A transação tributária tem como intuito a solução dos conflitos, retirando-se, para tanto, a necessidade de intervenção judicial. Contudo, os contribuintes que quiserem valer-se desta ferramenta precisam observar determinadas condições legais.
Isso porque, o seu descumprimento, especialmente, dos pressupostos previstos no artigo 4º da Lei 13.988/2020, enseja a rescisão da transação tributária. Como consequência, o contribuinte se verá impossibilitado de realizar novo acordo, em relação, especificamente, aos débitos originariamente transacionados, dentro do prazo de dois anos contados da data da rescisão – o que difere dos antigos parcelamentos especiais que não previam esta vedação temporal.
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É dizer, a rescisão da transação tributária decorre, única e exclusivamente, do descumprimento das condições legais elencadas nos incisos do artigo 4º da Lei 13.988/2020. Infere-se, pois, que tal circunstância se refere ao desenquadramento do fato à norma e não em razão de eventual comportamento advindo do órgão estatal.
Contudo, a problemática da rescisão do acordo de transação tributária e a consequente restrição temporal para novas negociações dos débitos objeto do bloqueio, pelo prazo de dois anos, tem se tornando alvo de judicialização por aqueles contribuintes que buscam a conformidade fiscal.
Muito embora o texto legal seja explícito quanto ao prazo a ser considerado em situações em que há o descumprimento dos requisitos legais e, consequentemente, o impedimento de formalização de novas negociações pelos contribuintes, não é claro sobre a forma como deve ser calculado, especialmente em relação ao que se entende como data da rescisão.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) adota como termo inicial para a contagem do referido prazo a data da formalização da rescisão através da notificação do contribuinte, sob a alegação de que lhe é conferida a possibilidade de instauração de contencioso administrativo prévio, período no qual o acordo de transação em discussão permanece vigente.
Na prática, o ato de formalização da rescisão através da notificação do contribuinte não ocorre de forma automática, podendo demorar meses para que seja efetivado. Isso porque o lapso temporal entre a identificação de eventual descumprimento das condições previstas pela legislação e a notificação do contribuinte não é, necessariamente, um evento simultâneo.
Desse modo, a Administração Pública detém completo domínio sobre o termo inicial do prazo, dado que o seu início está vinculado a um ato administrativo de sua competência, gerando, por consequência, o alargamento do prazo de 2 (dois) anos, contado da data da rescisão.
Sob esse prisma, consideramos que o mais correto, em verdade, seria o início da contagem a partir do descumprimento de uma das hipóteses previstas expressamente no artigo 4º da Lei 13.988/2020, ou seja, independentemente da celeridade da identificação da causa da rescisão pela PGFN e da eficiência na sua formalização, cuja natureza (do ato formal de rescisão) é nitidamente declaratório de uma situação preexistente.
Na verdade, ainda que instaurado procedimento administrativo, inexiste uma nova situação fático-jurídica com a notificação da rescisão pelo contribuinte, visto que ocorre apenas o reconhecimento do fato antecedente, este sim, constitutivo da situação de descumprimento das condições legais pelo contribuinte que o ato posterior da Administração objetiva tão somente certificar.
Portanto, considerando o efeito declaratório – e não constitutivo – da decisão que formaliza a rescisão da transação tributária, deve-se reconhecer que os seus efeitos retroagem ao momento em que se deu o descumprimento das obrigações contidas na legislação federal.
Situação similar ocorre no caso de exclusão do Simples Nacional, em que os efeitos retroagem à data da ocorrência do fato excludente, impondo ao contribuinte a obrigação de recolhimento da diferença dos tributos de acordo com as normas gerais de incidência, em benefício da Fazenda.
Convém rememorar que tal situação foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando do julgamento do Tema 341, em sede de repetitivo, no qual fixou-se o entendimento de que em se tratando de ato que impede a permanência da pessoa jurídica no Simples em decorrência de superveniência de situação impeditiva prevista no artigo 9º, incisos III a XIV e XVII a XIX, da Lei n. 9.317/1996, seus efeitos são produzidos a partir do mês subsequente à data da ocorrência da circunstância excludente, nos exatos termos do artigo 15, inciso II, da mesma lei.
Nada mais justo, pois há um transcurso de tempo para que a situação preexistente seja detectada e as providências administrativas de rescisão sejam tomadas, o que se coaduna perfeitamente com o contexto vigente, no qual o novo princípio constitucional da cooperação, inserido pela Emenda Constitucional 132/23, aliado à revolução tecnológica que a acompanha, devem ser observados para garantir a criação de um sistema tributário mais justo, eficiente e moderno.
Tais conceitos estão interligados e são essenciais para a transação tributária, uma vez que revelam a capacidade de coordenar o relacionamento entre o fisco e contribuinte para uma melhor e mais ágil resolução de conflitos, evitando dispêndios desnecessários a ambas as partes com litígios judiciais que poderiam ser, facilmente, evitados.
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Diante desta conjuntura, revela-se questionável a necessidade de a PGFN adotar como prazo para realização de nova transação, no que se refere aos débitos anteriormente transacionados, a data da notificação formal da rescisão, dado os seus efeitos meramente declaratórios.
Em que pese entendermos que a existência da trava temporal é necessária para salvaguardar o instituto da transação tributária e evitar que contribuintes contumazes possam se beneficiar recorrentemente dos acordos – o que, de certa forma, transmutaria o instituto da transação tributária aos antigos parcelamentos especiais –, tal impedimento não pode ser tratado como penalidade, sob pena de violação frontal ao novo princípio constitucional da cooperação, com o retorno à relação conflituosa e repressiva que, num passado recente, refletia a relação entre fisco e contribuinte.
Ainda, é necessário buscar meios de aliar a tecnologia com a celeridade dos atos administrativos, o que resultará, sem dúvidas, na maior eficiência para a Administração Pública e previsibilidade para o contribuinte.
Até lá, o reconhecimento da data do fato constitutivo do descumprimento das condições legais como termo inicial para contagem do prazo para realização de nova transação dos débitos vinculados à rescisão é a medida indicada, uma vez que o ato promovido pela Administração Pública apenas reconhece situação preexistente e seus efeitos devem retroagir ao momento do descumprimento, de modo a validar o novo princípio de cooperação inserido em nosso ordenamento jurídico.