Governador do Ceará aciona STF contra decisões do TJCE que furam o subteto de servidores

O governador do Ceará, Elmano Freitas (PT-CE), ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (15/7), contra decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) que têm declarado a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional estadual 93/2018. A norma alterou a entrada em vigor da Emenda 90/2017, que estabelece um subteto remuneratório único aplicável aos servidores públicos cearenses vinculado à remuneração dos desembargadores estaduais. Anteriormente, o subteto era vinculado ao salário do governador do estado, valor que era inferior. Antes da mudança, a redação da emenda previa que os efeitos seriam produzidos a partir de 1º de dezembro de 2018, prazo que foi postergado para dezembro de 2020.

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Com a postergação do início dos efeitos do novo teto remuneratório, o TJCE entendeu, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade de número 0000878-48.2021.8.06.0000, pela inconstitucionalidade da EC 93/2018, sob o fundamento de que a postergação do novo teto remuneratório importaria em violação ao direito adquirido e à irredutibilidade de vencimentos.

Em sua redação, a Emenda 90/2017 prevê que “fica estabelecido, como limite remuneratório único aplicável aos servidores públicos do Ceará, de quaisquer Poderes, inclusive do Ministério Público e da Defensoria Pública, o subsídio mensal dos desembargadores do TJCE, limitado a 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal”, não se aplicando o disposto aos subsídios dos deputados estaduais e dos vereadores.

Na avaliação do líder do Executivo estadual, há dois equívocos na decisão do TJCE, visto que não existe direito a algo ainda não incorporado à esfera jurídico-patrimonial de determinado sujeito – devido ao fato de a EC ainda não ser eficaz –, e pelo fato de que a norma não estabeleceu, alterou, aumentou ou reduziu remuneração de carreira alguma, “limitando-se a tratar de uma regra de abatimento de teto”.

De acordo com Freitas, a partir do precedente do TJCE, diversos órgãos jurisdicionais integrantes da Justiça cearense passaram a determinar a aplicação do teto remuneratório previsto na EC 90/17, na forma e prazo ali previstos, ignorando a postergação estabelecida pela EC 93/18. Assim, o governador argumenta na ação que esse cenário vem gerando “severa” lesão à ordem jurídica, administrativa e financeira do Ceará, na medida em que forçou a antecipação do novo teto, sem a necessária adequação orçamentária.

Ainda segundo Freitas, tais decisões ofendem diretamente os princípios republicano, de separação de Poderes, isonomia, moralidade administrativa, teto remuneratório constitucional, irredutibilidade de vencimentos e da legalidade orçamentária, assegurados pela Constituição. Além disso, argumenta que as decisões questionadas partem da premissa equivocada de que haveria direito adquirido dos servidores à aplicação do teto remuneratório nos termos originalmente previstos pela EC 90/2017, ignorando a jurisprudência consolidada do STF no sentido da inexistência de direito adquirido a regime jurídico.

Na avaliação do governador, o caso em debate possui uma peculiaridade, uma vez que sequer houve uma redução ao limite do teto remuneratório e, pelo contrário, o estado do Ceará promoveu o aumento deste limite, fixando uma data para produção de efeitos, modificando, por necessidade de ajuste fiscal, o referido marco inicial. Freitas também pondera que a razão de existir do teto remuneratório é concretizar o princípio da moralidade e evitar os chamados “supersalários” no âmbito da Administração Pública, considerando-se que a despesa para remunerar os servidores públicos é oriunda da receita de tributos, arcados por toda a população.

Assim, ressalta na petição que o texto da EC 90/17, sedimentando a fixação do subteto único ao estado representa norma de ordem pública com conteúdo alheio ao aumento de remuneração. “Em nada se confunde com a natureza de acréscimo salarial e, assim, não atribui direito adquirido ao destinatário. Pelo contrário, representa limitação a qualquer direito do beneficiário que permita o recebimento de remuneração exorbitante”, diz em trecho da ação.

