Em programas de pós-graduação, é usual que os estudantes viajem ao exterior para aperfeiçoar a formação. O ganho é também da instituição de ensino brasileira, que se beneficia tanto dos conhecimentos que o aluno importa, quanto pela exportação do saber nacional, abrindo canal de internacionalização.
Para viabilizar as viagens, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) disponibiliza bolsas de estudo no exterior, tendo como uma das contrapartidas o retorno do estudante e a sua permanência no país por período não inferior ao da vigência da bolsa. Esta seria a forma de devolver os conhecimentos à sociedade, já que a viagem foi custeada com dinheiro público.
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No entanto, não são raros os casos de alunos bolsistas que constroem sua vida profissional (e pessoal) no país onde foram estudar, inviabilizando o retorno e permanência no Brasil. Se isso ocorrer, entende-se que o aluno bolsista deve ressarcir integralmente o erário – devolver o valor da bolsa de estudos – sob pena de inscrição do débito em dívida ativa e instauração de tomada de contas no Tribunal de Contas da União (TCU).
Na maioria das vezes, as contas são julgadas irregulares, sob o argumento de que o aluno bolsista não pode alegar desconhecimento das obrigações firmadas em contrato com o CNPq – argumento, aliás, extraído de decisões judiciais dos tribunais superiores. Ainda que se alegue que o título foi obtido ou que o produto da pesquisa foi entregue, o não retorno e a não permanência no país levam à declaração de inadimplência contratual.
Contudo, há casos em que o TCU tem conferido interpretação mais consentânea com a real finalidade da contrapartida de retorno e permanência, que é devolver o conhecimento à sociedade.
Por exemplo, no Acórdão 6776/2024 (2ª Câmara), no qual se discutia caso de bolsista que cursara quatro anos de doutorado no Canadá, o ministro Marcos Bemquerer Costa ponderou que os deveres de retorno e permanência constituem “norma meio”, já que isto, por si só, não garante que o aluno bolsista devolverá seus conhecimentos à comunidade. Afinal, como não há necessidade de comprovação de que o aluno continuou seus estudos, produziu artigos na área, tornou-se docente, etc., o mero retorno e permanência não são garantia de que a finalidade da contrapartida será atingida.
Ao analisar as provas trazidas pelo aluno bolsista – que abrangia estudos, artigos acadêmicos, projetos de pesquisa no Brasil e no exterior, facilitação de intercâmbio para outros alunos brasileiros no Canadá –, o TCU concluiu pela regularidade das contas com ressalva, dando-lhe quitação. Compreendeu-se que a contrapartida havia sido cumprida pelo aluno bolsista, ainda que ele não houvesse retornado ao Brasil.
A interpretação do TCU, reiterada em outro caso recente (Acórdão 2408/2025 da 2ª Câmara), está alinhada com a mudança de orientação do próprio CNPq, que possibilita contrapartida diferente do retorno e da permanência “a pedido do bolsista e demonstrado que sua permanência fora do país terá relevância estratégica para o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil” (RN 7/2018, artigo 7.5.1). Além disso, o TCU se mostra aberto a uma visão mais realista e moderna sobre a disseminação do conhecimento na sociedade – que não precisa ter presença física para ocorrer e não deve se resumir a ela.