Sandbox regulatório e COP30: país está pronto para testar futuro da descarbonização?

A narrativa de que o Brasil dispõe de vantagens naturais únicas para liderar a descarbonização é recorrente, e verdadeira em grande medida. Entretanto, em meio à expectativa internacional, há um ponto de reflexão: o país dispõe de um ambiente regulatório minimamente preparado para testar, implementar e escalar essas inovações?

É nesse contexto que o sandbox regulatório surge como ferramenta estratégica para que novas tecnologias consigam superar, com segurança jurídica, a lacuna existente entre o discurso climático e práticas verdadeiramente transformadoras para a descarbonização do país.

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O conceito de sandbox regulatório – já adotado em maior ou menor grau por diversas agências reguladoras – consiste na criação de um ambiente experimental no qual normas são flexibilizadas, sanções podem ser suspensas e regimes regulatórios especiais são criados para viabilizar a inovação e o acompanhamento periódico de novos projetos.

Na prática, trata-se de instrumento pragmático, no qual o órgão regulador confere autorização vinculada para que agentes privados testem produtos ou serviços sob condições customizadas, por período limitado e com parâmetros de supervisão específicos.

No campo da transição energética, trata-se de ferramenta indispensável para lidar com cenários de alta complexidade, em que tecnologias e modelos de negócio ainda não contam com regulação consolidada e em que a inovação não pode esperar pelo ciclo tradicional de elaboração normativa.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem protagonizado esse movimento, embora enfrente os desafios estruturais que marcam a Administração Pública Federal. O marco legal do hidrogênio de baixa emissão (Lei 14.948/2024) conferiu à ANP a competência para regular, autorizar e fiscalizar as atividades do setor, prevendo expressamente o uso do sandbox como instrumento para viabilizar a regulação inicial.

A previsão vem acompanhada de um cenário institucional delicado: com restrições orçamentárias e déficit de pessoal, a Agência tem buscado soluções para dar conta de suas novas atribuições, inclusive com a revisão de seu regimento interno para reconhecer formalmente o sandbox como instrumento regulatório.

Essa mesma lógica tem orientado a atuação da ANP no campo do Carbon Capture, Use and Storage (CCUS) e dos demais biocombustíveis introduzidos pela Lei dos Combustíveis do Futuro. Desde o ano passado, quando a agência publicou, por meio da Resolução de Diretoria 256/2024, o Relatório de Implementação do Marco Regulatório de CCUS, estabeleceu-se que, enquanto não houver regulação definitiva, os projetos serão analisados no formato de projeto-piloto.

Essa abordagem tem permitido o desenvolvimento de iniciativas como o Projeto São Tomé/Cabiúnas, da Petrobras — que pretende criar um hub de CCUS no estado do Rio de Janeiro com capacidade para capturar até 30% das emissões do estado — e o Projeto FS Agrisolutions, voltado para bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS), em Mato Grosso. Na ausência de um arcabouço normativo próprio, ambos os projetos têm buscado se alinhar a referenciais internacionais, como as normas da EPA (EUA) e o protocolo de CCS da Califórnia.

No setor elétrico, a Aneel acumulou experiência relevante com o sandbox regulatório. Desde a Resolução Normativa 966/2021, que disciplinou o desenvolvimento e aplicação de projetos-pilotos que envolvam faturamento diferenciado pelas concessionárias e permissionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica, até por outros atos normativos supervenientes, a agência passou a incorporar o ambiente experimental para serviços ancilares e inovações em P&D.

Esses instrumentos mostram como o sandbox, mais do que um espaço para testes tecnológicos, funciona como um laboratório institucional para o próprio aprendizado regulatório.

Fora do setor energético, outros reguladores brasileiros também têm dado passos importantes. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), em recente painel promovido pela United Nations Environment Programme Finance Initiative (UNEP FI) na Regional Roundtable para a América Latina e o Caribe, reforçou o compromisso com a transformação ecológica do setor supervisionado e com o uso de ferramentas como o sandbox para colaborar com outros setores do mercado financeiro.

Essa integração entre regulação ambiental, seguradoras e mercado financeiro é fundamental para viabilizar modelos inovadores em descarbonização e para garantir maior segurança na implementação de novos projetos.

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No cenário internacional, a experiência de países como Alemanha e Austrália reforça a importância de se estruturar o sandbox não apenas como um instrumento isolado, mas como parte de uma política pública articulada. Na Austrália, por exemplo, o Energy Innovation Toolkit confere ao regulador o poder de emitir isenções temporárias e supervisionadas para regras que representem barreiras à inovação, desde que atendidos critérios de segurança, confiabilidade e contribuição aos objetivos nacionais de energia.

O Brasil ainda carece de uma abordagem coordenada que integre os diferentes sandboxes setoriais e permita ao ambiente regulatório acompanhar o ritmo e a complexidade da transição energética.

Embora a Nova Indústria Brasil (NIB) coloque inovação e sustentabilidade no centro da estratégia industrial, definindo áreas prioritárias para investimentos com base em seu potencial de impacto social e econômico, o avanço efetivo desses setores estratégicos dependerá da criação de soluções regulatórias mais ágeis e adaptáveis. Sem uma base institucional integrada, as mudanças necessárias para viabilizar novos projetos tendem a ocorrer de maneira desalinhada com as demandas da transição.

A COP30 será, sim, um momento de apresentar os avanços e compromissos do país na agenda climática. Contudo, a transição energética não se fará apenas com recursos naturais abundantes, mas com instituições preparadas para permitir que a inovação floresça.

Ela exigirá do Brasil um esforço para repensar seu arranjo institucional, sua capacidade de aprendizado regulatório e seu compromisso com um ambiente de negócios disruptivo e seguro do ponto de vista jurídico e operacional. O sandbox regulatório é um dos caminhos possíveis — e, talvez, um dos mais urgentes — para que esse esforço saia do papel.

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