Insegurança jurídica

Além do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade analisado pelo TJCE, o governador menciona que o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7), na Arguição de Inconstitucionalidade de número 080344-50.2020.5.07.0000, também apreciou a questão. Diferentemente do que foi decidido pelo TJCE, os integrantes do Pleno do TRT7 reconheceram, em decisão unânime, a constitucionalidade da EC 93/18.

Para os desembargadores, o estado do Ceará pode dispor acerca do teto remuneratório de seus servidores e empregados públicos, de modo que “não se divisa direito adquirido da parte”. Na avalição dos magistrados do TRT7, o direito não se incorporou ao patrimônio jurídico, até por não se tratar, diretamente, de aumento salarial, podendo assim o estado legislar acerca do marco inicial dos efeitos financeiros advindos da reforma de sua constituição local.

Segundo o governador, ao determinar o pagamento de parcelas acima do teto em detrimento dos cofres públicos do ente federativo, as decisões judiciais do TJCE questionadas criam um tratamento anti-isonômico entre os próprios servidores e desacreditam o teto constitucional como instrumento de moralização da administração pública.

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Desse modo, argumenta que a divergência de conformação verificada entre o TJCE e o TRT7, que vêm tratando e julgando, de forma diametralmente oposta, o tema em questão, reforça o cenário de insegurança jurídica e quebra da isonomia, com agentes públicos recebendo tratamento diferenciado, a depender da jurisdição a que se submetem. “Enquanto alguns obtêm decisões favoráveis à aplicação imediata do novo teto, outros têm seus pleitos rejeitados”, declara Freitas.

Por essa razão, pondera que a modulação temporal dos efeitos de alterações no teto constitucional constitui decisão política por excelência, que envolve complexa avaliação sobre impacto orçamentário, planejamento financeiro e gestão administrativa. De acordo com o líder do Executivo cearense, não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de realizar controle de constitucionalidade, substituir-se ao constituinte reformador estadual nessa avaliação, quando não haja violação a direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

“No caso em análise, a EC 93/2018 foi aprovada após regular processo legislativo, representando legítima manifestação do poder constituinte derivado estadual quanto ao momento adequado para implementação da alteração do teto remuneratório. Ao invalidar essa decisão política sem demonstrar transgressão efetiva a qualquer preceito constitucional — já que não há direito adquirido ao regime anterior nem redução de remuneração –, as decisões questionadas promovem indevida interferência judicial em matéria reservada à deliberação política”, declarou o governador.

Assim, concluiu que adiar a vigência do novo teto é uma forma de o estado agir com prudência fiscal, compatibilizando o cumprimento das obrigações com  pessoal às suas condições financeiras do momento. Por outro lado, destacou que permitir a invalidação da EC 93/2018 significaria impor ao Ceará uma indevida liberação de valores oportunamente contidos pelo “abate-teto”, em desconsideração à sua realidade fiscal e ao planejamento estabelecido pelo constituinte reformador, com potencial comprometimento do equilíbrio orçamentário constitucionalmente exigido.

O que o governador do Ceará pede na ação

O governador Elmano Freitas requereu o deferimento de medida liminar para suspender o trâmite dos processos relacionados à matéria em discussão e os efeitos das decisões judiciais que tenham declarado a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional Estadual 93/2018, e determinado o pagamento retroativo de diferenças remuneratórias desde dezembro de 2018, até o julgamento definitivo da ADPF.

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Além disso, solicita a prrocedência do pedido, confirmando-se a medida liminar, em decisão com efeito erga omnes (com efeitos aplicados a todos) e caráter vinculante, para declarar a nulidade de todas as decisões judiciais que, descumprindo preceitos fundamentais, declararam a inconstitucionalidade da EC 93/18 e determinaram o pagamento retroativo de diferenças remuneratórias.

O caso tramita na ADPF 1244, com relatoria do ministro Nunes Marques.

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