do que transparece o ministro em suas entrevistas e palestras ao redor do mundo, o número de pequenos empreendedores significa pobreza, baixo nível de desenvolvimento, alta concentração de renda e desigualdade social.

Podemos ver isso de forma muito clara a partir de dados de 2023, pelo qual, no primeiro grupo, o dos países desenvolvidos, temos baixa taxa de empreendedores de si mesmos, como são exemplos França (12,9%), Dinamarca (8,4%), Alemanha (8,6%), Suécia (10,7%), Noruega (4,6%), Japão (9,5%), Austrália (13,1%) e Estados Unidos (6,1%).

Do outro lado do espectro, temos nações com altíssimo percentual de trabalhadores por conta própria, como Angola (65,5%), Congo (86,3%), Índia (76,1%), Afeganistão (81,7%), Etiópia (85,1%) e a campeã República Centro-Africana (94,5%).

Se compararmos com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) podemos ver uma correlação: enquanto o primeiro grupo tem alto IDH – França (0,920), Dinamarca (0,962), Alemanha (0,959), Suécia (0,959), Noruega (0,970), Japão (0,925), Austrália (0,958) e Estados Unidos (0,938) –, os países com alta taxa de trabalhadores por conta própria estão entre aqueles com mais baixo IDH: Angola (0,616), Congo (0,522), Índia (0,685), Afeganistão (0,496), Etiópia (0,522) e República Centro-Africana (0,414), que só tem IDH superior, em todo o mundo, em relação ao Sudão do Sul e à Somália, dois países também com alto nível de empreendedores de si mesmos.

O Brasil ocupa uma posição intermediária, com 31% de empreendedores em relação à população. Sua posição também é intermediária em relação ao IDH (0,786), ocupando a 84ª posição no ranking mundial. Mas vejamos que em relação a países próximos e comparáveis, temos significativamente mais trabalhadores por conta própria, como é o caso de Chile (24,6%) e Argentina (25,8%).

Não é de se assustar que tanto Chile quanto Argentina estejam bem melhores no IDH que a gente (0,878 e 0,865, respectivamente). Com Supremo e com tudo, a situação só está piorando, pois nos últimos dois anos, em momento portanto posterior aos dados acima, 4,8 milhões de trabalhadores celetistas dispensados voltaram ao mercado de trabalho como PJ.

A segunda opinião trazida pelo ministro Barroso é um slogan ideológico, quase um mantra, que costuma utilizar sempre: “o excesso de proteção desprotege o trabalhador”. Esse discurso faz lembrar o que ocorreu por volta de 1925. Nessa época, o patronato paulista se insurgiu contra a lei que criava férias de 15 dias, afirmando que esse direito seria contrário ao interesse dos próprios trabalhadores e que seria a ruína da família brasileira.

Receba gratuitamente no seu email as principais notícias sobre o Direito do Trabalho

Hoje, há exatos 100 anos, o discurso se renova – vindo não diretamente dos patrões, mas da boca do ministro presidente do STF.

Ora, não há nenhuma pesquisa científica no mundo que corrobore a opinião do ministro. Ao contrário, os estudos empíricos mostram justamente o contrário, como por exemplo os do professor de Cambridge, Simon Deakin, que demonstram como o Direito do Trabalho, no mundo inteiro, é eficiente na manutenção dos empregos e necessário para uma economia forte.

E, claro, podemos nos perguntar o que o ministro considera excesso de proteção? Entenderia o ministro que férias, 13º salário, horas extraordinárias, seguro-desemprego, descansos, normas de saúde e segurança são “excessos de proteção”?

Bom, isso tudo faz também lembrar o mesmo discurso na época da abolição da escravatura no Brasil, quando os escravagistas diziam que a liberdade também seria contra o interesse dos negros, pois estavam acostumados com o mínimo necessário para sobreviver e não iriam trabalhar livremente, ficando na rua perturbando a ordem pública.

Ou seja, o discurso de Barroso, em sua essência, é o mesmo que o patronato industrial e agrário faziam 100 anos ou 150 anos atrás. O projeto encarnado no discurso do ministro é de um Brasil colonial, pobre e desindustrializado, no qual o entregador em sandálias, com fome, sem direitos ou garantias, é o modelo e exemplo de modernidade.

Generated by Feedzy