Donald Trump é um sujeito loquaz e errático. Ataca e volta atrás com desfaçatez incomum. Logo, é precipitação afirmar, ǰá nessas primeiras horas, o futuro de sua carta ao presidente Lula.
O fato é que, no que se refere à questão comercial, o caso do Brasil não se difere muito do que o presidente americano tem feito pelo mundo: usar tarifas como uma arma protecionista de curtíssimo fôlego, pois, por mais que possam lhe render revisões comerciais com vários parceiros, esse instrumento não fará com que as empresas estrangeiras transfiram seus parques industriais para os Estados Unidos, como que fazer supor.
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No entanto, há dois aspectos que distinguem o Brasil: o primeiro, o papel do país no contexto do BRICS. Lula ocupou os últimos dias professando a importância do Bloco e a ideia de que dever-se-ia buscar uma moeda própria. Enquanto Xi Ji Ping e Vladmir Putin mantiveram-se em silêncio, o brasileiro assumiu linha-de-frente na contestação à reação norte-americana. Claro que isso deve ter “cutucado o urso”.
O segundo ponto é a política interna do país, na defesa que Donald Trump faz em relação à Jair Bolsonaro, e à soberania da Justiça brasileira de decidir suas questões e punir culpados por crimes de atentado ao Estado Direito e à Democracia. Nesse aspecto, não descartaria a possibilidade de ser Donald Trump quem está se aproveitando de Bolsonaro e não o contrário.
Bolsonaro, ao fim e ao cabo, pode ser apenas uma desculpa para a ação mais ampla do presidente americano. Sabe-se que, ao contrário da questão comercial, não há hipótese das instituições brasileiras voltarem atrás em relação ao caso Bolsonaro. Seria sua desmoralização e destruição. Logo, o ex-presidente pode se transformar em moeda de troca para a negociação comercial. O Brasil faz uma ou outra concessão tarifária — o que parece inevitável –, esfria-se o discurso a respeito da moeda do BRICS, e os norte-americanos esquecem Bolsonaro, como aliás é comum quando se trata de Donald Trump.
Enquanto isso, é claro, que o governo e seus aliados, ao lado das instituições, apontarão seus dedos em direção a Jair Bolsonaro e família, responsabilizando-os por eventuais perda e pelo claro ataque à soberania do país. As redes sociais já estão repleta de memes; ao que parece, o PT e seus aliados aprenderam a manejar a IA com rapidez e eficiência.
O próprio presidente Lula, ao responder publicamente a carta de Trump, foi bastante afirmativo em relação à autonomia da Justiça brasileira. Também indicou o dever da reciprocidade, em casos desse tipo, o qual está definido em lei. Buscou expressar que o ataque não foi ao Governo, mas ao país.
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Chama também atenção as primeiras manifestações da imprensa, posicionando-se em linha da defesa das prerrogativas das instituições do Brasil, com destaque para o editorial do jornal O Estado de S. Paulo: “ao exigir que o governo brasileiro atue para interromper as ações contra Jair Bolsonaro (…), Trump imiscui-se de forma ultrajante em assuntos internos do Brasil (…) mesmo para seus padrões a carta endereçada ao governo brasileiro passou de todos os limites. A reação inicial de Lula foi correta”. Como se sabe, o jornal está longe de ser um aliado do PT.
De qualquer modo, o bolsonarismo não se notabiliza pelo cálculo estratégico. Suas primeiras manifestações oscilam entre a euforia tola e a dissimulação, atribuindo ao presidente Lula a responsabilidade pelo ataque de Donald Trump, omitindo as ações de Eduardo Bolsonaro, nessa direção.
Com efeito, raciocínios mais sofisticados escapam da percepção bolsonarista, que tende a se enfeitiçar por lances táticos e se perder no confuso emaranhado de possibilidades e desdobramentos de qualquer movimento político mais profundo e mais sutil. É possível que, sem perceber, se veja enredado em interesses muito maiores que Jair Bolsonaro, talvez usado, nesse episódio, como “boi de piranha”.